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4.2. Eficácia: princípios e direitos fundamentais

4.2.2. Distinção entre princípios e regras

Quando os princípios entram nas constituições, inspiradas pelas Declarações de direitos, dão positividade aos valores mas não trazem uma certeza sobra a sua imperati- vidade, daí a concepção do caráter meramente programático da Velha Hermenêutica, com relação aos princípios. Outro aspecto é o da suficiência ou insuficiência do orde-

namento jurídico. O Positivismo vem, justamente, sanar a subjetividade do Direito Na- tural com a racionalização do Direito e sua conseqüente estruturação em normas objeti- vas.

O Direito Positivo, por sua vez, se baseia numa controvertida tese da completude do ordenamento jurídico e isso resulta num Estado de Direito legalista que vai acabar sendo questionado após os horrores da Segunda Grande Guerra, devido às atuações da já superada Alemanha hitlerista.

É justamente “na idade do pós-positivismo que tanto a doutrina do Direito Natu- ral como a do velho positivismo ortodoxo vêm abaixo” (BONAVIDES, 1998: 237), recebendo críticas acerbas, precisamente pelo jurista Ronald Dworkin em sua importan- te obra Taking Rights Seriously.16 Mas é Robert Alexy quem dá maior contribuição para

os progressos da Nova Hermenêutica e às tendências axiológicas de compreensão prin- cipalmente do Direito Constitucional, estabelecendo a distinção entre princípios e re- gras, mas enquadrando ambos como normas jurídicas (ALEXY, 2001a: 81-86).

Para o jurista alemão, essa distinção é muito importante para o estudo dos Direi- tos Fundamentais, uma vez que “Ela constitui a base da fundamentação jusfundamental e é uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos funda- mentais” (ALEXY, idem: 81). Basicamente, a distinção se resume no fato de que tanto os princípios como as regras são normas, sendo, no entanto, que os primeiros são nor- mas de um grau de generalidade muito alto, e as segundas, normas de baixo grau de generalidade.

Para Bonavides, “Sem aprofundarmos a investigação acerca da função dos prin- cípios nos ordenamentos jurídicos, não é possível compreender a natureza, a essência e os rumos do constitucionalismo contemporâneo” (BONAVIDES, 1998: 231). Ainda na esteira do pensamento de Alexy, os princípios constitucionais funcionam como manda-

tos de optimización (ALEXY, 2001a: 86), podendo ser cumpridos em diferentes graus,

dependendo a medida de seu cumprimento não só de possibilidades reais como também de possibilidades jurídicas.

É sabido que a Constituição possui não só princípios explícitos, mas existem, ainda, aqueles princípios que, apesar de não estarem expressos no texto constitucional, formam o que se convencionou chamar de espírito da Constituição, pois, em função de

sua abertura, pode refletir os valores fundamentais partilhados pela comunidade, ou ser fruto de uma evolução jurisprudencial num esforço de descoberta e não de pura inven- ção (SARMENTO, 2000: 53).

Os princípios, portanto, pela acentuada carga axiológica que possuem, e sendo mais próximos dos conceitos de justiça, têm a função de fundamento da ordem político- jurídica de um Estado. Mas, o que é ainda de maior relevância é que os princípios exer- cem uma significativa função hermenêutica, iluminando todo o ordenamento, “configu- rando-se como genuínos vetores exegéticos para a compreensão e aplicação das demais normas constitucionais e infraconstitucionais” (SARMENTO, idem: 55).

Essa característica de vetor exegético para a compreensão das demais normas, principalmente no que se refere às normas constitucionais, não se traduz, necessaria- mente, como vimos, em uma superioridade hierárquica dos princípios, uma vez que a concepção de uma hierarquia interna na Constituição vai de encontro ao Princípio da Unidade da Constituição. Se bem atentarmos para a questão, vamos perceber que a vin- culação está voltada para o intérprete, não para a norma.

Assim, compreendemos a relação entre os Princípios e os Direitos Fundamen- tais. Ambos são normas da Constituição, sendo estes aplicados em função daqueles, não em virtude de uma obediência a um critério hierárquico de validade, mas porque os Princípios, por seu conteúdo axiológico, vão orientar o intérprete no seu esforço de compreensão do sentido e do alcance dos Direitos Fundamentais. Resumindo: ao inter- pretarmos os Direitos Fundamentais à luz dos Princípios Fundamentais, estamos desen- volvendo uma análise valorativa daqueles direitos.

Além de sua função fundamentadora da aplicação e da compreensão das demais normas constitucionais, os princípios possuem, ainda, uma eficácia positiva e outra ne- gativa que se incorporam àquelas normas:

...por eficácia positiva dos princípios, entende-se a inspi-

ração, a luz hermenêutica e normativa lançadas no ato de aplicar o Direito, que conduz a determinadas soluções em cada caso, segundo a finalidade perseguida pelos princí- pios incidíveis no mesmo; por eficácia negativa dos prin-

cípios, entende-se que decisões, regras, ou mesmo sub-

princípios que se contraponham a princípios serão inváli- dos, por contraste normativo (ESPÍNDOLA, 1999: 55).

Porém, dizíamos anteriormente que estamos identificando a eficácia positiva com a atuação ativa do Estado. Essa posição tem muita relevância quanto à relação entre Princípios e Direitos Fundamentais. Ivo Dantas, após observar o ineditismo do termo

Princípios Fundamentais nas constituições brasileiras precedentes à vigente, faz a se-

guinte observação:

No caso da Constituição Federal de 1988, se examinarmos as cláusulas pétreas no art. 60, § 4.°, incisos I a IV, che- garemos à conclusão de que em sua quase totalidade, são uma sinopse de tudo o que está determinado nos Princí-

pios Fundamentais (Título I, arts. 1.° ao 4.°) da mesma

Lei Maior (DANTAS, 1995: 90).

Uma análise valorativa dos direitos fundamentais, ao fornecer subsídios para descobrirmos o sentido desses direitos por um método racional e sistemático, já que os “valores” são os positivados no sistema através dos Princípios Fundamentais, vai nos ajudar, ainda, a compreender a sua eficácia ou as dimensões de sua eficácia e conse- qüente aplicabilidade.

Assim, trabalhamos não só com o texto da norma, o que para Müller representa apenas o programa da norma (MÜLLER, 1994: 541 / 2000: 53), a “ponta do iceberg”, mas procuramos identificar o âmbito da norma como resultado dos procedimentos mo- dernos de interpretação constitucional, reforçando a materialidade dos direitos funda- mentais através da riqueza das suas áreas materiais e de normas. Essa materialidade vai ser reforçada quando aplicamos o sentido valorativo dos princípios nas normas que es- tabelecem os direitos fundamentais, identificando, assim, a sua eficácia positiva como tarefas estatais, fruto de uma visão panorâmica da Constituição.

O autor explica, ainda, que a normatividade resulta dos dados extralingüísticos de tipo estatal-social: “de um funcionamento efetivo, de um reconhecimento efetivo e de uma atualidade efetiva desse ordenamento constitucional para motivações empíricas na sua área” (MÜLLER, 2000: 54).

Podemos entender que essa concretização da norma constitucional não se res- tringe ao momento de sua aplicação, mas tem como fase primordial o momento de pré- compreensão, não a nível jurisdicional, mas como um esforço de dilatação do sentido e alcance das normas.