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A conciliação obrigatória

3.3 A BUSCA PELA DEFINIÇÃO DE SUAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS

3.3.2 A conciliação obrigatória

O processo, denominado conciliação obrigatória, tem a finalidade precípua de delimitar, finalmente, as fronteiras marítimas permanentes e, via de consequência, permitir ao Timor-Leste acessar seu legítimo direito a um maior quinhão na divisão dos recursos naturais do Mar de Timor.

O processo foi conduzido pela Comissão de Conciliação vinculada à Corte Permanente de Arbitragem (CPA), sediada na Haia, Holanda, que é um fórum para

172 COUR PERMANENTE D'ARBITRAGE. Conciliation between The Democratic Republic of Timor-Leste and The Commonwealth of Australia. Disponível em https://pca-

resolução de disputas internacionais por arbitragem e outros meios pacíficos de solução de conflitos que foi estabelecida pela Convenção para a Solução Pacífica dos Conflitos Internacionais, constituída em 1899, durante a primeira Conferência de Paz da Haia como o primeiro mecanismo global para a solução de conflitos entre Estados que não tiverem sido solucionados por meios diplomáticos173.

Dentre os objetivos da Conferência estava o fortalecimento de sistemas de resolução de disputas internacionais - especialmente através de mecanismos como a arbitragem internacional – já que para os delegados ali presentes eram casos emblemáticos arbitragens internacionais bem-sucedidas, como as Comissões Mistas de “Tratado de Jay”, no final do século XVIII, a arbitragem do Alabama, em 1871/72 e, ainda, tinham como referência o Código de procedimento para arbitragem do Instituto Internacional de Droit de 1875.

Assim, na Conferência de 1899 estabeleceu-se o PCA como o primeiro mecanismo global para a resolução de disputas entre Estados. O Artigo 16 da Convenção de 1899 reconheceu que “em questões de natureza legal e especialmente na interpretação ou aplicação de Convenções Internacionais, a arbitragem era o meio mais eficaz e ao mesmo tempo o mais justo de resolver disputas que a diplomacia não conseguiu resolver”174.

Na mesma linha, o artigo 20.º da Convenção de 1899 estabeleceu formalmente o PCA, declarando:

Com o objetivo de facilitar o recurso imediato à arbitragem de divergências internacionais que não foi possível resolver por diplomacia, as Potências signatárias comprometem-se a organizar um Tribunal Permanente de Arbitragem, acessível em todo momento e em funcionamento, salvo

173O art. 20 da Convenção de 1899 estabeleceu formalmente a CPA. “O artigo 20 da ‘Convenção para

a solução pacífica dos litígios internacionais’, assinado em 29 de julho de 1899, institui a Corte Permanente de Arbitragem com sede na Haia. A Corte tem por objetivo ‘facilitar o recurso imediato à arbitragem para as controvérsias internacionais que não tenham encontrado solução por via

diplomática. Compõe-se de uma lista juízes árbitros, de uma Secretaria e de um Conselho Administrativo. Segundo estabelece o artigo 44 da citada Convenção, cada Potência contratante designa no máximo 4 pessoas, de reconhecida competência em matéria de direito internacional e de alto conceito moral, que aceitem as funções de árbitro. Essas pessoas constituem os grupos

nacionais da Corte e têm o título de membros ou juízes do referido tribunal. Seus nomes são inscritos numa lista e comunicados aos países signatários que podem escolher, dentre os mesmos, o árbitro ou árbitros que lhe convier”. CARDIM, Carlos Henrique. Rússia e Brasil: аos(sic) raízes históricas da cooperação. Iberoamérica, nº 3, 2012, pp. 23-52. Disponível em

<http://www.ilaran.ru/pdf/2012/Iberoamerica/IbA_2012_3/Cardim.pdf>. Acesso em 12.02.2019.

174 Convenção para Solução Pacífica dos Conflitos Internacionais. 1899. Disponível em

<http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/Haia1899.pdf>. Acesso em 12.01.2019.

disposição em contrário das partes, de acordo com as regras de procedimento inseridas na presente Convenção175.

A Convenção de 1899 foi revisada na segunda Conferência de Paz de Haia, em 1907, sem que tivesse sido objeto de relevantes mudanças nesse aspecto. O PCA é uma organização intergovernamental e, atualmente, 121 Estados176 contratantes aderiram a uma ou a ambas das convenções fundadoras, sendo certo que o Brasil aderiu a ambas (15-06-1907 e 06-03-1914, respectivamente). Com relação aos países objeto do caso em análise, consta no sistema do PCA a informação de ter a Austrália aderido em 01-04-1960 e 21-02-1997, respectivamente, e nenhuma informação sobre Timor-Leste.

A mudança mais significativa foi no sentido de que a Corte ampliou sua esfera de atuação e hoje dedica-se a prestar serviços para a resolução de disputas envolvendo várias combinações de partes – Estados, entidades estatais, organizações intergovernamentais e entidades privadas – não só por meio da arbitragem, mas também por outras formas de resolução pacífica de disputas internacionais, incluindo mediação e conciliação.

