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Concepções psicanalíticas acerca da impulsão e sua relação com as categorias: gozo, ato, sintoma e angústia

4 A COMPULSÃO E A IMPULSÃO ALIMENTARES SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA E DA CLÍNICA PSICANALÍTICA

4.3 Concepções psicanalíticas acerca da impulsão e sua relação com as categorias: gozo, ato, sintoma e angústia

Rabinovich (2004) especifica que os casos de impulsão são considerados por muitos analistas como inanalisáveis, isto porque podem suscitar uma sensação de impotência e impaciência do lado do analista, uma vez que dizem respeito a casos em que a demanda do sujeito se refere a um sofrimento que se apresenta inicialmente de forma vaga e imprecisa. Tal aspecto pode fazer com que esta demanda não seja suficiente para sustentar um processo de análise, esta, inclusive, é apontada como uma das grandes dificuldades que a impulsão traz ao tratamento analítico.

Esta imprecisão relativa à demanda do paciente é evidente no caso clínico apresentado por Rabinovich (2004) durante suas conferências. A autora discute este caso clínico com o objetivo de respaldar suas proposições e relata que sua paciente recebera o diagnóstico psiquiátrico de bulimia e poderia, sob a perspectiva médica, ser incluída no quadro da obesidade, entretanto, a paciente não faz nenhuma referência a estes diagnósticos médicos durante o processo de análise, nem tampouco, tais diagnósticos aparecem como um sintoma do qual se queixa a paciente. As queixas dessa aparecem de um modo extremamente vago, inespecífico. Quanto a isso, Rabinovich (2004) afirma que uma das dificuldades da manifestação das impulsões, do ponto de vista analítico, está em transformar a queixa inicial, vaga e imprecisa em demanda de análise dirigida ao analista. No caso mencionado, há uma

queixa sobre um mal-estar, o qual a paciente não sabe bem se é com ela ou com os outros, não é possível delimitar bem o que ocorre. Tais queixas

centram-se em certos aspectos imaginarizados de rivalidade, seja com seus irmãos, seja com seus cunhados, seja com seus sogros, seja com seus filhos, seja com seus próprios pais. Isto é algo que poderíamos situar, grosso modo, como rivalidades imaginárias, e há também uma queixa em termos de frustração de amor, mas muito ambígua. Tampouco é alguém cuja vida esteja caracterizada (no momento em que pede análise) por um excesso de frustrações “reais” nem nada que se pareça (p. 51).

Rabinovich (2004) demarca que as impulsões 38 “indicam a presença de uma certa satisfação pulsional que obstaculiza e freia o trabalho clínico com aqueles que se apresentam dessa forma, precisamente enquanto inibe o desdobramento do desejo e da transferência” (p. 07). Ou seja, nos casos de impulsão é recusado um lugar ao desejo, o que é devido ao não reconhecimento de um lugar mais inconsistente ao Outro – tais aspectos estão presentes, por exemplo, na formação dos sintomas - por isso, as impulsões são designadas, ao lado das caracteropatias, “como algumas das formas em que a pulsão se faz presente na clínica” (RABINOVICH, 2004, p. 07).

Freud (1915/2004b) no texto metapsicológico Pulsões e destinos da pulsão especifica que a pulsão diz respeito a um conceito limite entre o psíquico e o somático. Trata- se de uma força constante proveniente do interior do organismo, que busca constantemente a satisfação. Entretanto, por tratar-se de uma força constante e por nunca ser totalmente satisfeita a pulsão possui também a característica de ser irremovível. Posteriormente, ao retomar a discussão acerca das pulsões e propor um novo dualismo pulsional no texto Além do princípio de prazer, Freud (1920/1996) ressalta que as pulsões são “os representantes de todas as forças que se originam no interior do corpo e são transmitidos ao aparelho mental” (p. 45). Além disso, Freud (1920/1996) desenvolve a concepção de que a satisfação pulsional não diz respeito apenas à busca pelo prazer, mas há também aspectos desprazerosos que insistem em repetir-se e, além disso, podem ser sentidos como prazerosos. Tal tendência do psiquismo estaria relacionada à compulsão à repetição que, neste momento teórico referente à segunda tópica da teoria freudiana, vem sobrepujar o princípio do prazer.

