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4.2 Os achados de pesquisa no Grupo Dialogal

4.2.2 Concepções

Conforme já observamos em outras partes deste trabalho, a forma como a sociedade e as pessoas em geral veem as crianças e as infâncias norteia o modo de tratá-las, como uma concepção dinâmica que acompanha as transformações da sociedade e, sobretudo das famílias. Nas instituições educativas em geral, ocorre o mesmo, ou seja, as concepções dos sujeitos que atuam nas escolas interferem diretamente na organização dos espaços, ambientes, nas atividades, nas relações etc.

Na análise dos dados produzidos percebemos que as concepções individuais das professoras eram muito próximas, de modo que a fala de uma era completada pelos comentários das demais. Conforme o Quadro 3 observamos as concepções recorrentes nas falas:

Quadro 3: As concepções Concepção de Criança/Aluno Concepção de Desenvolvimento Infantil

Concepção de Formação Concepções de Educação Infantil

Lúdico na Educação Infantil Concepção de Criança/Infância

Concepções de Famílias Concepções de Escola Concepções de Escola/ das Famílias

Criança Sujeito de Direitos Qualidade da Educação Visão da Realidade da Escola Lembranças da Infância/ Educação Infantil

Institucionalização da Infância Cultura Escolar

O conceito de “devir” (Abramowicz, 2003); (SARMENTO, 2016) apontado no primeiro capítulo desta pesquisa tomou forma nas narrativas das professoras, sobretudo no tange a concepção de criança/aluno como opostos. Abaixo temos uma fala de uma professora que compreende que a criança na educação infantil necessita se enquadrar na cultura escolar, sobretudo ao que se refere à seriação.

Renata- “Não sou professora particular e conforme ela for mudando de série, vai ser

mais alunos ainda, mais difícil ainda, talvez seja o momento de professor nem saber o nome dela direito... dependendo da quantidade de alunos que tiver na sala”.

É possível observar na fala da professora a preocupação que a criança se adapte às demandas futuras de sua vida de estudante. Mesmo estando na educação infantil, a professora antevê uma dificuldade no ensino fundamental II, momento em que a criança terá em seu cotidiano não apenas um, mas vários professores. A adaptação aos rituais e aos costumes próprios à cultura escolar baliza a identificação da criança com a representação do que é o

bom ou mau aluno. A conformação com as regras e o seu desempenho acadêmico parece

configurar as concepções das professoras acerca da concepção de criança/aluno no ambiente escolar, conforme vemos nos relatos abaixo.

Laura- “O ‘bonitinho’ da Adriana ficou tranquilinho, fazendo a lição dele.” ... “O

que ela vai falar? O aluno dela é um exemplo.” (risos).

Renata- “Só que as lições dela todas eram assim: ‘parabéns; excelente; que lição

caprichada que você fez Aline; nossa Aline! Cada dia sua lição está mais bonita; que lindo, parabéns!’. As lições dela eram todas assim.”

De uma ideia de criança como vir a ser (ARIÈS,1978) historicamente conquistou-se uma condição de maior destaque na sociedade brasileira da criança, com direitos e uma situação legal que alça a criança e as infâncias, gerando também sentimentos ambivalentes, conforme Kramer afirma:

O sentimento de infância corresponde a duas atitudes contraditórias: uma considera a criança ingênua, inocente e graciosa e é traduzida pela paparicação dos adultos, e a outra surge simultaneamente à primeira, mas se contrapõe a ela, tornando a criança um ser imperfeito e incompleto, que necessita da ‘moralização’ e da educação feita pelo adulto (KRAMER, 2003, p. 18).

No caso brasileiro, as instituições de educação infantil seguiram o modelo americano de pré-escolas, como preparatórias à escola obrigatória. Assim, na década de 1970 e 1980, por pressão das camadas populares houve significativa expansão da educação infantil (creches e

pré-escolas, de responsabilidade dos municípios), sendo que atualmente a pré-escola (o atendimento de crianças de 4 e 5 anos) está em vias de ser universalizado, visando atender a Emenda Constitucional n. 59/200938 e do Plano Nacional de Educação (Lei Federal n. 13.005/2014). A ideia do direito à Educação como direito da criança e não necessariamente da família, representa um grande avanço social e educacional, em que pese o aumento da oferta de vagas na educação infantil, trata-se de conquistar a qualidade social, fruto de uma educação integral, holística e que veja a criança em sua totalidade.

A Sociologia e a Antropologia da Infância nos ajudam a compreender a criança e as infâncias como construções históricas e como produtores de cultura e protagonistas de seus processos formativos, nas ações de educar e de cuidar. Na prática são várias as concepções sobre criança, infâncias e educação infantil, esta última, segundo as orientações legais e a produção na área, devem estar dirigidas à criança, o que provoca desafios. Segundo Oliveira- Formosinho & Araújo (2008, p.22):

Um dos maiores desafios para os quais nos colocou a Pedagogia da Infância provém de ter mostrado que a construção do conhecimento pela criança necessita de um contexto social e pedagógico que sustente, promova, facilite, celebre a participação, de um contexto que participe na construção da participação.

Compreender as crianças como sujeitos, estarmos abertos aos seus questionamentos na relação que estabelecem com seu meio e com as construções históricas que a precederam, contextualizada social, econômica e socialmente, faz com que seja muito importante saber como as crianças que adentram as instituições educativas se vem nesses ambientes, para que se possa melhor acolhê-las e proporcionar interações produtivas e que favoreçam o desenvolvimento e a aprendizagem - que busquem refletir de forma crítica aos diferentes condicionantes orientadores das formas de organização do trabalho pedagógico das crianças como condutas humanas em suas múltiplas dimensões.

Apesar de haver instrumentos legais que garantem às crianças a condição de sujeitos de direitos conforme já foi dito, há um vasto campo de estudo acerca da participação da criança e sua atuação nos diversos contextos (CRUZ, 2008); (PASSEGGI, 2014); (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2008). Entendemos que tais estudos justamente buscam

38 Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI.

legitimar e provar que as crianças são sujeitos de direitos - cidadãos que participam da sociedade em que estão inseridos, influenciando e sendo influenciados por ela – desvelando, por vezes, a criança na condição de assujeitado, reconduzindo o debate sobre a criança como sujeito de direitos. Assim, os estudos da Sociologia e da Antropologia da Infância buscam contribuir para que seja abandonada a representação da criança como o “devir”.