A conciliação obrigatória177 é um procedimento não vinculativo em que um painel de conciliadores assiste aos Estados na busca de uma solução para suas disputas, de forma amigável. O procedimento pode ser utilizado, por exemplo, em circunstâncias em que vizinhos marítimos não tenham chegado a um acordo e em que

175I Convenção para Solução Pacífica dos Conflitos Internacionais. 1899. Disponível em

<http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/Haia1899.pdf>. Acesso em 12.01.2019, art. 20.

176COUR PERMANENTE D'ARBITRAGE. NOTA DE IMPRENSA. Contracting Parties. The PCA has

122 Contracting Parties which have acceded to one or both of the PCA's founding conventions. Disponível em https://pca-cpa.org/en/about/introduction/contracting-parties/>. Acesso em 12.01.2019.

177A Conciliação está prevista na Convenção sobre o Direito ao Mar: Art. 284 Conciliação: 1. O Estado

Parte que é parte numa controvérsia relativa à interpretação ou aplicação da presente Convenção pode convidar a outra ou outras partes a submetê-la a conciliação, de conformidade com o procedimento previsto na seção 1 do Anexo V ou com outro procedimento de conciliação. 2. Se o convite for aceito e as partes acordarem no procedimento de conciliação a aplicar, qualquer parte pode submeter a controvérsia a esse procedimento. 3. Se o convite não for aceito ou as partes não acordarem no procedimento, o procedimento de conciliação dever ser considerado terminado. 4. Quando uma controvérsia tiver sido submetida a conciliação, o procedimento só se poderá dar por terminado de conformidade com o procedimento de conciliação acordado, salvo acordo em contrário das partes. Artigo 298.º da Convenção prevê que a conciliação obrigatória (grifo meu) é possível nas seguintes circunstâncias específicas: a) Exista uma controvérsia sobre fronteiras marítimas que surja após a entrada em vigor da Convenção; b) Um Estado se tenha retirado dos procedimentos de resolução vinculativa de controvérsias (segundo a Parte XV, Secção 2 da Convenção) relativamente à delimitação de fronteiras marítimas e, c) As Partes não tenham conseguido chegar a um acordo dentro de um período razoável.

um dos Estados tenha expressamente firmado declaração no sentido de excluir a resolução vinculativa de disputas ao abrigo da Convenção sobre fronteiras marítimas. Nos termos e hipóteses previstas no art. 298178 da referida Convenção, o procedimento terá prosseguimento, ainda que uma das partes se recuse a participar. A Comissão de Conciliação fará as suas recomendações ao final, após analisar o caso posto à sua apreciação. Via de regra, ambas as partes se sentam à mesa para negociar, não sendo, porém, obrigadas a chegar a um acordo.

Ao contrário do que acontece com um procedimento numa hipótese tradicional de arbitragem, em que, ao final, é imposta uma decisão jurídica sobre a questão que vincula as partes, no caso da conciliação, espera-se que as partes negociem com base nas recomendações da Comissão de Conciliação.

No entanto, enquanto na arbitragem a decisão dos árbitros é vinculativa, na conciliação não o é. A expectativa é que a decisão da Comissão possa orientar o acordo entre as partes em razão da qualidade destas recomendações. Entretanto, elas não têm cumprimento obrigatório ou vinculativo.

Ao final do processo, a Comissão emite um relatório informando se foi ou não firmado acordo entre as partes e, neste caso, quais os seus termos.

Caso não tenha sido possível uma solução de consenso, a Comissão fará recomendações - não vinculativas – com o objetivo de possibilitar, ainda assim, uma resolução para a disputa. Em qualquer hipótese, havendo acordo, o relatório é enviado ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas para assinatura em conjunto.

178Art. 298. Exceções de caráter facultativo à aplicação da seção 2. (grifo meu) 1. Ao assinar ou

ratificar a presente Convenção ou a ela aderir, ou em qualquer outro momento ulterior, um Estado pode, sem prejuízo das obrigações resultantes da seção 1, declarar por escrito não aceitar um ou mais dos procedimentos estabelecidos na seção 2, com respeito a uma ou várias das seguintes categorias de controvérsias: a) i) as controvérsias relativas à interpretação ou aplicação dos artigos 15, 74 e 83 referentes à delimitação de zonas marítimas, ou às baías ou títulos históricos, com a ressalva de que o Estado que tiver feito a declaração, quando tal controvérsia, surgir depois da entrada em vigor da presente Convenção e quando não se tiver chegado a acordo dentro de um prazo razoável de negociações entre as partes, aceito, a pedido de qualquer parte na controvérsia, submeter a questão ao procedimento de conciliação nos termos da seção 2 do Anexo V(grifos meus); além disso, fica excluída de tal submissão qualquer controvérsia que implique necessariamente o exame simultâneo de uma controvérsia não solucionada relativa à soberania ou outros direitos sobre um território continental ou insular; - acessível em BRASIL. Decreto nº 99.165, de 12 de março de 1990. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12-marco- 1990-328535-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 23.01.2019.