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Visando uma leitura histórico-social dos poemas e dos textos poéticos selecionados para este estudo, é possível identificar diferentes posicionamentos dos sujeitos em função da construção de suas identidades e inferir a forma pelas quais as informações e o conhecimento eram produzidos. Stuart Hall (2001) aponta para a identificação de três tipos de sujeitos baseados em contextos específicos ao longo da história moderna da humanidade e que são dotados de características e capacidades distintas: o iluminista, o sociológico e o pós-moderno.

Faz-se necessário observar as mudanças conceituais e ideológicas ocorridas nestes espaços para compreender o sujeito que hoje se apresenta.

O sujeito do iluminismo ou cartesiano estava baseado, segundo Stuart Hall, numa concepção de pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado de capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior. Identificado assim como sujeito masculino, autossuficiente e individualizado.

Para Carvalho (1999), a identidade do indivíduo desse período era definida pelo seu papel social, sua linhagem e especialmente pelo seu gênero de pertença. Nesse contexto, as transições, como se tornar adulto e o casamento, são bem marcados, tornando o processo de autodefinição simples e linear. Desse modo, as relações entre o indivíduo e a sociedade são estáveis e não problemáticas.

Já a noção de sujeito sociológico refletia, segundo Stuart Hall, a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que esse núcleo interior do sujeito não era autônomo e autossuficiente, mas era formado na relação com outras pessoas que lhe propunham significações. De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica, a construção do pensamento possui um caráter dialético, tendo em vista que o indivíduo tem sua identidade erigida por meio da interação dialógica com o meio e com seus pares. Contudo, a marca do individual continuava a ser uma projeção masculina, somada aos referentes branco, ocidental e burguês.

31 Na pós-modernidade, o indivíduo, enquanto identidade, entra em crise em face à demanda que a modernidade não apresentava. O sujeito pós-moderno rompe com a ordem segundo a qual ele era, no passado, centrado e determinado por estruturas fixas. Contraditoriamente, na pós-modernidade, agora as identidades se apresentam totalmente deslocadas e multifacetadas devido a uma série de rupturas nos discursos do conhecimento moderno promovido principalmente nos avanços da teoria social e das ciências humanas.

Assim, na modernidade tardia, expressão cunhada por Ernest Laclau (apud HALL, 2001) e por Giddens (1997), a concepção de identidade passa por transformações substanciais que refletem no sujeito um processo de descentramento e tem origem nas teorias revolucionárias de Marx, Freud, Saussure, Foucault e no fortalecimento de diversos movimentos sociais, dentre os quais o feminismo estava inserido. Para o espaço da contestação política, o movimento feminista possibilitou a abertura de elementos considerados particulares da vida privada, como a dominação dos sexos, o trabalho doméstico, o cuidado com os filhos, dentre outros:

Ao afirmar que o sexo é político, pois contém também ele relações de poder, o feminismo rompe com os modelos políticos tradicionais, que atribuem uma neutralidade ao espaço individual e que definem com política unicamente a esfera pública, “objetiva”. Desta forma, o discurso feminista, ao apontar para o caráter subjetivo da opressão, revela os laços existentes entre as relações interpessoais e a organização política pública. (ALVES & PITANGUY 1985, p. 8)

A concepção de que o sexo é político abre possibilidades de desconstrução dos valores e características atribuídos ao feminino e ao masculino e, ao sair do seu espaço de reclusão, os grupos minoritários, ou os ex-cêntricos, organizam-se em torno de suas especificidades, como também se completam na busca da superação das desigualdades sociais.

Para Bhabha (2007), atualmente nossa existência é marcada por uma tenebrosa sensação de sobrevivência, de viver nas fronteiras do presente. Essa não rigidez que agora se faz presente, à medida que é permitida na construção da identidade do sujeito, possibilita a vivência de um hibridismo cultural, sendo revelado pelas descontinuidades, desigualdades e minorias que abriram a fronteira enunciativa de uma gama de vozes até então silenciadas:

O “direito” de se expressar a partir da periferia do poder e do privilégio autorizados não depende da persistência da tradição; ele é alimentado pelo poder da tradição de se reinscrever através das condições de contingência e contraditoriedade que presidem sobre as vidas dos que estão “na minoria”. O reconhecimento que a tradição outorga é uma forma parcial de identificação. (BHABHA, 2007, p. 21)

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Em suma, na pós-modernidade, fica evidente que os discursos antes tidos como inquestionáveis já não abarcam os questionamentos gerados pela crise do sujeito, ocasionada pelas mudanças estruturais e institucionais resultantes do processo de globalização. Desse modo, a identificação torna-se instável e provisória, e os sujeitos assumem diferentes identidades em diferentes momentos, possibilitando de certa maneira a ascensão de outros grupos que passam a inserir seu discurso no novo contexto social que se apresenta. Nesse cenário, percebe-se também o surgimento de novas identidades híbridas e descentralizadas “formadas e transformadas continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (Hall, 2001, p.13) suplantando as chamadas “identidades unificadas”.

A despeito de séculos de uma visão cartesiana, hoje a mulher e o homem são vistos como seres múltiplos e descentralizados, o que significa dizer que esse novo sujeito é constantemente confrontado por uma gama de identidades com as quais pode se associar permanentemente ou temporariamente, ocasionando o surgimento de formas híbridas que estão relativizando os locais hegemônicos do discurso, possibilitando que haja uma abertura nas relações políticas e econômicas e principalmente nas questões sociais e culturais. Mas é importante enfatizar que esse processo de hibridação cultural intensificado pela globalização, e que influencia diretamente na construção de diferentes identidades, não acontece sem conflitos, portanto, não se deve conceber essa realidade apenas a partir do viés da fácil integração e fusão cultural, sem destacar o forte peso das contradições que surgem nesse processo.

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