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AS CONCEPÇÕES FREUDIANAS DA SEXUALIDADE: A SÍNTESE NECESSÁRIA À DISCUSSÃO ACERCA DA CONSISTÊNCIA DE CERTA

NATURALIZAÇÃO DA MATRIZ HETEROSSEXUAL

4.1 AS CONCEPÇÕES FREUDIANAS DA SEXUALIDADE: A SÍNTESE NECESSÁRIA À DISCUSSÃO ACERCA DA CONSISTÊNCIA DE CERTA

NOÇÃO DE “IDENTIDADE SEXUAL”

No Capítulo III desta dissertação, se analisou o conceito de ―sexualidade‖ articulado em cada uma dentre certas obras de Freud. Adicionalmente, se analisaram os conceitos freudianos de ―sexo‖, de ―complexo de Édipo‖ e de ―complexo de castração‖, considerados como relacionados, de algum modo, com aquele conceito. Embora tenham ocorrido variadas modificações em suas concepções, algumas das suposições do autor acerca da sexualidade seriam mantidas em suas obras mais tardiamente escritas.

Ainda em 1905, em sua obra intitulada ―Três ensaios sobre a sexualidade‖, Freud criticou os conceitos de ―sexo‖ e de ―sexualidade‖ socialmente articulados e, então, conceituou, mais complexamente, o sexo e a sexualidade. Nesta, o autor considerou o sexo de um indivíduo como não determinante de sua sexualidade; e, sua sexualidade como

normalmente iniciada em sua infância – conceituando a sexualidade infantil. Ainda,

considerou que, independentemente de seu sexo, o indivíduo seria, originariamente, perverso-

polimorfo – sua sexualidade sendo ―desenvolvível‖ em variados sentidos, sendo constituída

em meio a uma interação entre suas predisposições sexuais e suas experiências.

Implicitamente, considerou a sexualidade do indivíduo como constituída, ao menos, pelos seus caracteres [sexuais] psíquicos – correspondidos, nesta dissertação, à categoria de

gênero – e pela sua modalidade de investimento objetal – correspondida, nesta dissertação, à categoria de orientação sexual. Entretanto, embora os tenha conceituado mais

complexamente, naturalizou e normatizou seu conceito de ―sexo‖ e, em alguns excertos não ―problematizados‖, seria normatizada a sexualidade. Além disso, embora tenha sustentado a inexistência de uma relação de necessidade entre os caracteres sexuais somáticos de um indivíduo, os seus caracteres sexuais psíquicos e as suas modalidades de investimento objetal,

concebeu-os como entidades essenciais e normalizou a correspondência entre certos sexos, certos caracteres sexuais psíquicos e algumas das mencionadas modalidades.

Nesse caso, indiretamente, Freud estabeleceu que, em meio ao seu desenvolvimento

psicossexual, iniciado em sua infância, o indivíduo assumiria caracteres sexuais psíquicos e

uma modalidade de investimento objetal coerentes, ou incoerentes, com seu sexo. Indiretamente, o autor considerou ao menos uma das subcategorias da homossexualidade – denominada ―inversão [absoluta]‖ – como anormalidade, assim como considerou o denominado ―hermafroditismo‖. O autor (1905) considerou os sexos ―masculino‖ e ―feminino‖ como entidades não somente naturais, mas normais.

Já em 1908, em sua obra intitulada ―Sobre as teorias sexuais das crianças‖, Freud sintetizou algumas de suas considerações acerca do desenvolvimento psicossexual. Nesse contexto, naturalizou o sexo e essencializou a sexualidade; e considerou o momento no qual se originaria o interesse sexual em um indivíduo como resultante de uma interação entre a sua

educação – isto é, sua criação – e os níveis de intensidade de suas pulsões sexuais.

Indiretamente, desenvolveu seu conceito de ―sexualidade infantil‖, articulado em 1905.

Ainda, certa noção de ―gênero‖ seria coerente com a sua teoria contida nesta obra (1908). Mais restritamente, ao menos em um dos excertos desta, em seu uso do termo alemão ―geschlecht‖ – comumente designador do sexo [anatômico] –, Freud designou certa entidade, correspondida atualmente com a categoria de gênero. Possivelmente, entretanto, a noção de ―gênero‖ [considerada como coerente com esta obra de Freud] represente uma categoria

analítica, não uma categoria identitária naturalizada. Não constam, na mesma obra, alguns

dos elementos teóricos necessários à conclusão acerca de seu estatuto de naturalização. Em 1920, em sua obra intitulada ―A psicogênese de um caso de homossexualidade

numa mulher‖, Freud reconstruiu seu atendimento analítico a uma suposta ―mulher

homossexual‖. Nesta obra, ao menos, se naturalizou o sexo e se essencializou a sexualidade. O autor, assim como em 1905, sustentou teoricamente a inexistência de uma relação de necessidade entre os caracteres sexuais somáticos de um indivíduo, os seus caracteres

sexuais psíquicos e as suas modalidades de investimento objetal. Contudo, normalizou a

correspondência entre certos sexos e certas sexualidades. Nesta obra, a denominada ―inversão

[sexual]‖ foi considerada como entidade anormal. De outro lado, a intersexualidade,

denominada, nesta obra, ―hermafroditismo [somático]‖, se considerou, mais uma vez, deste mesmo modo.

