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6 ESTUDOS SOBRE A TERMORREGULAÇÃO NA LESÃO MEDULAR: LEGADOS

6.4 Conclusão

Não são muito numerosos os estudos relacionados à termorregulação em pessoas com tetraplegia (PRICE, 2006), especialmente os que abordam protocolos de esforço em sua metodologia.

Além disso, como abordado no artigo de revisão de Krassioukov e West (2014), a termorregulação em indivíduos com LM, durante o exercício e em repouso, é afetada por diversas variáveis físicas (nível e severidade da lesão), ambientais (temperatura ambiente e umidade relativa do ar) e de esforço realizado (tipo, intensidade e duração).

Ainda assim, algumas considerações são possíveis a respeito das respostas termorregulatórias de pessoas com tetraplegia.

Há duas principais correntes de entendimento sobre a possibilidade de riscos à saúde do tetraplégico pela hipertermia resultante do exercício. A primeira enxerga riscos em razão do desequilíbrio entre o ganho de calor e a dificuldade em dissipá-lo e a segunda baseia-se no fato de que tais riscos são minimizados pela própria dificuldade em gerar grande quantidade de calor metabólico, devido à pouca quantidade de massa muscular ativa presente nesses indivíduos (PRICE, 2006).

Estudos como o de Ready (1994) e de Gass, Gass e Gwinn (1992) demonstram essa menor capacidade de produção de calor metabólico por parte de tetraplégicos durante o esforço, sendo que Gass, Gass e Gwinn (1992) ainda concluem que o único voluntário que apresentou, em sua pesquisa, maior temperatura retal e de coxa, foi justamente o que possuia LM cervical mais baixa e incompleta, o que poderia ser explicado por uma maior quantidade de massa muscular ativa em relação aos demais. Ambos estudos entendem que a hipertermia não é portanto uma grande preocupação para indivíduos com tetraplegia, nas condições estudadas.

Em seu artigo de revisão, Price (2006) observa, no entanto, que estudos que avaliaram a curva de evolução da temperatura em paraplégicos e hígidos demonstraram uma elevação da temperatura central dos mesmos no início do exercício, que era seguida por um platô, devido à estabilização da temperatura central, o que não foi observado nos estudos com tetraplégicos, onde a temperatura tendia a continuar aumentando sem que houvesse uma estabilização, mesmo em ambientes mais frios.

Em seu estudo com Campbell (PRICE; CAMPBELL, 2003), foi observado que no calor (31,5ºC) esse aumento da temperatura de tetraplégicos era ainda maior, devido a sua incapacidade de transpirar. Foi observado também que a temperatura do canal auditivo do grupo de tetraplégicos foi similar à dos grupos de paraplégicos até cerca de 20min de atividade, momento em que a temperatura dos grupos de paraplégicos tendeu a se estabilizar, enquanto a dos tetraplégicos continuou a elevar-se no mesmo ritmo. Os autores concluíram que uma atividade contínua a cerca de 60% do VO2 pico em um ambiente quente pode ser mantida por cerca de uma hora desde que haja equilíbrio entre a capacidade de dissipação de calor e de produção do mesmo pela musculatura ativa, mas que a natureza esportiva e a alta motivação de atletas com comprometimento dos mecanismos de dissipação do calor, podem fazê-los se manter em atividade por um tempo e intensidade que tragam riscos a sua saúde.

No estudo de Webborn et al (2005) também se observa esse aumento contínuo da temperatura central de atletas tetraplégicos quando em exercício intervalado no calor. Comparando o aumento da temperatura central dos voluntários durante o exercício e no período de descanso no calor, os autores também concluíram que a maior parte (2/3) do aumento de temperatura central em exercício intervalado dá-se em razão do calor metabólico e não do calor ambiente. Enquanto que em exercícios contínuos e com intensidades mais moderadas o calor ambiente parece ser a principal fonte de aumento de temperatura dos indivíduos com LM (PRICE, 2006).