Em O Seminário, livro XI: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan (1964/1985) situa o objeto da pulsão no nível de uma subjetivação acéfala, ou seja, “uma

38 A definição apresentada a seguir é estendida por Rabinovich (2004) também às caracteropatias. Rabinovich

(2004) analisa tanto as impulsões como as caracteropatias no citado livro, entretanto, nos deteremos, no presente trabalho de dissertação, à análise apenas das impulsões. A análise das caracteropatias figura como uma possibilidade de trabalho a ser desenvolvida futuramente por nós.

subjetivação sem sujeito, um osso, uma estrutura, um traçado, que representa uma face da topologia. A outra face é a que faz com que um sujeito, por suas relações com o significante, seja um sujeito furado. Esses furos, bem que eles vêm de alguma parte” (LACAN, 1964/1985, p. 174). Inferimos que nos casos em que há uma prevalência dessa face ligada diretamente ao pulsional no modo como o sujeito se relaciona ao objeto, como é o caso das impulsões, o excesso de gozo daí derivado compromete a assunção de uma posição desejante na análise.

Isto porque o desejo está do lado do Outro e aponta para a falta constitutiva do sujeito, o que o impulsiona a buscar constantemente a satisfação almejada, mas nunca alcançada. Assim, nos casos em que a satisfação pulsional encontra-se articulada à lógica do desejo é possível um deslizamento metonímico do objeto de satisfação e, consequentemente, um endereçamento ao Outro. Em contrapartida, nos casos em que a modalidade de satisfação pulsional confina com a fixidez do objeto, apresentada sob o viés do mais-de-gozar, criam-se impasses à fluidez do objeto inerente ao desejo.

Rabinovich (2004) nos ensina que em A lógica do fantasma Lacan (1966-1967/2008) opera uma subversão do cogito cartesiano: “penso, logo sou”, transformando-o em “ou eu não penso, ou eu não sou”, demarcando que sob esta perspectiva tanto o Ser como o sentido estão perdidos. Tal subversão é operada baseada na lei de dualidade de De Morgan, que permite conservar essas duas perdas e aponta que o sujeito existe pelo efeito de um discurso, sendo, assim, marcado pela negação.

O lado do “eu não sou” está articulado com o desejo e relacionado ao sentido, à busca de construção de sentido onde o saber vem a faltar. O “eu não penso”, por sua vez, se situa do lado da impossibilidade de alcançar a satisfação plena - até mesmo devido ao cerceamento do Eu - relaciona-se à perda de gozo em sua vertente pulsional, implica em um “para si”, próprio do auto-erotismo, o qual Rabinovich (2004) qualifica “como um gozo ‘autista’” (p. 90). É neste lado que “instaura-se a pulsão acéfala, que, contrapondo-se ao desejo, não dá cara, rosto, nome ao objeto, apenas instaura, a partir do corpo, um circuito pulsional em torno da Coisa” (SIRELLI, 2012, p. 155).

Consoante a estes aspectos, Rabinovich (2004) situa a subjetivação acéfala da pulsão proposta por Lacan (1964/1985), do lado

do “eu não penso”, onde encontramos um ser sem eu (je) que, ao positivar-se, se apresenta como característico do sujeito da pulsão. Temos aqui a conjunção entre a lógica e a corporeidade, entre a lógica alienante e o corpo. Esta conjunção produz esse gozo de borda próprio da pulsão que ocupa o lugar da impossibilidade do ato sexual (RABINOVICH, 2004, p. 84).

O “eu não penso” está articulado a um apagamento da posição subjetiva e, consequentemente, mantém o sujeito desejante em uma posição muda frente à satisfação pulsional. A satisfação obtida pela via da impulsão estaria deste lado do “eu não penso”, ou seja, vinculada a uma satisfação pulsional autoerótica, a qual se relaciona a esse gozo de borda inerente à pulsão.

Na impulsão há uma aposta do sujeito sem o Outro, ou seja, não há a convocação do Outro, nem tampouco a associação com o desejo, tal como ocorre, por exemplo, na formação dos sintomas. O que é possível observar nestes casos é a presença de uma certa satisfação, uma satisfação desmedida, que emerge como algo “mais forte” do que o sujeito, a qual ele se vê impedido de renunciar. Tal satisfação obtida pela via da impulsão remete ao mais-de- gozar, através do qual o objeto a captura o excesso de gozo. Especificamente, o mais-de-gozar é a captura do excesso de gozo, o qual se trata da recuperação de uma perda, uma vez que há uma renúncia prévia ao gozo, ou seja, a condição prévia para o mais-de-gozar é a renúncia ao gozo. Entretanto, o sujeito busca insistentemente alcançar o mais-de-gozar, mas este nunca é totalmente capturado. Esclarecemos que a existência do mais-de-gozar acata a incidência da castração, por isso, o mais-de-gozar como recuperação não implica em uma transgressão da castração. Além disso, temos que “o mais-de-gozar é, por excelência, ‘fora do significante’” (RABINOVICH, 2004, p. 28).

