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Vários processos biológicos não possuem descrição precisa pela falta de conhecimento do seu mecanismo de ação, o que impede a formulação de fármacos que possam atuar na ativação ou inibição de receptores específicos que podem levar a cura de muitas doenças. Por muitos anos a indústria farmacêutica se baseou em um conjunto de análises experimentais para averiguar a viabilidade de moléculas farmacológicas, demandando uma grande quantidade de tempo e dinheiro. Hoje observa-se que os computadores estão auxiliando vários momentos da pesquisa farmacêutica, desde a predição de novas moléculas até a observação de seu comportamento no alvo.

Diferenciar as interações específicas realizadas por cada ligante é essencial para um melhor entendimento do comportamento do sítio ativo, possuindo grande importância na compreensão de processos biológicos e no desenvolvimento de medicamentos. Por meio desta afirmação, percebe-se que uma metodologia que permita a caracterização das interações realizadas no sítio de ligação é de extrema importância, pois a diferenciação entre os grupos funcionais que são responsáveis por criar um maior (ou menor) conjunto de ligações favoráveis pode propiciar ajustes na estrutura do ligante que levem a uma melhor eficácia do mesmo.

A partir das informações expostas em todo o corpo desta dissertação, percebe-se que as técnicas computacionais possuem grande relevância para a pesquisa bioquímica e farmacêutica. Deste modo, o presente trabalho vem a reforçar o papel da simulação computacional em um nível quântico no entendimento da interação de moléculas agonistas e antagonistas com representantes das classes A e C dos receptores acoplados à proteína G, bem como do receptor PD-1, diferenciando, por meio de valores energéticos, os sítios de interação desses compostos em seus alvos moleculares, com o objetivo de auxílio no desenvolvimento de fármacos para os sistemas estudados.

Os receptores acoplados à proteína G constituem uma das mais importantes e diversificadas superfamílias de proteínas codificadas pelo genoma humano, com membro que podem ligar-se seletivamente a uma variada gama de moléculas, incluindo íons, aminas biogênicas, aminoácidos, peptídeos, lipídeos, nucleotídeos e proteínas. Ao serem ativados, estes receptores atuam em conjunto com proteínas citosólicas para traduzir o sinal do meio extracelular para o meio intracelular. Esse sinal é posteriormente amplificado para modular o comportamento fisiológico das células. Dessa forma, estes receptores possuem papel crucial em vários processos fisiológicos, como neurotransmissão, crescimento, metabolismo e diferenciação celular, secreção e resposta imunológica. Assim, tendo em vista seu alto valor para o funcionamento dos sistemas biológicos, os receptores acoplados à proteína G tem recebido considerável atenção da indústria farmacêutica, sendo alvo de aproximadamente 30-50% de todos os fármacos aprovados e comercializados pelo mundo.

Dentre os receptores acoplados à proteínas G que possuem estrutura tridimensional definida e validação experimental como alvo terapêutico, selecionamos dois modelos de receptor que poderiam não só clarificar o modo de interação para ligantes da própria

proteínas, mas que auxiliassem na descrição de outras proteínas da mesma família. Assim, propusemos um trabalho voltado para a descrição das interações chave de receptores serotonérgicos, um receptor de classe A, e GABAérgicos, receptor de classe C.

Embora a relação comum entre esses receptores e a modulação do sistema nervoso

pareça quase intuitiva, 5-HT1B e GABAB são alvos terapêuticos utilizados no tratamento

de enxaqueca e dores neuropáticas, respectivamente. Em contrapartida, os vários efeitos indesejados advindos da utilização dos fármacos que visam esses receptores torna evidente a necessidade de novos fármacos mais efetivos. Ademais, a similaridade estrutural entre esses receptores e àqueles da mesma classe é grande, o que torna o desenvolvimento de fármacos mais difícil para subtipos específicos de receptor.

Não obstante, na última década uma vasta gama de estudos voltados à uma melhor compreensão do mecanismo molecular relacionado com a correlação entre proteínas de

checkpoint imunomodulatórias e a ação de anticorpos monoclonais no combate ao câncer

tem sido apresentados. Essas proteínas, expressas na superfície de células que agem na resposta imune adquirida, tem sido bastante visadas e tem mostrado respostas animadoras em pacientes que estão passando por esse tipo de terapia.

Dentre os primeiros fármacos aprovados pelo US-FDA, pembrollizumab e nivolu- mab tem sido largamente utilizados, como terapia única, ou combinada com quimioterápi- cos/outros anticorpos monoclonais. O tempo de sobrevida dos pacientes que fazem uso desses compostos aumenta significantemente, o que abriu portas para um amplo desenvol- vimento de novos compostos. Contudo, o número de pacientes mostrando respostas à essas moléculas ainda é pequeno e alguns efeitos adversos advindos da modulação do sistema nervoso tem sido reportados.

Os métodos empregados no desenho racional de fármacos, em especial os métodos de fragmentação, tem se mostrado bastante eficazes em delinear a estrutura do receptor e quantificar a importância de cada interação formada dentro do sítio de ligação. Portanto, neste trabalho, utilizou-se a técnica do fracionamento molecular com caps conjugados, para determinar quais os aminoácidos com maior importância na resposta dos dois receptores escolhidos após a entrada de agonistas ou antagonistas em seu sítio de ligação. Assim, tendo por base as interações formadas com cada um destes aminoácidos, se faz possível procurar regiões em que seja possível modificar estas moléculas ligantes e obter uma melhor resposta de agonismo ou antagonismo para o receptor.

