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O uso feito por Lacan do aparato da lingüística estrutural possibilitou-lhe a formalização de noções extremamente importantes e de grande alcance clínico. Entre essas conceituações, que foram forjadas a partir do arsenal teórico da lingüística, encontra-se a noção de metáfora delirante. Trata-se de uma conceituação bastante complexa, elaborada segundo os princípios da metáfora paterna. Ora, se Lacan se vale do dispositivo estrutural da metáfora, é porque ele vislumbrou nessa ferramenta conceitual a possibilidade de promover a formalização de instrumentos clínicos fundamentais ao campo da psicanálise.

A metáfora delirante constitui o substrato que faz com que Lacan reconduza suas formulações acerca das psicoses. É a partir dessa elaboração que um verdadeiro tratamento clínico é dado à concepção freudiana do delírio. Até então, os analistas não haviam extraído nenhuma conseqüência relevante dessas elaborações. A definição de metáfora delirante permitiu a Lacan não só explorar esses alcances clínicos como também realizar um considerável avanço teórico-clínico no campo das psicoses. Trata-se, portanto, de uma formulação de extrema importância.

Mas se a formulação da metáfora delirante permitiu a Lacan avançar no terreno das psicoses, ela também se mostrou um recurso insuficiente. Tal insuficiência aparece de forma muito clara na clínica, em que os limites e impasses da metáfora delirante colocam-se de modo evidente. Sob esse aspecto, o caso Mateus é muito interessante, já que revela ao analista o quanto é complicado apostar nesse recurso. Certamente, Lacan não ignorava os limites que o dispositivo conceitual da metáfora apresentava em relação às psicoses. No entanto, apesar desses limites, o uso dessa ferramenta tornou possível a formalização de uma consistente teoria das psicoses.

Ao longo do trabalho, foram destacados os limites, impasses e paradoxos que a clínica das psicoses impõe à noção de metáfora delirante. Certamente, construir uma teoria da psicose com apoio na lógica da metáfora é um verdadeiro paradoxo, já que a marca da psicose é a ausência da metáfora paterna. Trata-se, portanto, de uma “ousadia lacaniana”, que é digna de nota.

Em relação aos limites e impasses da metáfora delirante, a clínica das psicoses não cessa de apresentá-los. Um dos limites que o caso clínico aponta é a passagem ao ato. Se a construção delirante é uma tentativa de tradução do gozo, que se dá por meio de um processo em que se busca uma identificação possível, um “nome de ideal” capaz de alojar o sujeito, isso pode levá-lo à passagem ao ato, que é também é um modo de nomeação. A divisão lógica do delírio em quatro fases, tal como propõe Maleval, permite vislumbrar não só o processo de tratamento do gozo pela via do significante, como também a fragilidade dessa solução, já que o retorno a fases anteriores é bastante freqüente.

Outro ponto destacado é a “a inércia delirante”, característica do modo particular de significação operado na psicose. É como se o sentido fosse interrompido em sua própria lógica. Trata-se, portanto, de um processo de significação que contraria as próprias leis de funcionamento do significante. Sob esse viés, há uma incompatibilidade fundamental entre delírio e metáfora. No entanto, a solução lacaniana para toda essa problemática é a metáfora delirante, o que, certamente, constitui um paradoxo.

O que Lacan buscava com a formalização da noção de metáfora delirante? Ora, se ele a define como “o nível em que significante e significado se estabilizam” (LACAN, 1958/1998: 584), é porque confere à metáfora a função de amarrar significante e significado, permitindo, assim, algum efeito de sentido. Se se busca uma comparação entre a metáfora e o nó, não é com o propósito de negar a diferença lógica entre essas duas ferramentas, e sim de

mostrar o quanto Lacan acreditou numa amarração possível pela via da metáfora. Mas será que a metáfora amarra?

Decerto, Lacan não desconhecia as dificuldades impostas pelo dispositivo conceitual da metáfora. Então, qual o motivo de sua insistência no campo da lingüística? Em resposta a essa indagação, situa-se uma colocação de Lacan realizada no final de seu ensino, em “Momento de concluir”, que parece bem sugestiva: “Eu delirei com a lingüística” (LACAN, 1977-1978: 108). Trata-se de uma fala poderosa, cuja ressonância não pode deixar de ser considerada. Ora, essa fala convoca a uma dura reflexão sobre uma série de formulações fundamentais à psicanálise, a começar pela sua tese do “inconsciente estruturado como uma linguagem”, que, certamente, tem repercussões na noção de metáfora delirante. Mas será que todas as elaborações de Lacan forjadas a partir desse delírio com a lingüística devem ser rejeitadas?

Ao invés de seguir esse caminho, que implicaria um abandono das construções realizadas até o momento, optou-se aqui por extrair algumas conseqüências dessa afirmação. Mas para tal é preciso contextualizar a noção lacaniana de delírio que estava por trás dessa afirmação. Segundo Miller (2007), o delírio assume no final do ensino de Lacan uma extensão enorme, de modo a afetar todo uso do significante feito pelo homem. Em suma, é como se tudo que fosse da ordem significante não passasse de um delírio. Sob essa perspectiva, qualquer amarração que se dê pela via significante conduz, inevitavelmente, ao delírio. Assim, se delírio e metáfora pareciam constituir um paradoxo, aqui eles aparecem de forma inseparável. Nesse sentido, a amarração realizada pela metáfora só pode ser da ordem de um delírio. E mais: se o significante é insuficiente para tratar o real, a amarração pela via da metáfora vai esbarrar nessa falha fundamental. Abre-se, portanto, uma questão que merece ser

investigada em trabalho posterior: Qual a relação entre a amarração pela via da metáfora e a debilidade?122 122