É importante ressaltarmos que “o mais-de-gozar não é somente o objeto a, o objeto a pode captar o mais-de-gozar, através de suas quatro formas tradicionais: voz, olhar, fezes e peito” (RABINOVICH, 2004, p. 21), entretanto, o mais-de-gozar é mais abrangente que o objeto a, uma vez que o objeto “é um dos pontos em que o gozo pode ser recuperado, mas não o único” 39 (RABINOVICH, 2004, p. 96). Neste cenário, destacamos que o objeto a oscila entra a dimensão da causa do desejo, enquanto objeto perdido, e a dimensão “de captura do mais-de-gozar na satisfação pulsional. Sua função de causa vincula-se com a perda; sua função de mais-de-gozar vincula-se com a recuperação da perda. Reúne em si, paradoxalmente, poder-se-ia dizer, a perda e a recuperação” (RABINOVICH, 2004, p. 89). Tais especificações apontam para a comunidade topológica do objeto a em relação ao desejo e à pulsão.

Desta forma, temos que o que está em jogo nas compulsões é a faceta do objeto a como causa do desejo, uma vez que nestes casos a falta de objeto viabiliza a mobilidade, a flexibilidade, o deslizamento de um objeto para outro. Nas relações de impulsão, por sua vez,

39 É digno de nota especificar que o mais-de-gozar pode ser produzido nos quatro discursos – a saber: do Mestre,

da Histérica, do Analista e Universitário -, sob a espécie do “objeto a, do S1, do S2 ou do $” (RABINOVICH,

2004, p. 96). Entretanto, não nos deteremos neste momento a analisar estes quatro discursos propostos no ensino lacaniano, pois tal trabalho extrapola os limites desta dissertação.

o que está em jogo é a dimensão do objeto a como mais-de-gozar, a qual remete a instalação de um gozo contínuo e permanente, causando uma falha na “benéfica mobilidade que a falta do objeto permite” (FLESLER, 2007/2012, p. 33). A fixidez desta forma de relação ao objeto instaura também um tédio contínuo para o sujeito, o que podemos observar, por exemplo, em casos de impulsão relacionados às adições em geral nas quais o sujeito fica totalmente aprisionado a uma única forma de gozar. Em casos mais graves, inclusive, o gozo obtido por esta via fixa pode remeter a um regime de excesso que venha elidir a dimensão desejante do sujeito, aproximando-o da morte, da extinção do real do corpo. Nestes casos, muitas vezes, chega a ser necessário que o real do corpo confine com a morte para que o sujeito reaja no sentido de buscar assenhorar-se de seus atos e, com isso, opere um distanciamento do regime excessivo de gozo no qual estava imerso.

Sendo assim, existem duas formas do sujeito relacionar-se ao objeto, quais sejam: pela via do desejo e pela via do gozo, ambas fazem referência à primeira experiência de satisfação, experiência mítica inscrita no psiquismo como tendo sido vivenciada de forma efetiva. Tanto por intermédio do desejo quanto do gozo, o objeto perdido nunca é reencontrado a não ser em seus traços, com isso, o sujeito nunca pode relacionar-se diretamente ao objeto, mas somente à sua falta, por isso, nos casos de impulsão salientamos que se trata de um gozo que se aproxima do autoerotismo, o qual parece traçar uma relação direta do sujeito com o objeto da pulsão. Contudo, no caso da impulsão o sujeito está inserido na norma fálica e, portanto, no regime do gozo fálico, por isso, esse acesso direto ao objeto não é possível, o que parece haver nesses casos é uma forma de relação ao objeto que aponta para uma fixidez deste, operando em sua dimensão de mais-de-gozar, como dito anteriormente.

