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4.1. Noções de interpretação

4.1.2. Concepções modernas

A Teoria da Argumentação Jurídica nasce inspirada nos conceitos da nova retó- rica, como instrumento da razão prática, verificada sua importância particular para a lógica jurídica (PERELMAN, 1998: 140). Sustenta o princípio de que a lógica jurídica não obedece ao mesmo critério de uma lógica formal. Enquanto esta utiliza a prova de- monstrativa, em busca de uma verdade, aquela diz respeito mais à adesão a uma decisão a que se chega através da argumentação.

Como ensina Tercio Sampaio, “A demonstração, neste sentido, liga-se aos racio- cínios lógico-formais, como os matemáticos, enquanto a argumentação, não pressupon- do a construção de sistemas axiomatizáveis, com seus axiomas e regras de transforma- ção, refere-se aos raciocínios persuasivos, como são os políticos e os jurídicos, cuja va- lidade é restrita a auditórios e particulares, não pretendendo adquirir a universalidade da demonstração” (FERRAZ JÚNIOR, 1994: 323).

Robert Alexy desenvolve sua Teoria da Argumentação Jurídica (ALEXY, 2001b: 211 et ss.) tentando fundamentar as regras de direitos humanos, que são regras para a esfera da ação. Tem sua base na teoria do discurso, com raiz em Habermas (HA- BERMAS, 1973: 240 apud ALEXY, idem: 99), que permite não só uma fundamentação dos direitos fundamentais, como também constitui a teoria básica do Estado Democráti- co de Direito.

O autor apresenta uma série de formas de argumento individuais, com estreita associação qualitativa com os métodos tradicionais de interpretação, dentre os quais destacamos a forma de argumento teleológico que, para Alexy, para se compreender o seu conceito, é necessário antes “uma análise detalhada dos conceitos de fins e meios bem como dos conceitos correspondentes de desejo, intenção, necessidade prática e ob- jetivo” (ALEXY, idem: 232).

Reconhecendo a impossibilidade de fazer essa análise detalhada naquela oportu- nidade, Alexy, no entanto, dá a conhecer a estrutura da argumentação teleológica e ex- põe a seguinte característica:

Argumentos teleológicos objetivos são caracterizados pelo fato de que o indivíduo que argumenta não se apóia nos objetivos de qualquer pessoa do passado ou do presente, mas antes nos objetivos ‘racionais’, ou aqueles ‘objetiva- mente prescritos no contexto da ordem jurídica em vigor’ (ALEXY, 2001b: 233).

Podemos fazer, a partir desse conceito, uma referência ao Princípio da Unidade da Constituição, que vê nesta uma união de normas coordenadas, ou ainda, ao Princípio da Harmonização das normas constitucionais, que busca conciliar interesses. É essa Unidade, aliada a essa Harmonia, que, entendemos, vai dar subsídios à compreensão dos “objetivos racionais prescritos no contexto da ordem jurídica”, o que caracteriza a fina- lidade do próprio sistema constitucional.

A teoria da argumentação se apresenta bastante democrática quando pressupõe, ainda, na observação de Daniel Sarmento, “a existência de uma comunidade dialógica”, podendo ser aplicada no processo da ponderação de interesses (SARMENTO, 2000: 127). Nas palavras do autor, “O que há são soluções mais ou menos razoáveis, dentro das molduras estabelecidas pela Constituição, cuja legitimidade vai repousar na força persuasória da sua fundamentação, em relação a um auditório universal, formado por toda comunidade política” (SARMENTO, idem: ibidem).

Na esteira da teoria da argumentação, Alexy desenvolve, ainda, as “Classes de fundamentação teorético-discursiva dos direitos humanos” (ALEXY, 2001c: 97), enri- quecendo o estudo da aplicação da Constituição em seus aspectos fundamentais.

O objetivo principal de se interpretar uma constituição é buscar o máximo de sua efetividade. As normas não podem ser vistas pela óptica de um formalismo que limite o seu campo de compreensão, que pode vir a comprometer os esforços de uma realização eficaz da Constituição.

Diz Canotilho que realizar a constituição significa tornar juridicamente efica- zes as normas constitucionais (CANOTILHO, 1998: 1126), uma vez que toda constitui- ção tem uma pretensão de eficácia.

A mera cogitação15 da mudança, na Constituição Brasileira de 1988, de um direi- to individual de tamanha importância, com todos os valores consagrados, e já imutável

15 Atentar para a dicção do texto constitucional: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda

em face de toda a sistemática de proteção aos direitos fundamentais, é uma afronta fla- grante à força normativa da constituição e uma nefanda justificação, não, decerto, de um poder real e dominante, propriamente dito, como na crítica de Hesse à Lassale, mas de todo um sistema político falido e injusto, e contrário a toda ordem valorativa constitu- cionalmente garantida.

Assim pensamos, a partir da observação de Hesse de que “o Direito Constitucio- nal não estaria a serviço de uma ordem estatal justa, cumprindo-lhe tão somente a mise- rável função – indigna de qualquer ciência – de justificar as relações de poder dominan- tes. Se a Ciência da Constituição adota essa tese e passa a admitir constituição real co- mo decisiva, tem-se a sua descaracterização como ciência normativa, operando-se a sua conversão numa simples ciência do ser” (HESSE, 1991: 11).

Precisamos lembrar da velha concepção do sentido sociológico de Constituição, apresentado por Ferdinand Lassale: “Onde a constituição escrita não corresponder à

real, irrompe, inevitavelmente, um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia

menos dia, a constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá, necessariamente, perante a constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país” (LASSALE, 1998: 47).

A crítica de Hesse, no entanto, não pode ser reduzida, apenas, à compreensão da força normativa, mas que, conscientes dessa compreensão, possamos analisar as formas de se tornar efetiva essa força normativa. E essa análise parte do significado da ordena- ção jurídica (DEVER SER) em função da realidade (SER).

Por isso, voltamos novamente a Hesse, quando este afirma que “o significado da ordenação jurídica na realidade, e em face dela, somente pode ser apreciado se ambas – ordenação e realidade – forem consideradas em sua relação, em seu inseparável contex- to, e no seu condicionamento recíproco” (HESSE, 1991: 13).

A idéia, portanto, de que o significado da ordenação jurídica, no caso a Constitu- ição, só pode ser apreciado em virtude de seus efeitos na realidade traz uma inevitável necessidade de se verificar as questões a respeito de sua eficácia, até porque, a “Consti- tuição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficá- cia” (HESSE, idem: 16). Daí, nasce o esforço de se procurar, cada vez mais, analisar os “âmbitos da norma”, uma vez que “a concretização prática da norma é mais do que a interpretação do texto” (MÜLLER, 2000: 22). Para Friedrich Müller, essa é uma “metó-

dica” que “abrange em princípio todas as modalidades de trabalho da concretização da norma e da realização do direito” (MÜLLER, 2000: 22).

A força está na natureza das coisas e constitui a essência e a eficácia da constitu- ição, “impulsionando-a, conduzindo-a, e transformando-se, assim, em força ativa” (HESSE, 1991: 20).