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Conciliação do trabalho com a vida familiar e políticas amigas da família

Os desafios e solicitações provenientes do trabalho afetam a vida pessoal e familiar dos trabalhadores. As representações tradicionais alimentam as expectativas sobre as mulheres, de quem se espera que, para além de uma carreira profissional, sejam capazes de assegurar os cuidados e responsabilidades familiares. Portanto, em última análise, as dificuldades de conciliação entre trabalho e vida familiar é, sobretudo, um problema equacionado no feminino. Essa será uma das razões pelas quais a Comissão Europeia trata a questão no âmbito da desigualdade de género (Torella & Masselot, 2010). A literatura mais recente tem escrutinado as barreiras institucionais que subsistem nos contextos de trabalho, procurando identificar as políticas mais urgentes neste domínio (Fox, 2008; Hill, Corbett, & St Rose, 2010; Sturm, 2006). Uma das consequências do conflito que pode emergir entre a vida de trabalho e a vida pessoal e familiar diz respeito a doenças que decorrem do stress originado por tais situações. É assim que Turliuc e Buliga (2014) deram conta da preocupação crescente que muitas empresas demonstram com os níveis de stress dos colaboradores. Para o

stress pode ter outras causas que não sejam necessariamente originadas pelo

conflito entre trabalho e vida familiar, estas iniciativas são apresentadas no âmbito das políticas 'amigas da família'. A expressão designa todas as medidas que visem contornar ou minimizar as dificuldades que os trabalhadores possam sentir em responder a todas as solicitações, sejam elas originadas pelo trabalho ou pela vida familiar.

As políticas amigas da família são muito abrangentes e visam equilibrar o conflito criado pelas necessidades familiares do trabalhador e pelas suas responsabilidades pessoais e familiares (Lewis, 1997). As políticas amigas da família que se focam no equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar foram substancialmente desenvolvidas na Grã-Bretanha no início dos anos oitenta, por iniciativa de empresas privadas. Surgiram pela constatação dos desafios e dificuldades das mulheres trabalhadoras em conciliarem uma atividade remunerada com as responsabilidades familiares (Scheibl & Dex, 1998). No geral, as políticas amigas da família concretizam-se em formas e horários de trabalho flexíveis, licenças, entre outras. Ronda et al. (2016) explicam que as políticas amigas da família incluem um conjunto de serviços que as organizações disponibilizam para os seus trabalhadores a fim de facilitarem a conciliação entre o trabalho e a vida familiar, assegurando o cumprimento das obrigações para com a empresa. A importância deste tipo de políticas é reforçada por Hochschild (2016) ao afirmar que a sua eficácia requer a intervenção da esfera pública. Por outras palavras, mais do que iniciativas individuais das empresas, cabe ao Estado apoiar as famílias através da promoção de políticas que sejam amigas da família. Ao preocuparem-se com a conciliação, tais políticas promovem o bem-estar das famílias (Hochschild, 2016), estando igualmente comprometidas com a promoção da igualdade (Su & Bozeman, 2016). Isto porque se dirigem à totalidade dos indivíduos, independentemente do seu género.

O fomento de políticas amigas da família pode permitir que os trabalhadores controlem, de uma forma mais adequada, as suas tarefas, as suas

responsabilidades e a sua motivação no local de trabalho. Deste modo, os trabalhadores poderão evitar que as suas responsabilidades profissionais e familiares interfiram umas com as outras (Brough, O’Driscoll, & Kalliath, 2005; Lu, Siu, Spector, & Shi, 2009). A implementação de mais políticas amigas da família ajuda a melhorar o ambiente de trabalho (Sullivan & Mainiero, 2007) e facilita o sucesso profissional a todas as pessoas de qualquer género e/ou etnia (Sturm, 2006). Diversos estudos fazem notar que a relutância e resistência na aplicação destas políticas pelas empresas se deve principalmente a barreiras culturais e institucionais (e.g. Mayer & Tikka, 2008; Swody & Powell, 2007). No entanto, o estudo de Hochschild (1997) realizado numa empresa americana, mostrou que, neste caso, a resistência da aplicação destas políticas ficou a dever- se aos trabalhadores que, embora tivessem ao seu dispor políticas amigas da família, não as solicitavam. No caso das mulheres trabalhadoras desta empresa, a não utilização destas medidas devia-se ao facto de a vida familiar e doméstica ser pouco atrativa. O trabalho proporcionava-lhes um ambiente social mais animado, menos isolado e deprimente. Hochschild (1997) considera que o comportamento destas mulheres e homens que se recusavam a usufruir de direitos colocados à sua disposição pela empresa, assinalava a adesão destas pessoas aos valores da racionalidade económica. Ou seja, o trabalho proporcionava-lhes a desculpa para se afastarem das suas obrigações morais inerentes à vida familiar.