Em 1924, no ensaio freudiano intitulado ―A dissolução do complexo de Édipo‖, Freud desenvolveu seus conceitos de ―complexo de Édipo‖ – articulado, antes, em sua obra intitulada ―O Eu e o Isso‖ (1923) – e de ―complexo de castração‖, essencializando-os. Indiretamente, naturalizou o sexo e essencializou a sexualidade. Embora o autor tenha sustentado teoricamente a suposição da inexistência da anteriormente mencionada relação de necessidade, estabeleceu indiretamente a normalidade da correspondência entre certos sexos, certas atitudes sexuais e certas modalidades de investimento objetal.

Já em 1925, em seu ensaio intitulado ―Algumas consequências psíquicas da diferença

anatômica entre os sexos‖, Freud essencializou, novamente, seus conceitos de ―complexo de Édipo‖ e de ―complexo de castração‖. Ainda, abertamente, diferenciou entre si os complexos de Édipo ―masculino‖ e ―feminino‖. No complexo de Édipo ―masculino‖, estabeleceu a

existência de uma ―orientação dupla‖ – isto é, a coexistência de uma atitude masculina, considerada como atividade, e de uma atitude feminina, considerada como passividade. Já no

complexo de Édipo ―feminino‖, a existência de outra ―orientação‖.

Além disso, Freud considerou o estabelecimento do complexo de castração em uma ―menina‖ como condição necessária ao estabelecimento do complexo de Édipo nesta última; e o estabelecimento do complexo de Édipo em um ―menino‖ como condição necessária ao estabelecimento do complexo de castração neste último. De outro lado, o autor naturalizou o

sexo e essencializou os caracteres sexuais psíquicos – e, assim, a sexualidade.

Adicionalmente, normalizou a correspondência entre certos sexos e certos caracteres sexuais

psíquicos.

Em 1931, em seu ensaio intitulado ―Sexualidade feminina‖, o autor essencializou, mais uma vez, o complexo de Édipo; e diferenciou, entre si, os complexos de Édipo ―feminino‖ e ―masculino‖. Freud naturalizou o sexo e essencializou as sexualidades, assim como em 1924; e normalizou a correspondência entre certos sexos e certas sexualidades, exatamente como em outros contextos.

Já em 1933, em seu ensaio intitulado ―A feminilidade‖, naturalizou o sexo, mas desconstruiu as denominadas ―masculinidade‖ e ―feminilidade‖ – correspondidos, nesta

dissertação, a expressões de gênero. Nesse ensaio, Freud estabeleceu, originalmente, a

inexistência de uma relação de necessidade entre uma feminilidade e uma passividade – isto é, a assunção de um posicionamento passivo –; e de uma relação de necessidade entre uma

Portanto, seria consistente a suposição de que, até 1933, Freud não criticou a

normatividade denominada, na teoria de Butler (1990), ―matriz heterossexual‖; e, ao menos

em alguns casos, o autor supôs a normalidade da correspondência entre certos sexos e certas

sexualidades. No campo psicanalítico, muito comumente, se considerou a teoria freudiana

como subversiva no aspecto ―identitário sexual‖. Entretanto, embora Freud tenha criticado, em algumas de suas obras, as noções de ―sexo‖ e de ―sexualidade‖ então mais comuns socialmente, e desenvolvido criticamente e complexamente seus conceitos de ―sexo‖ e de ―sexualidade‖, não desnaturalizou ambos simultaneamente.

Por outro lado, o autor concebeu o ―eu consciente‖ – considerado nesta dissertação como identidade do “eu” – como instância psíquica ilusória e, indiretamente, como

complexo de representações de ―si mesmo‖ acessíveis à consciência. Contudo, a noção de

―identidade do ‗eu‘‖ não seria a única noção de ―identidade‖ consistentemente considerada como coerente com a teoria de Freud – ou, ao menos, como resultante desta última. Em meio à análise do conceito freudiano de ―sexualidade‖, se evidenciaram, em alguns excertos da mencionada teoria, a naturalização do sexo e a essencialização da sexualidade, assim como a

normatização de ambas.

Nesse contexto, seriam consistentes as seguintes interrogações: “A noção de

„identidade sexual‟ seria coerente com a teoria freudiana?”; “O quê seria esta identidade sexual?”; “Qual seria a sua natureza?”. Em outros termos: “As entidades denominadas, na teoria de Freud, “homem normal”, “homem invertido”, “mulher normal” e “mulher invertida” consistiriam em subcategorias sexuais – isto é, identidades sexuais – naturalizadas?”. “Ou, meramente, em categorias analíticas?”. A essencialização da

sexualidade concebida em sua teoria não necessariamente se relacionará com a concepção

essencializada de identidades sexuais nesta última.

Ainda, sendo sustentada a coerência da articulação da noção de ―identidade sexual‖ na

teoria freudiana, seria consistente a seguinte outra interrogação: “Quais seriam as relações

entre a identidade sexual e a identidade do „eu‟?”. A análise – desenvolvida no Capítulo III – das conceituações freudianas do sexo e da sexualidade – assim como dos complexos de

Édipo e de castração – seria necessária a uma conclusão acerca do estatuto de coerência da articulação metapsicológica da noção de ―identidade sexual‖. No entanto, esta identidade sexual ainda não teria sido expressivamente caracterizada. Na seguinte seção, se analisou esta

4.2 O ESTATUTO DE COERÊNCIA DA ARTICULAÇÃO DE UMA NOÇÃO DE