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Enquanto a pandemia do VIH/SIDA continua o seu destrutivo e imparável curso, não podemos ignorar que os adolescentes portugueses, iniciando-se sexualmente mais cedo e intensificando a frequência dos comportamentos sexuais coitais, se encontram expostos a um risco potencial cada vez mais elevado de contraírem o VIH. Pela notificação crescente de jovens adultos infectados, podemos mesmo deduzir que o furtivo vírus está já presente num número não despiciendo de adolescentes, seguindo uma tendência expansionista. Os esforços preventivos para travar o avanço da epidemia têm, no entanto, sido demasiado inconsistentes e não específicos (a idade e género nem sempre são critérios considerados, por exemplo), pelo que a problemática do VIH/SIDA raramente se situa na lista de prioridades dos adolescentes, fazendo com que se observe uma percepção de risco pessoal muito baixa. Na verdade, para a maioria dos nossos jovens sexualmente activos, o VIH/SIDA não figura no topo da sua hierarquia de preocupações (quando entra na sua lista de preocupações) – as gravidezes não desejadas continuam a ser o factor dominante (recorde-se, por exemplo, o número significativo de jovens portuguesas que recorreram à contracepção de emergência no ano passado em Portugal), muitas vezes em exclusivo, na génese das angústias dos adolescentes.

Ora, na nossa condição de educadores sexuais/para a saúde, a principal razão que nos levou a embrenhar-nos no presente estudo foi a necessidade sentida de dar resposta, ainda que de forma aproximada, a uma série de questões que pudesse vir a fundar o desenho de intervenções preventivas em relação ao VIH/SIDA o mais consonantes possível com a realidade dos alunos, elevando, dessa forma, a sua potencial eficácia. As questões fundadoras foram as seguintes:

 Que conhecimentos médicos/científicos e de comportamentos de risco e de prevenção relativos ao VIH/SIDA possuem os alunos (ambos os sexos considerados em conjunto) do ensino secundário?

João Carlos Fernandes Lopes | Sexualidade dos Adolescentes e VIH/SIDA: Conhecer Para Educar 163  Existem diferenças estatisticamente significativas entre alunos e alunas no nível de

conhecimentos médicos/científicos e de comportamentos de risco e de prevenção relativos ao VIH/SIDA?

 Existem diferenças estatisticamente significativas entre os alunos (ambos os sexos considerados em conjunto) filhos de pais e mães com diferentes profissões no nível de conhecimentos médicos/científicos e comportamentos de risco e de prevenção relativos ao VIH/SIDA?

 Existem diferenças estatisticamente significativas entre alunos e alunas a nível de atitudes relativas à sexualidade?

 Existem diferenças estatisticamente significativas entre os alunos (ambos os sexos considerados em conjunto) filhos de pais e mães com diferentes profissões ao nível de atitudes relativas à sexualidade?

 Existem diferenças estatisticamente significativas entre os alunos (ambos os sexos considerados em conjunto) que conhecem e os que não conhecem alguém infectado com o VIH a nível de atitudes relativas à sexualidade?

 Existem diferenças estatisticamente significativas entre alunos e alunas a nível de comportamentos relativos à sexualidade?

 Existem diferenças estatisticamente significativas entre os alunos (ambos os sexos considerados em conjunto) filhos de pais e mães com diferentes profissões a nível de comportamentos relativos à sexualidade?

 Existem diferenças estatisticamente significativas entre os alunos (ambos os sexos considerados em conjunto) que conhecem e os que não conhecem alguém infectado com o VIH a nível de comportamentos relativos à sexualidade?

 Qual o nível de experiência sexual dos alunos?

O objectivo último da resposta a estas questões, e que dá sentido a todos os outros objectivos que guiaram o presente estudo, é o de contribuir para a promoção da saúde sexual dos adolescentes. Mas, recordemos os objectivos que formulámos inicialmente e que orientaram o nosso estudo:

 Aceder a um conhecimento aproximado dos conhecimentos, atitudes e comportamentos dos adolescentes face à sexualidade.

 Identificar condicionantes que podem aumentar o risco de aquisição do VIH nos adolescentes.

João Carlos Fernandes Lopes | Sexualidade dos Adolescentes e VIH/SIDA: Conhecer Para Educar 164  Contribuir para a construção de programas de prevenção do VIH/SIDA mais

específicos e dirigidos.

