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A narrativa como metodologia para a escuta em pesquisas com crianças

Oportunizar a voz à criança, considerando que a pesquisa com criança não se caracteriza pela mera escuta, criam-se possibilidades para a criação autoral da criança, propiciando respostas às indagações docentes acerca do processo de ensino, desenvolvimento e aprendizagem da criança. Outro aspecto importante na pesquisa com crianças é a forma como o pesquisador faz sua aproximação com as vozes da criança. Se faz importante coordenar ações para que a criança se sinta à vontade para falar, a partir de vínculos de confiança construídos entre pesquisador e participante.

Os estudos de Passeggi (2014) trazem argumentos para a relevância das pesquisas com crianças, quanto à necessidade da escuta para a ressignificação ou o entendimento de circunstâncias ou acontecimentos. As crianças exercem seu protagonismo no modo como constroem seus conhecimentos, uma vez que elas têm um modo próprio de internalizar as experiências do mundo que as cercam. E as narrativas infantis podem propiciar este protagonismo, na medida em que a fala da criança possa ecoar em dados para nossas perspectivas epistemológicas.

A valorização da infância está intrinsecamente ligada à ideia da criança como protagonista do seu processo de construção de conhecimento, reconhecendo as capacidades de seu entendimento e percepção do mundo. Ao explorar o mundo, experienciando as diversas possibilidades e ao seu modo, a criança assimila a realidade por meio da ludicidade, utilizando da imaginação para realizar conexões com o que pensa e acontece a sua volta.

Bruner (1997) se refere à aprendizagem afirmando que o adulto fornece andaimes à criança, desse modo poderíamos afirmar que a escuta sensível poderia fornecer as condições necessárias às narrativas infantis.

Há estudos que caminham ao encontro do uso de narrativas infantis em diversos campos de pesquisas - (PASSEGGI, 2014), (CRUZ, 2008), (LEE, 2010) - como metodologia que propicia ao sujeito processos reflexivos e consequentemente, em sua formação, uma vez que no ato de narrar se opera o mecanismo da metalinguagem20, mobilizando a reflexão sobre aquilo que se narra. Tomamos como referência os estudos do Grupo de Pesquisa intitulado

Narrativas infantis. O que contam as crianças sobre as escolas da infância?- que traz ao

campo acadêmico e das políticas públicas educacionais a reinvindicação da escuta de crianças em ambientes educacionais21.

Tal pesquisa foi desenvolvida em contextos sociais e regionais diferentes, mas em um mesmo formato que consiste em apresentar às crianças um pequeno boneco alienígena que veio de um planeta em que não há escolas, sendo solicitado às crianças que narrassem o sentido da escola para elas. Os pesquisadores se utilizaram de algumas perguntas para o desenvolvimento da roda de conversa com as crianças e no fechamento, com a volta do alienígena para seu planeta, as crianças escreveram mensagens e fizeram desenhos para os amigos do alienígena que estão em seu planeta.

Na dinâmica de escuta apresentada acima, ao falar sobre a escola, as crianças anunciam e denunciam questões sobre o silenciamento, a cessão de direitos e os significados das vivências nesses ambientes educativos. Considerar a palavra da criança como sujeito de direitos, dando-lhe a devida relevância, assevera que sua voz é fonte digna de interesse pelo significado de suas percepções.

A pesquisa com crianças não se caracteriza pela mera escuta, na realidade criam-se possibilidades para a criação autoral da criança, propiciando respostas às indagações sobre o que elas pensam. Na escuta por meio de rodas de conversa da pesquisadora com as crianças, seguindo a metodologia utilizada nos estudos de Passeggi et al (2014) é possível que se descortine um mundo novo por entre as lentes do olhar curioso da criança.

20

Metalinguagem- Em sentido literal se configura na linguagem empregada para descrever ou dar significação à própria linguagem.

21

O Projeto em andamento é financiado pelo Edital de Ciências Humanas [CNPq/CAPES 07/2011-2, Processo nº 401519/2011-2], e desenvolvido por pesquisadores de seis universidades: UFRN, UFPE, UNICID, UNIFESP, UFF e UFRR. Aprovado pelo Comitê de Ética [Parecer nº 168.818]. A pesquisa integra um projeto internacional “Raconter l’école em cours de scolarisation”, coordenado por Martine Lani-Bayle (Université de Nantes), desenvolvido, em rede, por pesquisadores da França, Polônia, Bélgica, Suíça, Brasil (In: PASSEGGI et al, 2014, p.102).

Para Abramowicz (2003, p. 22) “precisamos dar condições para que todas as vozes, principalmente as sussurrantes, falem e ecoem, para que também possamos escutar todas as vozes que emudeceram”.

Abrahão (2006) esclarece as dimensões das narrativas: como fenômeno, pelo ato de narrar-se; como método de investigação, pela ressignificação do vivido; e pelo tempo

narrado. No primeiro caso, como fenômeno - privilegia-se a compreensão do fenômeno em

estudo pela realidade que se encontra fora do sujeito, construída pelo olhar do contador da história, com interpretações particulares do mundo. Como método de investigação, busca-se a reflexão dos sujeitos sobre si e sua condição no momento da narração, elegendo algumas dimensões percebidas no conjunto dos sujeitos estudados. O tempo narrado se mostra nas narrativas pela inserção dos sujeitos em um contexto sócio-histórico, entrecruzando passado, presente e futuro.

As narrativas não são verdades, são diferentes pontos de vista que ficam evidenciados, no relato dos sujeitos que narram com possibilidades múltiplas de interpretação que se interpenetram, que buscam um diálogo entre si.

Na análise que realizamos nos detivemos na dimensão do fenômeno da narrativa, buscando interpretações decorrentes do ato de narrar das crianças pequenas em uma pré- escola pública municipal, conforme anunciado em nosso objetivo geral, na tentativa de compreender os impactos e as implicações das mesmas na formação de professores de educação infantil.