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O uso social da riqueza em João Calvino

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

CLÁUDIO CÉSAR GONÇALVES

O USO SOCIAL DA RIQUEZA EM JOÃO CALVINO

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O USO SOCIAL DA RIQUEZA EM JOÃO CALVINO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião. Orientador: Prof. Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa.

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G635u Gonçalves, Cláudio César.

O uso social da riqueza em João Calvino / Cláudio César Gonçalves. – 2006.

175 p. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2006.

Bibliografia: p. 155-163

1. João Calvino. 2. Reforma. 3. Economia. 4. Riqueza. 5. Pobreza. 6. Responsabilidade social. I. Título.

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O USO SOCIAL DA RIQUEZA EM JOÃO CALVINO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

Aprovado em 30 de Agosto de 2006.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Márcia Mello Costa De Liberal Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. Antonio Rago Filho

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A Deus, fonte de toda sabedoria, pela força e pela coragem que nos concedeu, permanecendo ao nosso lado em todo o percurso desta caminhada.

Ao Prof. Dr. Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa, minha eterna gratidão, por ter sido orientador persistente, pastor e amigo, que, com diretrizes seguras, acompanhamento e incentivo e, que, com sua competência e paciência me fez concluir esta empreitada.

À Profa. Dra. Márcia Mello Costa De Liberal, que sempre colaborou e incentivou em vários momentos de minha vida e pelos comentários e sugestões apresentadas no decorrer do exame de qualificação.

Ao Prof. Dr. Antonio Rago Filho, pelo muito que me ensinou, comentou e sugeriu no decorrer do exame de qualificação.

Ao Prof. Dr. Antonio Gouvêa Mendonça, que colaborou de perto na fase inicial deste trabalho, fazendo-me repensar e progredir.

Aos meus amigos e familiares, que compreenderam a minha ausência e me apoiaram.

À Congregação Presbiteriana Maranata, pelo incentivo e pelo tempo cedido para dedicar a este trabalho.

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A fé e o mundo não são mais dois domínios separados, o religioso e o profano. A preocupação pela cidade temporal torna-se para o cristão reformado a expressão direta de sua fidelidade cristã. É o que se nota quando se estuda o pensamento de Calvino sobre o dinheiro, a riqueza e a propriedade (BIÉLER, 1970, p. 34, 35).

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No pensamento social de Calvino a causa do caos econômico, da ganância e injustiça social é o pecado que entrou no mundo através da Queda no Édem. Mas a obra de Cristo, através da sua Igreja, é responsável pela reorganização moral e social da humanidade caída. Calvino denuncia o perigo espiritual das riquezas, a moderação e o dever à assistência social (dar esmolas). O que deve perdurar em qualquer transação econômica, deve ser, sempre: a honestidade, o amor, a moderação, a ética cristã e a caridade. É a mordomia cristã levada a sério. Para ele o homem exerce sua plena humanidade quando trabalha. O dinheiro, a riqueza e os bens econômicos são colocados à disposição do ser humano para a organização de sua vida e da sociedade, o qual é solidariamente responsável. Calvino combatia a teologia medieval da opção pela pobreza no ascetismo monástico. Para ele a vida material está intrinsecamente ligada à vida espiritual. A formação humanista de Calvino, a sua piedade, erudição e experiência nas instituições que atuou (Academia de Genebra, o Hospital Geral e o Fundo Francês) foram determinantes para a implantação da Reforma. Ela mudou a atitude para com o dinheiro e a pobreza. A caridade é um dever, um privilégio recompensável, é uma responsabilidade social de todos. O conceito de Calvino sobre o uso social da riqueza deve nos atingir por inteiro, em todas as áreas da nossa vida, no âmbito espiritual e material.

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ABSTRAT

In the social thought of Calvin, the cause of economic chaos, greed and social injustice is the sin which came into the world through the Fall in the Eden. But the work of Christ, through His church is responsible for the social and moral reorganization of the fallen society. Calvin denounces the spiritual danger of wealth, the moderation and the obligation to social assistance (giving donation). What should remain at any economical transaction, should be, always: honesty, love, moderation, christian conduct and charity. It is the christian way of living taken seriously. For him, the man carries out his complete humanity while working. The money, wealth and economic possessions are put at the human being dispositionfor the organization of his life and of society, which is solidarily responsible. Calvin used to combat the medieval theology of the optin for poverty in the monastic asceticism. For him the material life is intrinsically connected to the spiritual life. The humanist formation of Calvin, his piety, erutition and all the experience in the institutions he acted in (Genebra Academy, General Hospital and the French Fund) were determinat for the implantation of the Reform. It changed the attitude concerning money and poverty. Charity is a duty, a rewarding privilege, it is a social responsability of everyone. Calvin´s concept about the social use of wealth must reach us, in all areas of our life, in both spiritual and material ambit.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...12