Braunstein (2007) ao discutir as três modalidades de gozo presentes no ensino lacaniano evidencia que o conceito de falo é utilizado como parâmetro nesta diferenciação: o que está aquém do falo é o gozo do ser, o que está relacionado ao falo como significante da diferença é o gozo fálico e o que está para além do falo é o gozo do Outro 40.

40 O gozo do Outro (sexo) implica a passagem pela castração e pela lógica da linguagem e as extrapola, estando,

assim, para além da linguagem e da castração, não podendo por isso ser acessado pelo simbólico. Braunstein (2007) insere o gozo do ser e o gozo do Outro na mesma região do nó borromeu, aquela referente à interseção entre o imaginário e o real. Em relação ao gozo do Outro, é possível destacarmos, no ensino lacaniano, três de suas modalidades: o gozo feminino, o gozo psicótico e o gozo místico. O primeiro é fálico e não todo fálico e pode ser caracterizado como sendo um gozo suplementar, e não complementar, por vir em suplência ao que não pode ser completado, conforme nos esclarece Lacan (1972-1973/1985): “Não há mulher senão excluída pela natureza das coisas que é a natureza das palavras, e temos mesmo que dizer que se há algo de que elas mesmas se lamentam bastante por hora, é mesmo disto [...]. Nem por isso deixa de acontecer que se ela está excluída pela natureza das coisas, é justamente pelo fato de que, por ser não-toda, ela tem em relação ao que designa de gozo a função fálica, um gozo suplementar” (p. 99). Ferreira (2005), em sua discussão sobre a partição dos gozos,

Nos deteremos, neste momento, nas especificações acerca do gozo do ser e do gozo fálico para compreendermos a problemática concernente às impulsões. Braunstein (2007) demarca que o gozo do ser é anterior ao acesso do sujeito ao significante e ao sepultamento do complexo de Édipo. Lacan, em seu nó borromeu, inscreve-o na interseção entre o real e o imaginário. Trata-se de um gozo fora do simbólico, inefável, mítico, um gozo do corpo, aquém da linguagem, um gozo da Coisa, que está para sempre perdido uma vez que o sujeito é inserido no circuito linguageiro. Este modo de gozo pode ser observado, segundo Braunstein (2007), em algumas formas de psicoses precoces, que são decididas durante o período pré-edípico, em que ocorre a relação fusional do bebê para com o Outro materno. O gozo da Coisa (do ser) é perdido e é possível de ser perseguido pelas palavras; mas será outro gozo, o gozo fálico, que evoca a Coisa, mas que não faz com que ela reapareça. Quando o sujeito tem acesso ao significante do Nome-do-Pai não se trata mais de gozo do ser, mas de gozo fálico 41.

Ressaltamos não ser possível a diferenciação rígida entre esses gozos. Para esclarecer tal dificuldade, destacamos um tipo de gozo que pode ser experimentado por sujeitos situados na ordem fálica, mas que manifestam um tipo de satisfação corporal autoerótica que confina com o gozo do ser. Trata-se de um gozo paradoxal, que se assemelha a uma relação direta do sujeito com o objeto, a qual aconteceria sem a intermediação do significante, o que nos leva a constatar, nestes casos, a identificação do sujeito ao objeto da pulsão, tal forma de identificação tem por consequência a elisão do sujeito, posto que este não se reconhece no seu ato e está, conforme poderíamos dizer com Rabinovich (2004), “em posição de objeto, onde o objeto não está latente, mas está em ato diante de nós, o sujeito se identificando com ele” (p. 47). Trata-se de um gozo ligado a produção de algo diretamente relacionado ao sujeito e que não circula pelo campo do Outro.

Este tipo de gozo é o que mais se aproxima do conceito de impulsão proposto por Rabinovich (2004), uma vez que a impulsão, diz respeito à:

afirma que no gozo psicótico, devido a não inscrição do significante do Nome-do-Pai, “o real aparece no gozo sob a forma de gozo do Outro” (p. 66). A autora precisa que a estrutura deste “se caracteriza por ‘uma falta no nível do significante’ (Lacan 1955-56). Aqui, a falta se apresenta como falta, ou seja, há um buraco no lugar do significante do Nome-do-Pai” (FERREIRA, 2005, p. 66-67). Com relação ao gozo místico, Lacan (1972- 1973/1985) faz menção aos testemunhos de São João da Cruz e de Santa Tereza para demonstrar que “eles experimentam a ideia de que deve haver um gozo que está mais além” (p. 102). Para Lacan (1972-1973/1985), os místicos dizem experimentá-lo, mas nada sabem sobre ele. Ferreira (2005) nos auxilia a pensar no gozo do Outro sob a forma de gozo místico, não apenas a partir dos testemunhos dos citados místicos, mas também por meio “da produção artística sob a égide do barroco, definido como estilo que regula a alma pela escopia corporal, exala a obscenidade e decanta ‘tudo que desaba, tudo que é delícia’ (Lacan, 1972-3, p. 158). Enfim, um estilo que estampa em imagens e em escrita a conjugação entre gozo e morte” (p. 69).