Com a fragmentação dos sistemas estudados, foi possível encontrar os aminoácidos mais importantes para a estabilização dos ligantes dentro de seus respectivos sítios de ligação. Em ordem de relevância energética, conclui-se que os aminoácidos que possuem as maiores energias de interação são aqueles que participam da rede de interações de hidrogênio, embora interações hidrofóbicas sejam primordiais para o acoplamento de todas os compostos aqui utilizados.

Como apresentado, os membros da classe A dos receptores acoplados à proteína G possuem a estrutura característica dessa superfamília, com um domínio transmembrana contendo sete hélices unidas por alças, além de regiões N-terminal e C-terminal curtas. Assim, diferente do que o ocorre nas demais classes, o sítio de ligação à agonistas e antago- nistas está posicionado no interior do domínio transmembrana, diferindo relativamente em diâmetro de acordo com o tipo de receptor, mas com a mesma característica comumente observada nos demais membros desta classe. O mecanismo de ativação desses receptores é mais simples em relação aos demais, sendo diretamente relacionado ao modo como o

agonista entra no sítio de ligação e às interações formadas entre este e os aminoácidos do receptor, podendo variar de acordo com o conjunto de interações formadas.

De modo geral, nossos resultados nos mostraram que diidroergotamina liga-se em um bolsão formado, principalmente, pelos aminoácidos Asp(D)129, Asp(D)352, Asp(D)123, Glu(E)198, Asp(D)204, Phe(F)330, Leu(L)126, Phe(F)351, Ile(I)130, Val(V)201, Val(V)200, The(T)355 e Arg(R)114, que circundam o ligante formando interações fortes que o es- tabilizam. Além disso, apresentamos a ordem de afinidade entre as regões do ligante

e a proteína, e entre as estruturas secundárias de 5-HT1B com diidroergotamina. Com

exceção de Arg(R)114, Asp(D)123, Glu(E)198 e Asp(D)204, todos os valores energéticos encontrados são consistentes com estudos experimentais e teóricos anteriores, não só para receptores serotonérgicos, mas também para outros receptores monoaminérgicos.

Ao avaliarmos os resultados para os complexos PD-1/ligantes, observamos que o resíduo de lisina Lys(K)131 exibe a interação resíduo-resíduo mais forte, um resultado relacionado com sua capacidade de penetrar-se no sítio de ligação dos ligantes devido a sua alta flexibilidade e polaridade, levando a uma forte ligação de hidrogênio com os aminoácidos dos ligantes. Ademais, uma região de baixa energia de interação foi encontrada, o que pode ajudar ao receptor a adotar uma nova conformação em presença dos inibidores competitivos e impede a ligação de PD-L1.

Por outro lado, os receptores de classe C apresentam um sítio de ligação externo ao domínio transmembrana, posicionado na região N-terminal em um sítio conhecido como Venus Fly Trap. Ademais, esses receptores formam ’dímeros obrigatórios’, o que não é observado em outros GPCRs. Acredita-se que o mecanismo de ativação desses receptores segue uma sequência diferente daquele que ocorre nos demais receptores, onde os lobos que compõe o domínio extracelular fecham-se à presença de um agonista, o que leva a mudanças conformacionais entre os monômeros e, consequentemente, na formação de uma região intracelular favorável a ligação com o parceiro proteico intracelular. Em contrapartida, a ligação de antagonistas mantém a estrutura geral do domínio extracelular intacta, impedindo o fechamento dos lobos que ocorreria em presença de agonistas.

Neste caso, foi observado que alguns aminoácidos que formam o lobo 1 desse domínio extracelular compartilham interações entre agonistas e antagonistas, podendo- se predizer que este deve ser o sítio de reconhecimento do receptor para ligantes que

tenham GABAB como alvo. Apesar dessa partilha no provável sítio de reconhecimento, os

aminoácidos que compõe o lobo 2 de GABAB1 apresentaram uma preferência clara por

interagir com agonistas, criando uma estrutura fechada não vista quando antagonistas entram no sítio de ligação, mesmo quando estruturalmente semelhantes, um provável efeito da distribuição de cargas que difere, mesmo que levemente, no anel clorofenil dos ligantes. De modo geral, nossos resultados mostraram que os aminoácidos Ser(S)130, Gly(G)151, Ser(S)153, His(H)170, Tyr(Y)250, Trp(W)278, Glu(E)349, Val(V)201, Ser(S)152, Ser(S)154, Gln(Q)348, Arg(R)168 e Trp(W)65 são aqueles que interagem mais fortemente com SCH50911, baclofeno, GABA e 2-hidroxisaclofeno, com os três aminoácidos que apresentam anéis em sua estrutura (Tyr(Y)250, Trp(W)278 e Trp(W)65) mostrando-se mais sensíveis à diferenças entre agonistas e antagonistas. Assim como no caso anterior, a maioria dos valores energéticos encontrados são consistentes com estudos experimentais e teóricos anteriores.

Além disso, os resultados apresentados para o receptor 5-HT1B mostram que a

utilização do modelo de incremento eletrostático (electrostatic embedding foi capaz de reduzir a energia total de interação, em comparação ao modelo sem cargas pontuais,

levando a uma estabilização energética em distâncias confirmadas experimentalmente. Ademais, o uso desse modelo levou a uma boa reprodução computacional para os dados

experimentais de afinidade em receptores GABAB.

Por fim, os dados aqui obtidos podem ser de grande auxílio no entendimento dos sis- temas serotonérgico, GABAérgico e imuno-oncológico, posteriormente, no desenvolvimento de novos fármacos para esses sistemas, estando de acordo com análises experimentais e acrescentando novos conhecimentos até então não descritos na literatura.