2 A ECONOMIA SOCIAL NOS TEMPOS BÍBLICOS...16

2.1 AS PROFISSÕES...19

2.2 OS RICOS...23

2.2 A CLASSE MÉDIA...24

2.3 OS POBRES...25

2.4 A BENEFICÊNCIA...27

3 A ECONOMIA NO TEMPO DE JOÃO CALVINO...30

3.1 UMA SOCIEDADE AGRÍCOLA...31

3.2 A INFLUÊNCIA E O IDEAL DA IGREJA...32

3.3 OS MERCADORES-BANQUEIROS E OS INTELECTUAIS...34

3.4 AS CIDADES...36

3.5 OS JUDEUS...37

3.6 O CRÉDITO E A MOEDA...39

3.7 GENEBRA...42

3.8 A REFORMA...44

4 A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO DE JOÃO CALVINO...45

4.1 A SUA FORMAÇÃO ...46

4.2 A SUA CONVERSÃO...47

4.3 O HUMANISMO DE JOÃO CALVINO...51

4.4 A IDADE MÉDIA...53

4.5 O ESCOLASTICISMO...55

4.6 O HUMANISMO...56

4.7 O RENASCIMENTO...57

5 O CONCEITO DE JOAO CALVINO SOBRE AS RIQUEZAS...59

5.1 O TRABALHO...59

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5.1.2 O salário...69

5.1.3 O descanso...72

5.1.4 O ócio...73

5.1.5 O desemprego...74

5.2 O DINHEIRO...76

5.2.1 A vida frugal...78

5.2.2 O uso do dinheiro...79

5.2.3 O perigo das riquezas...81

5.3 A PROPRIEDADE...85

5.3.1 O papel do Estado...89

5.3.2 O "Comunismo" da Igreja Primitiva...90

5.3.3 O ano sabático...92

5.3.4 O ano do jubileu...93

5.3.5 O furto...95

5.4 OS JUROS...97

5.4.1 A usura...100

5.4.2 O empréstimo de consumo...101

5.4.3 O empréstimo de produção...102

6 A RESPONSABILIDADE SOCIAL EM JOÃO CALVINO...108

6.1 O RICO E O POBRE...108

6.1.1 Os ricos ...115

6.1.2 Os pobres...117

6.2 A BENEFICÊNCIA...122

6.2.1 Quanto doar?...125

6.2.2 Doar é um dever...126

6.2.3 Doar é lucro...129

6.3 O DIACONATO...132

6.3.1 O Hospital Geral...137

6.3.2 A Academia de Genebra...140

6.3.3 O Fundo Francês...142

6.3.4 O Legado de João Calvino...143

7 CONCLUSÃO...151

8 BIBLIOGRAFIA...155

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1 INTRODUÇÃO

Mais de 90 citações sobre o dinheiro são proferidas por Jesus e registradas nos Evangelhos. Dos 107 versículos do Sermão do Monte, 22 referem-se ao dinheiro e das 49 parábolas contadas por Jesus, 24 delas também falam de riquezas. O rei Davi, quando estava arrecadando e ofertando recursos para a construção do Templo, que seria realizada pelo seu filho Salomão, disse: “Riquezas e glória vêm de ti, tu dominas sobre tudo [...] Tudo vem de Ti e da tua mão to damos” (1Cr 29.12). Também, o apóstolo Paulo adverte sobre o apego ao dinheiro, quando diz: “Porque o amor do dinheiro é a raiz de todos os males” (1Tm 6.10). Toda a Escritura abrange esse assunto.

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As Escrituras e a Reforma ensinam não somente sobre questões “espirituais”, mas também sobre as questões “materiais”. Para o reformador João Calvino, não existem dois mundos separados: o sagrado e o profano; mas acredita que a vida material está intrinsecamente ligada à vida espiritual e vice versa. Ele não ensinou somente teologia, mas também a sua prática. Isso nos dá uma pista da importância que ele dava à prática social. Embora tendo um ministério eficaz – como teólogo, pregador, escritor, professor, pastor, administrador – existe um outro aspecto de seu ministério menos enfatizado, que precisa ser destacado. Muito embora, ele nem sempre seja lembrado como um reformador social.

Sua maior contribuição nessa área foi teórica: suas idéias e princípios teológicos concernentes à responsabilidade social da Igreja. O pensamento social de Calvino – sobre a riqueza, a pobreza, o trabalho, o dinheiro, a propriedade, o bem-estar social, a beneficência e assuntos correlatos – pode ser encontrado em diversos escritos do reformador, principalmente nas Institutas, nos comentários bíblicos, em sermões e correspondências. Nestas fontes, podemos ver a sua visão e conceitos sobre as riquezas e a sua aplicação social na cidade de Genebra, principalmente através de instituições em que atuou, como a Academia de Genebra, o Hospital Geral e o Fundo Francês.

