• Nenhum resultado encontrado

A análise dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo revelou posicionamentos e estratégias referentes à transformação da Agenda brasileira. Por mais semelhantes que fossem em parte significativa da dos temas observados, houve algumas diferenças importantes que procuraremos aclarar, notadamente em termos de visão de mundo (em certos aspectos) e nas estratégias que adotaram.

Claramente ambos se aproveitaram e se utilizaram da chamada “onda neoliberal”;

tal onda, contudo, não significou uma pura e simples adesão ao manual ultraliberal, pois, afinal, a FSP enfatizou o papel social do Estado em contrapartida

à crença de que este era o grande culpado pelos males da economia e sociedade brasileiras; já OESP procurou interpretar as reformas nos mais diversos países à luz do liberalismo, porém manteve seus pressupostos conservadores. Ambos agiram mais em função de uma “ética da responsabilidade” do que de um principismo inveterado, por mais que OESP assim o declarasse, tendo em vista seu caráter secular, em que se imiscuem liberalismo, positivismo e tradicionalismo, o que o

EAESP/FGV/NPP - NÚCLEODE PESQUISAS E PUBLICAÇÕES 160/178

RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 5 5 / 2 0 0 1

impede de perfilhar-se a uma “ética da convicção” pura e simplesmente. Mais importante, seu papel como “intelectual orgânico”, com uma atuação próxima a um partido político, faz de OESP um ator pragmático por excelência, obrigado que está a “negociar” e transigir. Pragmatismo que também é observado na FSP, porém de uma forma diferente da de OESP, pois jamais possuiu uma arraigada vinculação ideológica.

Do ponto de vista das estratégias que adotaram, a FSP usou o expediente de reportagens especiais, editoriais de primeira página e do abuso das imagens

antiestatais como forma de demonstrar – expressando, assim, os preconceitos da

classe média, leitora de jornais no Brasil, sobretudo da Folha – que os grandes problemas brasileiros seriam provenientes do Estado. Com objetivos semelhantes, porém mais ideológicos, OESP fez da retórica imagética seu grande recurso à condenação das atividades estatais como a fonte dos problemas nacionais. Vez por outra, contudo, ao se inconformar com a assimetria de poder mundial, pois contrária a uma alegada ordem e/ou tendência mundial, deixou antever que sua estratégia voltava-se fundamentalmente construção de imagens “fantásticas” com vistas a diminuir o papel do Estado e, mais importante, sublinhar a atuação de uma “iniciativa privada” intrinsecamente portadora de funções econômicas (produtividade) e ideológicas (espraiamento da ideologia liberal). Nesse sentido,

OESP demonstrou maior solidez ideológica do que a FSP, pois faz da idéia de

“iniciativa privada” um princípio a ser perseguido em termos hegemônicos. As estratégias retórico/imagéticas que adotou não podem, por isso, confundir o que é o cerne dos objetivos de OESP: ao mesmo tempo a conquista da hegemonia

liberal/conservadora, em que a propriedade privada, independentemente de sua origem, tenha precedência sobre o Estado, e a manutenção de uma sociedade socialmente hierarquizada. Daí a ênfase na autoridade, na ordem, assim como a

aversão à greve e à organização dos trabalhadores. Trata-se de um liberalismo

EAESP/FGV/NPP - NÚCLEODE PESQUISAS E PUBLICAÇÕES 161/178

RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 5 5 / 2 0 0 1

Já o “projeto Folha” distingue-se do de OESP por dois grandes motivos: o primeiro diz respeito ao fato da FSP jamais ter possuído uma linha ideológica fixa (enfatize- se), isto é, de alguma forma posiciona-se de acordo com os “ventos ideológicos” – por mais, como vimos, que contribua para a formação dos mesmos; em segundo lugar, devido ao projeto de certa forma “tecnocrático” do jornal nos anos 90, em que a expressão “modernidade” quis indicar não só privatização/abertura do mercado nacional como também inovação técnica na redação. Em outras palavras, a

FSP pretende colocar-se como “vanguarda” na imprensa brasileira, valendo-se para

tanto de uma agressiva campanha publicitária, de contínuas pesquisas de opinião pública e de seus leitores e de uma vigorosa estratégia para superar recordes de vendagem de jornais. O projeto comercial da FSP, isto é, seu caráter empresarial, é, por vezes, mais evidente que seu projeto ideológico. Este, contudo, não só existe como é fundamentalmente volátil, o que significa, concretamente, alterar posições – no caso, do nacional-desenvolvimentismo ao ultraliberalismo, por mais que sua adesão a este, como vimos, fosse parcial.

Por fim, ambos se comportaram efetivamente como aparelhos privados de

hegemonia, tendo em vista o embate em que se envolveram – notadamente o

processo constituinte e a conseqüente reversão da relação Estado/mercado e capital nacional/capital estrangeiro, além da eleição presidencial –, e como empresas, sendo as disputas sobre o “mercado leitor” uma de suas personificações. Também verificou-se a postura voltada à aglutinação de idéias e interesses, típica de um partido político (sobretudo OESP), por mais que objetivassem questões tópicas, sobretudo em razão do processo constituinte.

Cada um à sua maneira atuou de forma a desqualificar o Estado interventor, por motivos e interesses diversos. A FSP, tendo em vista a reversão ideológica mundial,

embarcou numa “carona” que não era sua até então, e OESP aproveitou da voga ultraliberal para reforçar suas convicções liberal/conservadoras. Ambos, portanto,

por caminhos diversos, contribuíram para a Agenda da transformação brasileira, o que implicou a perda de qualquer projeto nacional por parte do país. Esta

EAESP/FGV/NPP - NÚCLEODE PESQUISAS E PUBLICAÇÕES 162/178

RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 5 5 / 2 0 0 1

certamente é uma conseqüência nada desprezível do papel da grande imprensa

diária paulista, pois, afinal, seja a cobertura da nova Agenda seja a pregação

ideológica a partir dos editoriais (síntese do jornal) contaram com uma baixa responsabilidade em termos jornalísticos – dado o caráter fortemente ideológico do papel de ambos, ao contrário do que proclamavam fazer, sobretudo no caso de

OESP, que, vez por outra, traiu sua própria cantilena.

Dessa forma, pode-se concluir que o que importa no tocante à imprensa é fundamentalmente sua função social, pois, no caso, a mesma expressou interesses

materiais e ideológicos de setores internacionalistas do capital nacional, do próprio capital estrangeiro e de setores da classe média.

Por fim, o que mais chama-nos a atenção tanto na maneira de compreender a transição entre as agendas como nas estratégias adotadas diz respeito à concepção

única, simplificada e descontextualizada dos grandes problemas nacionais, pois a

acusação de que o Estado brasileiro é o grande mal não se sustenta por si só. Mais ainda, a desqualificação aos adversários de suas propostas, sobretudo à esquerda no espectro, demonstrou que entre a alegação e a práxis democrática há, na grande

imprensa diária paulista, um grande fosso. Tal postura, contudo, diz respeito, entre

outros fatores, à atuação de ambos como aparelhos privados de hegemonia, com funções político/ideológicas que, desta forma, dão sentido às contradições por

ambos expressas.

Documentos relacionados