A respeito da capacidade de transpiração por indivíduos tetraplégicos, estudos como de Gass, Gass e Gwinn (1992) e de Webborn et al (2005) indicaram pouca ou nenhuma taxa de transpiração observada nos voluntários, sendo que as pequenas taxas verificadas se mostraram insuficientes para garantir a devida perda de calor. Já os voluntários tetraplégicos do estudo de Petrofsky (1992) apresentaram ativação de aproximadamente um terço de suas glândulas sudoríparas e uma taxa de transpiração na fronte seis vezes maior do que a dos indivíduos hígidos do grupo controle, embora mantivessem uma temperatura do canal auditivo superior a dos grupos de paraplégicos e de hígidos. Segundo Price (2006), nenhum estudo posterior indicou uma taxa de transpiração tão elevada em tetraplégicos, sendo possível que a eletroestimulação ocorrida no estudo de Petrofsky (1992) somada à exposição à grande variação de temperaturas no calor possa ter levado a uma aclimatação que propiciou tal volume de sudorese.

Quanto à temperatura da pele, Price (2006) relata que muitos estudos indicam que a mesma sofre influência significativa da temperatura ambiente.

Alguns estudos indicam que em protocolos em que se usa cadeira de rodas ergométrica ou cadeira de rodas colocada sobre uma esteira ergométrica, há uma diminuição da temperatura dos dermátomos do braço e do antebraço não observada em protocolos em que se usa o ciclo-ergômetro de braço, o que pode ser explicado pela maior amplitude de movimento ao se propelir as rodas da cadeira, o que gera maior contato com o ar melhorando o mecanismo de convecção, além do fato do movimento no ciclo-ergômetro não possibilitar a alternância dos momentos de propulsão com os de recuperação, como ocorre na cadeira de rodas, mantendo assim uma contínua produção de calor metabólico pelo esforço cíclico (PRICE, 2006).

Price (2006) também relata que alguns estudos com lesados medulares (a maioria com paraplégicos) identificaram elevação da temperatura de pele nos membros inferiores (especialmente na panturrilha) em razão de exercícios de membro superior, ocorrendo, inversamente, a diminuição da temperatura das pernas em indivíduos hígidos quando executando esses mesmos exercícios de braço. Embora esse fenômeno mereça mais estudos, sabe-se que está ligado à ação simpática na redistribuição sanguínea, que gera vasoconstrição nos membros inferiores para garantir o aporte de sangue aos membros superiores sem que haja prejuízo ao débito cardíaco. Tal mecanismo é prejudicado em lesados medulares que tenham comprometida a ação simpática nos membros inferiores, fazendo com que as pernas continuem recebendo um aporte sanguíneo que resulta no acúmulo de maior quantidade de calor (PRICE, 2006).

Estudos analisados por Price (2006) confirmam também a influência do ambiente na capacidade de perda de calor dos indivíduos com LM – nenhum estudo acusou a interrupção do exercício por estresse por calor em condições ambientes mais frias.

Apesar dessas considerações, Price (2006) observa que se deve levar em conta variações individuais que parecem ser bastante significativas em alguns aspectos termorregulatórios, como no caso das temperaturas de pele, especialmente de membros inferiores. Mesmo quando indivíduos com uma pequena variação de níveis de LM são agrupados, ainda que tenham uma mesma classificação clínica, os mesmos podem apresentar uma ampla variedade de respostas em decorrência do próprio comprometimento das vias simpáticas, o que é bastante específico a cada lesão (PRICE, 2006).

7 MATERIAIS E MÉTODOS

O presente capítulo tem como escopo descrever a pesquisa realizada com o intuito de caracterizar como ocorre a evolução da temperatura em atletas de Rugby em Cadeira de Rodas que possuem LM, quando submetidos a um teste intervalado de 28 minutos no Ciclo-Ergômetro de Braço (CE) e nos 20 minutos subsequentes de recuperação passiva.

A caracterização da curva cinética de temperatura da amostra deste trabalho segue, portanto, o perfil das avaliações diagnósticas que, segundo Gorla et al (2009), permitem colocar os indivíduos avaliados em programas que irão otimizar o seu desenvolvimento, bem como, determinar se esses indivíduos precisam ser avaliados com maior criteriosidade, além de identificar os pontos fortes e fracos dos indivíduos.

Conforme tratado no capítulo anterior, o teste escolhido já foi utilizado na pesquisa de Webborn et al, 2005, na qual são comparadas duas estratégias de resfriamento em oito atletas com lesão medular cervical. O teste oferece estímulos intervalados, como ocorre na prática da própria modalidade e, além disso, é realizado com carga pré-determinada a cada voluntário e em ambiente onde se busca minimizar a variação da temperatura e da umidade relativa do ar, com o fito de permitir a comparação de resultados entre os voluntários.

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