• Nenhum resultado encontrado

Considerações finais

Os murganhos triplo-transgénicos (3xTg-AD), com alterações ao nível dos genes Tau, APP e PS1, foram seleccionados como modelo animal para o estudo da doença de Alzheimer pelo facto de, tal como os humanos, desenvolverem de um modo progressivo o processo neurodegenerativo, incluindo alterações no metabolismo da APP com formação extracelular das placas senis β-amilóide) e a formação intracelular de tranças neurofibrilares resultante da hiperfosforilação da proteína Tau, isto é, as características patológicas com que se caracteriza normalmente a doença de Alzheimer humana [Oddo, 2003]. Adicionalmente, as características fenotípicas da doença de Alzheimer humana são também manifestadas em células e tecidos de órgãos periféricos, como o tecido muscular e as plaquetas. Por exemplo, em plaquetas foram também detectadas perturbações do metabolismo da proteína APP com produção de β-amilóide (Di Luca, 1996). Portanto, é suposto que as alterações genéticas introduzidas nos murganhos 3xTg-AD também promovam as alterações patológicas em órgãos periféricos tal como as detectadas em humanos com a doença. Seleccionou-se o tecido muscular esquelético para os estudos pelo facto de partilhar a mesma origem embrionária do tecido nervoso, ser formado por células excitáveis como neurónios e a sua actividade (contracção muscular) ser controlada pelo neurotransmissor acetilcolina. Adicionalmente, a progressão da doença de Alzheimer é caracterizada por uma profunda perda de neurónios colinérgicos, acompanhada por um declínio progressivo nos níveis de acetilcolina (Davies, 1976; Perry, 1977).

Os estudos foram efectuados com o sobrenadante de homogeneizados de músculo esquelético obtido por centrifugação diferencial a 16000 x g e em mitocôndrias isoladas do músculo esquelético. O sobrenadante dos homogeneizados de músculo esquelético assim obtido contém as membranas plasmáticas das células musculares, os conteúdos citoplasmáticos solúveis em água e os organelos citoplasmáticos com excepção dos núcleos e das mitocôndrias que foram descartadas com o sedimento obtido a 16000 x g.

Os resultados obtidos com os sobrenadantes dos homogeneizados mostraram que a progressão da patologia nos animais 3xTg-AD promove alterações significativas na actividade da acetilcolinesterase do músculo esquelético. Nestes animais, a velocidade máximas (Vmáx) desta enzima é significativamente inferior à dos animais controlo (WT) com idade equivalente. Em ambos os grupos detecta-se que o Vmax da AChE atinge o seu valor máximo aos 6 meses, decrescendo significativamente com o avanço da idade. Todavia, o

Vmax do grupo controlo detectado aos 12 meses é equivalente ao máximo detectado no grupo 3xTg-AD, isto é aos 6 meses de idade. Adicionalmente, estas alterações são detectadas nos animais, pelo menos a partir dos 3 meses de idade (a menor idade em que se efectuaram estudos) sugerindo que é uma marca precoce da patologia, apresentando por isso potencial para ser considerada como marcador periférico do desenvolvimento da doença. A avaliação de importantes marcadores biológicos para o stresse oxidativo, nomeadamente as actividade da catalase, da superóxido dismutase e o conteúdo total de tióis nas proteínas, permitiu estudar a relação entre a progressão da patologia nos animais 3xTg-AD e o stresse oxidativo ao nível das células do músculo esquelético. Estes estudos mostraram que, em todas as idades estudadas, o conteúdo total de tióis nas proteínas nos animais 3xTg-AD é semelhante aos níveis detectados nos animais WT, sugerindo que, pelo menos ao nível do tecido muscular, a patologia não deve estar associada a níveis de stresse oxidativo significativos, capazes de promover uma oxidação generalizada dos grupos tióis (-SH) das proteínas. Esta ideia é também apoiada pelo facto da actividade da superóxido dismutase (citoplasmática) não revelar diferenças entre os dois grupos. Por outro lado, os animais 3xTg-AD apresentam uma actividade da catalase significativamente inferior aos animais WT, sugerindo que os seus músculos esqueléticos estão mais expostos ao stresse oxidativo, pois têm menos capacidade para suprimir a reactividade do peroxido de hidrogénio. Todavia, a catalase é essencialmente uma enzima dos peroxissomas, com um papel relevante na regulação da sua actividade. Assim, a menor actividade da catalase no grupo 3xTg-AD pode reflectir a perda progressiva da funcionalidade dos peroxissomas, com consequências ao nível do metabolismo celular dos lípidos, incluindo a degradação dos ácidos gordos de cadeia longa e a síntese de plasmalogenos.

Em mitocôndrias isoladas dos músculos esqueléticos, a actividade das enzimas relacionadas com a bioenergética mitocondrial como os complexos I, II, IV e F0F1- ATPsintase não apresentaram diferenças entre os animais WT e os 3xTg-AD, revelando apenas ligeiras modificações com o aumento da idade. A progressão da doença de Alzheimer nos animais 3xTg-AD não afecta a diversidade dos ácidos gordos presentes nos fosfolípidos das mitocôndrias do músculo-esquelético. No entanto, a abundancia relativa das espécies é afectada, pois as mitocôndrias do músculo esquelético dos animais 3xTg-AD apresentam, em todas as idades estudadas, uma diminuição da abundancia relativa dos ácidos gordos saturados (predominantes C16:0 e C18:0) em relação aos correspondentes controlo. As diferenças, relativas à abundancia dos ácidos gordos polinsaturados, detectadas entre os dois

grupos dependem da idade. Assim, em relação aos animais controlo, os 3xTg-AD apresentam menor conteúdo destes ácidos gordos em estágios precoces (3 meses) e maior conteúdo aos 12 meses idade. O cromatograma obtido com os ésteres metílicos dos ácidos gordos dos animais 3xTg-AD com 6 meses de idade apresenta um pico (RT 48,5 min.) de grande intensidade que é mesmo a espécie mais abundante, com um perfil de desintegração (espectro de massa) compatível com um ácido tri-hidróxidocosahexanóico, resultante da oxidação selectiva do ácido gordo polinsaturado C22:6N3. Dado que esta espécie oxidada não se detectou nas mitocôndrias dos animais com 3 meses de idade; aos 6 meses de idade detectou-se apenas nas mitocôndrias dos animais 3xTg-AD e, aos 12 meses detectou-se, como um pico de pequena intensidade tantos nos animais 3xTg-AD como nos WT, então poderá estar associada com eventos relacionados com o envelhecimento que nos animais 3xTg-AD ocorrem precocemente.

Em suma, os presentes resultados obtidos nos modelos 3xTg-AD mostram que a doença de Alzheimer, caracterizada ao nível do sistema nervoso central por perturbações nos processos subjacentes à actividade da acetilcolina, promove perturbações progressivas em processos bioquímicos fundamentais na regulação da actividade dos músculos esqueléticos. Portanto, além da degeneração sistema nervoso central, outros órgãos periféricos como músculos devem ser considerados para que se possa compreender a doença de Alzheimer e desenvolver novos biomarcadores capazes de identificar os diferentes estágios da doença.

Documentos relacionados