As políticas que promovem a conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar obedecem igualmente a objetivos que respeitam as organizações e os seus resultados. Por exemplo, podem promover o bem-estar dos trabalhadores ao mesmo tempo que asseguram a diminuição acentuada da taxa de rotatividade (Glass & Finley, 2002) e diminuem a probabilidade de conflitos entre as diversas esferas da existência (Batt & Valcour, 2003). Não obstante, tais conflitos são cada vez mais presentes no quotidiano das organizações e podem ameaçar a

empresas dão ao assunto. Os gestores sabem que o facto de os seus colaboradores “não conseguirem conciliar a vida profissional com a vida familiar de forma adequada está relacionado negativamente com a qualidade de vida” (Md-Sidin et al., 2008 citado em Ronda et al., 2016, p. 4), “a satisfação da vida” (De Simone et al., 2014; Rode et al., 2007 citado em Ronda et al., 2016, p. 4) “e o bem-estar” (Milkie and Peltola, 1999; Voydanoff, 2005 citado em Ronda et al., 2016, p. 4). O estudo de Ronda et al. (2016) procurou determinar até que ponto existe uma associação positiva entre políticas amigas da família e práticas de trabalho de alto desempenho e a conciliação da vida profissional com a vida familiar. Também procurou identificar o papel que a satisfação no trabalho e as horas passadas a trabalhar desempenham como mediadores desta relação. Os resultados revelaram que, em geral, as políticas amigas da família e as práticas de trabalho de alto desempenho melhoram a conciliação da vida profissional com a vida familiar. Esta relação positiva é parcialmente mediada pela satisfação no trabalho e as horas passadas a trabalhar.

A satisfação no trabalho melhora a conciliação da vida profissional com a vida familiar, no entanto, as horas passadas a trabalhar pioram a conciliação, ainda que o resultado líquido destas duas forças opostas seja positivo. Quer dizer, a satisfação no trabalho, em conjunto com as horas passadas a trabalhar, melhoram a conciliação da vida profissional com a vida familiar. Neste sentido, as empresas adotam novos conjunto de práticas de gestão de recursos humanos cujo objetivo é implementar políticas organizacionais mais eficientes no local de trabalho. Isso, tendo em conta as novas necessidades dos trabalhadores e indo ao encontro do objetivo da gestão: aumentar a produtividade e a motivação dos trabalhadores (Gould-Williams, 2004). Estas políticas são conhecidas por “práticas de trabalho de alto desempenho” (Appelbaum and Berg, 2001; Macky and Boxall, 2007 citado em Ronda et al., 2016, p. 4)). As políticas oferecidas pelas organizações também permitem que os indivíduos melhorem os seus múltiplos papéis (Glass & Finley, 2002). As práticas de trabalho de alto desempenho e as

políticas amigas da família afetam de forma positiva o desempenho das empresas (Beauregard & Henry, 2009). Osterman (1995) considera que se espera que as empresas adotem práticas de trabalho de alto desempenho e políticas amigas da família para evitar que as primeiras possam afetar a conciliação da vida profissional com a vida familiar.

A conciliação entre vida de trabalho e vida pessoal e/ou familiar fica facilitada se os trabalhadores usufruírem de maior autonomia no trabalho (Siu et al., 2010). Maior autonomia significa que os trabalhadores têm mais liberdade para escolher a altura e/ou o método para realizar as suas tarefas profissionais. Siu et al. (2010) e Ronda et al. (2016) pensam que os trabalhadores que gozam de autonomia também são mais criativos, habilidosos, estão comprometidos com o trabalho, trabalham com vigor e dedicação e são, por sua vez, candidatos prováveis a influenciar a atmosfera doméstica de forma positiva. Martinez et al. (2017) destacam as intervenções que promovem o equilíbrio entre trabalho- família em três diferentes níveis – individual, organizacional e comunitário. O sucesso da implementação de políticas amigas da família e dirigidas para a promoção do equilíbrio trabalho-família tem um impacto positivo nos trabalhadores. A nível individual as organizações podem facilitar, a cada trabalhador, o equilíbrio da sua vida profissional e da vida a familiar. O compromisso com um ambiente amigo da família inclui recursos como licenças parentais, a instalação de jardins de infância no local de trabalho e horários de trabalho flexíveis. Para além disso, Martinez et al. (2017) referem também que os indivíduos podem participar em sessões de formação com o objetivo de realçar e consciencializar a importância da igualdade de género. A nível organizacional, os esforços devem ser sistemáticos com o objetivo de identificar todas as barreiras que os trabalhadores enfrentam para as tentar remover ou reestruturar. Por último, a nível comunitário, as organizações têm a oportunidade e responsabilidade de melhorar a vida das comunidades em que se encontram

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