41

algo associado, não ao sintoma, não ao desejo, mas à pulsão, e o mesmo termo de passagem ao ato no-lo diz. Quer dizer, há algo da ordem da satisfação que, ao satisfazer-se nesse “personagem” de forma direta, deixa o sujeito sem lugar, enquanto que, por sua vez, o sujeito desejante está como esse sujeito mudo da pulsão. Efetivamente, é um sujeito que não pode nos dizer quase nada, salvo nos mostrar, em ato, essa curiosa satisfação muda que lhe dá este “personagem” particular que desempenha (p. 60).

Desta forma, temos que os casos de impulsão evidenciam uma elisão do desejo do sujeito, consequentemente a elaboração pela via simbólica é comprometida, uma vez que a satisfação pulsional emerge diretamente pela via do ato produzindo efeitos de gozo no real do corpo, o que remete a modalidades primitivas de satisfação da pulsão, caracterizadas por serem autoeróticas. Essa satisfação, que se assemelha a uma satisfação direta, decorrente do ato, à qual o sujeito se acha impedido de renunciar, o deixa sem lugar.

A incidência clínica da impulsão pode se apresentar em formas que vão “desde a bulimia ou o tabagismo até as drogas maiores” (RABINOVICH, 2004, p. 19). Mas esta relação somente poderá ser feita quando esta incidência clínica remeter a obtenção de uma satisfação que aponta para a proximidade de um gozo auto-erótico, ou seja, nos casos em que o sujeito prescinde do Outro para obtenção de satisfação, em contrapartida, necessita apenas do objeto eleito como fonte satisfação, como nos ensina Braunstein (2007) com relação ao objeto droga:

[...] a droga se assemelha ao auto-erotismo da proibição originária: o sujeito administra em si mesmo uma substância que o conecta diretamente com um gozo que não passa pelo filtro da aquiescência ou pelo forçamento do corpo de outro; consegue-se deste modo a substituição da sexualidade (BRAUNSTEIN, 2007, p. 281).

Somos sabedores da impossibilidade de estabelecimento de uma relação direta entre sujeito e objeto, por isso postulamos que na impulsão esta relação aproximaria o sujeito de uma satisfação primitiva do ponto de vista pulsional. A articulação entre sujeito e objeto operada pela via do significante, encontra-se extremamente prejudicada. Neste sentido, temos que nos casos de impulsão a elaboração simbólica aparece comprometida, uma vez que o sujeito não atribui sentido algum aos episódios de impulsão, o que parece demarcar o distanciamento desses eventos marcados pela impulsão do campo do simbólico e do imaginário, ambos comprometidos com a produção de sentido. Antes, parecem aproximar-se do real, enquanto campo que aponta para o sem sentido. Lacan (1962-1963/2005) especifica “[...] que a linguagem é trabalho e que é por ela que o sujeito faz seu interior passar para o exterior. A frase é tal que fica bem claro que se trata de um inside-out, como se diz em inglês.

Trata-se realmente da metáfora da luva virada pelo avesso” (p. 78), com a ressalva de que se deve acrescentar a esta referência a dimensão da perda, afinal, há sempre um resíduo não passível de ser articulado pelo registro simbólico. Em contrapartida, na impulsão a satisfação pulsional emerge diretamente por intermédio do próprio ato, o que compromete o trabalho de elaboração simbólica. Por isso, as impulsões dizem respeito a “apresentações do sujeito do lado da pulsão, não do lado do desejo, e o sujeito da pulsão é um sujeito mudo, cuja demanda é muda. Porém, nós só podemos analisar as demandas parolantes, as tagarelas” (RABINOVICH, 2004, p. 60).

Esse tipo de gozo nós o observamos ser experimentado por Marcelo, que também foi