 Contribuir para a promoção da saúde sexual dos adolescentes.

Desfiemos, agora, os resultados mais relevantes encontrados na presente investigação empírica, consubstanciada na inquirição de 494 alunos, de ambos os sexos, de escolas secundárias dos distritos de Aveiro, Guarda e Viseu.

A grande maioria possui o conhecimento correcto de que não existe cura para a SIDA. No entanto, cerca de um terço crê que existe uma vacina que previne a infecção pelo VIH. De igual modo, um terço dos inquiridos desconhece o facto do sentido irreversível da evolução da infecção pelo VIH até ao estádio da SIDA.

Outras conclusões que emergem dos resultados encontrados dizem respeito à confusão que quase um terço ainda faz entre VIH e SIDA, e ao facto de um quinto parecer desconhecer a associação entre “doenças oportunistas” e SIDA. A esmagadora maioria reconhece, no entanto, a capacidade do VIH para debilitar o organismo no combate aos agentes patogénicos que o atacam frequentemente.

A maioria também sabe que não são visíveis sintomas que façam o diagnóstico da SIDA poucos dias depois de ter ocorrido a infecção pelo VIH, bem como demonstram saber que existem diversas IST’s que são assintomáticas.

Nas vias de transmissão do vírus, a grande maioria assinalou como verdadeira a afirmação de que uma mãe portadora do VIH pode transmitir o vírus ao bebé; mas perto de um terço demonstra desconhecer que o VIH se encontra presente no sémen.

Em relação aos testes aos anticorpos contra o VIH, mais de metade desconhece que não basta, em geral, um teste para se ter a certeza de que não se está infectado/a; e que um resultado negativo num teste não significa, necessariamente, a ausência de infecção.

Um indicador que se pode revelar muito positivo em termos preventivos é o facto de quase todos terem mostrado saber que não é necessário mais do que uma relação sexual coital para se poder ser infectado pelo VIH. É, também, reconhecido pela maioria o papel do preservativo na prevenção do VIH, principalmente no contexto de relações sexuais de risco elevado, como são aquelas que envolvem consumidores de drogas endovenosas. Por outro lado, cerca de um terço parece desconhecer o poder obnubilante sobre a consciência exercido pelas drogas psicoactivas, as quais propendem à prática de sexo desprotegido. Este último

João Carlos Fernandes Lopes | Sexualidade dos Adolescentes e VIH/SIDA: Conhecer Para Educar 165 valor, sem dúvida elevado, reforça a necessidade de, num programa de prevenção do VIH/SIDA, se incluir a prevenção do consumo de drogas.

A larga maioria sabe que o preservativo não é reutilizável, mas essa maioria baixa para dois terços em relação ao conhecimento de que dois preservativos sobrepostos não significam (bem pelo contrário) maior protecção. Neste último ponto, verifica-se uma diferença estatisticamente significativa entre os respondentes dos sexos masculino e feminino, com estes últimos a ganharem vantagem em termos de conhecimento. Pouco mais de metade dos alunos desconhece que o uso de lubrificantes oleosos reduz a fiabilidade do preservativo, aumentando as probabilidades de se danificar. Nesta questão, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas nas respostas dos alunos em função do grupo profissional a que pertencem os pais: os filhos de pais pertencentes ao grupo de reformados, emigrantes e desempregados e os pertencentes ao grupo de profissões mais qualificadas foram aqueles que demonstraram mais conhecimento. Nestas questões relacionadas com os preservativos, dada a quantidade de informação a que os nossos adolescentes estão expostos sobre tal método preventivo, eram expectáveis resultados mais positivos. Há que dar mais ênfase, por isso, à educação sobre o uso do preservativo, de preferência usando as técnicas da modelagem e da prática guiada.

Cerca de um quarto dos inquiridos, um valor que se pode considerar preocupantemente elevado, não vê riscos de infecção pelo VIH através da prática do coito interrompido. Em relação aos contraceptivos orais, já demonstram possuir mais conhecimento: à volta de 90% reconhecem a sua ineficácia como método preventivo contra o VIH.

De igual modo, mais de oito em cada dez está ciente de que o coito anal desprotegido é dos comportamentos sexuais que encerra maior risco de infecção pelo VIH.

