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A economia primitiva era uma economia de abundância. Porém, o pecado da humanidade, através da Queda no Éden, trouxe grandes distúrbios nesta produção, causando assim um desequilíbrio econômico e social na sociedade. Entram em sena o individualismo, a ganância e a miséria. Mas, através da obra de Cristo, Deus restaurou a humanidade a fim de suscitar uma nova sociedade. Cabe, agora, à Igreja de Cristo, devolver ao mundo a ordem social.

Vimos que nos tempos bíblicos havia tensões entre ricos e pobres; e na Idade Média uma dicotomia irreconciliável entre o ser piedoso e possuir bens materiais. A Europa, na época da Reforma, sofrera profundas transformações econômicas e sociais irreversíveis: a descoberta do Novo Mundo, guerras, revoluções, pestes, mortes. A transformação da vida pública e privada de Genebra, coube a João Calvino levar a cabo. O seu conceito acerca de um quádruplo ministério, revela que a assistência social estava entre as suas principais preocupações.

A sua formação humanista e sua piedade foram determinantes para a implantação da Reforma. A vida frugal é o ideal pregado por Calvino. Dizia ele que a riqueza só é legítima quando posta a serviço dos que têm falta dela. E que a riqueza não é um mau em si mesma, mas, sim, o seu poder espiritual de sedução.

O pensamento de Calvino sobre as riquezas nos deve atingir por inteiro, em todas as áreas da vida. Ele denuncia o perigo espiritual das riquezas, a moderação e o dever à assistência social (dar esmolas). O princípio que deve perdurar em qualquer transação econômica, deve ser, sempre: a honestidade, o amor, a moderação, a caridade e a constante vigilância em tudo aquilo que, para a vida cotidiana, necessitarmos. É a mordomia cristã levada a sério.

Dentro da perspectiva de Calvino, para que o homem exerça sua plena humanidade e seja um homem realizado e autêntico, ele precisa de trabalho. Essa é a sua vocação. O dinheiro não tem apenas função utilitária; mas tem um duplo sinal. Ele é, primeiramente, um sinal da graça de Deus abençoando os homens; e, também, pode ser um sinal de condenação para os que recebem os bens de Deus e não os comunica ao próximo. O dinheiro, a riqueza e os bens econômicos são colocados à disposição do ser humano para a organização de sua vida e da sociedade, o qual é solidariamente responsável.

Para Calvino, a vida espiritual exige grande responsabilidade à vida material do homem e da sociedade. A pobreza voluntária e o ascetismo monástico foram combatidos. Detectamos que a fé não está alheia aos bens materiais, como se pensava na Idade Média. A Reforma, então, afetou a atitude para com o dinheiro e sua finalidade.

Concluímos que, no pensamento de Calvino, a beneficência é mais do que um auxílio, é um dever explícito de ministrar uns aos outros. É agir em prontidão, de fato, em favor do necessitado. A caridade não é opcional, é uma obrigação de todos, pois, não fazemos mais do que lhes entregar aquilo que lhes é de direito. Calvino ainda pregava que as contribuições nunca devem ser além ou aquém de nossas posses, mas conforme as suas próprias capacidades.

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Na visão de Calvino, quando ajudamos o pobre estamos reconhecendo que Deus é o proprietário maior dos bens. É um exercício de piedade, de amor, de fé e de atos externos. Moderação e assistência social. A esmola é mais que um sacrifício, é um privilégio, pois estamos participando do governo do mundo, juntamente com Deus, em socorro aos seus filhos. E ainda nos recompensa aqui e na vida eterna.

Para os reformadores, não basta simplesmente ajudar materialmente os pobres, também devem dar-lhes os meios necessários para, de si próprio, saírem de sua condição precária. Para isso Calvino agiu na fundação e ampliação de instituições em Genebra, como a Academia de Genebra (dando base intelectual aos alunos, que seria de extrema importância para a Reforma da Igreja). Também atuou com veemência no Hospital Geral (que fornecia abrigo, alimentação, assistência médica e educacional); e o Fundo Francês (que financiava pequenos negócios e ensinava novas profissões aos refugiados de Genebra). Os ociosos eram presos. Todos deveriam trabalhar e fazer o bem, para a glória de Deus.

Calvino se distingue de seus predecessores, pois buscava uma ética social baseada na Palavra de Deus. A ordem divina se expressa a uma clara consciência de nossa responsabilidade pessoal em face à vida social que é destinada à humanidade. Para ele, a Bíblia não proíbe a riqueza ou o empréstimo a juros, em si, mas se preocupa, em última instância, aos efeitos e conseqüências da caridade e eqüidade, em defender o pobre, que quase sempre é oprimido.

Finalmente, Calvino acreditava que a vocação do rico é um meio e uma bênção para servir a si próprio e ao próximo. O pobre tem vantagem espiritual sobre o rico, pois é menos exposto à tentação das riquezas. A teologia de Calvino, que se distingue da teologia medieval, fixa limites ao direito dos homens em adquirir e usar as riquezas. Deus não somente nos supre o necessário para a própria subsistência, mas nos faz ricos, abastados e confiantes da providência divina, pela graça de Deus – com a finalidade de repartirmos com o próximo.

Biéler (1990, p. 661) defende que o pensamento social de Calvino representa, de fato, um ponto de virada na História Econômica, “uma virada na história das relações entre a Igreja e o mundo econômico e social”. Calvino influenciou gerações. É considerado o “pai do capitalismo”. Portanto, há motivos de sobra para estudar o pensamento social de Calvino, e salientar a sua importância.

No documento O uso social da riqueza em João Calvino (páginas 151-155)

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