Há um reconhecimento generalizado de que a cor da pele não tem qualquer influência no grau de vulnerabilidade ao VIH. Cerca de um quinto, contudo, ainda parece associar a infecção pelo VIH a grupos de risco e não a comportamentos individuais, valor que não esperávamos tão elevado, e que prova que os discursos dominantes no início da epidemia, que conotavam a infecção pelo VIH com os grupos de homossexuais e de toxicodependentes, ainda continuam a ressoar nas cabeças de uma percentagem importante dos nossos jovens.

A existência de vários parceiros sexuais como situação que pode fazer aumentar a probabilidade de infecção pelo VIH é do conhecimento da esmagadora maioria dos inquiridos.

João Carlos Fernandes Lopes | Sexualidade dos Adolescentes e VIH/SIDA: Conhecer Para Educar 166 A maioria também sabe que o exercício físico não previne contra a infecção pelo VIH, mas não deixam de surpreender os 13,6% que acreditam que sim. A maioria parece conhecer, igualmente, que a prática da masturbação não envolve riscos de infecção pelo mesmo vírus.

Em síntese, analisando os resultados obtidos na avaliação dos conhecimentos, podemos considerar que, globalmente, a maioria dos alunos constituintes da amostra manifesta possuir bons conhecimentos médicos/científicos e sobre comportamentos de elevado risco e comportamentos de prevenção, relativos ao VIH/SIDA Este aspecto é consistente com o que já Nossa e Silvestre (2005), Amaro et al. (2004) e Matos et al.. (1994; in Matos et al., 2004) haviam concluído. No entanto, nalgumas questões, como vimos, são visíveis lacunas informativas que devem merecer a nossa atenção, porque sinalizam condicionantes que poderão fazer aumentar a vulnerabilidade à infecção pelo VIH.

Quanto às atitudes, as raparigas demonstraram mais atitudes reveladoras de percepção de risco e mais atitudes de assertividade associadas ao uso do preservativo. Os rapazes, por seu lado, pontuaram mais do que as raparigas em atitudes de assertividade relacionadas com questões sexuais.

O grupo profissional de pertença do pai conduziu, igualmente, a diferenças estatisticamente significativas nas atitudes de assertividade relacionadas com o uso do preservativo: os que revelaram maior assertividade foram os filhos de pais integrantes dos grupos de profissões com mais e com menos qualificação; os que revelaram menos assertividade foram os filhos do grupo dos reformados, emigrantes e desempregados.

O que não conduziu, em relação às atitudes, a respostas com diferenças estatisticamente significativas, foram as variáveis “conhecimento de alguém com o VIH”, “curso frequentado” e “grupo profissional da mãe”.

A nível de comportamentos, os resultados apontam para diferenças estatisticamente significativas entre rapazes e raparigas, com estas a revelarem mais aptidões de assertividade sobre questões sexuais e mais aptidões de tomada de decisão sobre questões sexuais, deixando transparecer que as raparigas se encontram mais capacitadas para se protegerem do VIH. Por outro lado, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas nas respostas dos inquiridos em função das variáveis “conhecimento de alguém com o VIH”, “curso frequentado”, “grupo profissional do pai” e “grupo profissional da mãe”.

Entre os jovens do nosso estudo, são muito poucos os que, alguma vez, foram clientes da prostituição.

João Carlos Fernandes Lopes | Sexualidade dos Adolescentes e VIH/SIDA: Conhecer Para Educar 167 A nível de experiência sexual, mais de um quarto dos inquiridos já teve envolvimento em práticas sexuais coitais, mas apenas 13% estiveram implicados nesse tipo de comportamento no último mês, o que sinaliza um padrão episódico, pontual, neste tipo de relacionamentos. Quanto ao número de parceiros sexuais nos últimos doze meses, a grande maioria assinalou zero parceiros, seguindo-se os que tiveram um parceiro. Os que tiveram dois, três ou mais parceiros não ultrapassaram os 7,5%, sugerindo um quadro de pouca promiscuidade sexual.

Em síntese, a maioria dos alunos parece exibir comportamentos sexuais que, aparentemente, ainda não os colocam em grande risco de exposição ao VIH. Dever-se-ia, no entanto, tentar saber, para abrir caminho a conclusões mais sólidas, em que condições de protecção é que se deu o envolvimento nas práticas sexuais coitais.

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