Foi então que despertou-nos o interesse e estímulo de pesquisar sobre o assunto. Atual e apaixonante. Entretanto, continua na mira das mais diversas interpretações: pelos economistas, sociólogos e teólogos em toda História. É interessante o discurso que se criou sobre o dinheiro e principalmente sobre o seu uso. Muitas são as interpretações acerca do uso das riquezas, que se tem visto: desde os tempos de Jesus; depois pela Igreja medieval, até a atual Teologia da Prosperidade.

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área, obstáculos, dilemas, potencialidades e implicações socioeconômicas que influenciaram o pensamento de João Calvino sobre o uso social da riqueza.

Iniciando com a informação básica da economia social nos tempos bíblicos; e também na Idade Média e na cidade de Genebra; depois uma breve introdução sobre a vida e obra de João Calvino. E um esboço sobre os movimentos intelectuais de sua época (escolasticismo, humanismo, renascentismo). Sem desassociar o social com a sua teologia, seu humanismo, piedade e experiência pastoral. Ainda se deve levar em conta a situação política e econômica que atravessava a Europa do período. Mudanças na economia, guerras, pestes, mortes, conturbações e o clima de Reforma emergente, colaboraram para a construção do pensamento social de João Calvino.

E assim, delimitar (fazer um recorte) o pensamento de Calvino sobre as riquezas e a sua aplicação social em Genebra. Delimitaremos, primeiramente, alguns conceitos sobre a riqueza e a sua importância (trabalho, dinheiro, propriedade, juros), pela perspectiva do reformador. Depois de estudar os geradores de riqueza, analisaremos a sua finalidade – o uso social da riqueza. A responsabilidade social de Calvino é vista pelo seu conceito sobre o papel do rico e do pobre na sociedade. Diante de um mundo caído pelos efeitos da Queda no Édem, a Igreja seria a responsável pela reorganização social. Com isso, estudaremos, na visão de Calvino, a função e o dever da beneficência e o ministério do diaconato em Genebra e suas instituições de caridade.

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2 A ECONOMIA SOCIAL NOS TEMPOS BÍBLICOS

Para entendermos o pensamento econômico e social de Calvino é necessário um breve esboço da história econômica de Israel. Pois, interpretando estes textos bíblicos é que o reformador tira implicações para entender melhor o seu tempo.

A história econômica não é apenas um ramo da História, mas uma ciência auxiliar da economia política. Ela aceita aplicar ao passado modelos adaptáveis calcados na análise matemática dos dados quantificáveis da atividade econômica. O segundo ponto consiste em que a história conserva uma predileção pelo movimento. Essa história econômica parcialmente quantitativa é uma história do movimento, da variação, da estrutura ondulante da economia. Essa preocupação, finalmente, terá contribuído para que se conseguisse uma forma de transição entre a historiografia tradicional e a nova historiografia (LE GOFF, 1988, p. 45).

Deus é o criador e Senhor Soberano de todo o universo (Ex 19.5; Dt 10.14; Js 3.11; Sl 50.12; 97.5). Todo o universo e o que ele contém é propriedade do Criador (1Cr 29.11-15; Sl 24.1; Ag 2.8; Lv 25.23), segundo observa Hans Ulrich Reifler em seu livro A Ética dos Dez Mandamentos (1992, p. 185). O homem, então, não é o proprietário, é apenas um simples mordomo, um administrador, peregrino aqui na Terra (Sl 39.12; 119.19). Deus não deu a terra para o homem. Ele o colocou como mordomo responsável para “dominá-la”, “sujeitá-la”.

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uma capa fosse recebida de uma pessoa pobre, como garantia de dívida, ela deveria ser devolvida até antes do anoitecer, pois era a sua única proteção durante o frio da noite (Êx 22.25-27). “Na base dessas prescrições estava a misericórdia de Yahweh”. Também havia proteção para os estrangeiros, viúvas e órfãos (Ex 22.20-24). “Com a dissolução da comunidade tribal [Israel], surgiu uma consciência moral individualista e, com isso, o próprio indivíduo e sua família tornaram-se mais vulneráveis aos imprevistos da vida e às

pressões econômicas.” (KEELING, 2002, p. 55, 56).

Jesus usa o conceito de posses (inclusive alguns de seus seguidores possuíam propriedades), juros, mordomia das propriedades e responsabilidade social. Ensina que se deve trabalhar para ter o suficiente para si e para ajudar ao necessitado (Ef 4.28; 1Tss 4.11, 12; 2Ts 3.11ss; 1Tm 6.18). Por outro lado, também enfatiza que os bens materiais não devem dominar a mente humana. E que as riquezas não podem tornar-se um ídolo e a ansiedade material dominar o coração. E nem o desejo de enriquecer, ou a falsa segurança proporcionada pelos bens estar em primeiro lugar. Ainda afirma que Jesus e seus discípulos levavam uma vida simples (REIFLER, 1992, p. 187).

Jesus, apesar de sua erudição (Lc 2.40, 47), era pobre, não pertencendo a uma família de muitas posses (Mt 8.20; 17.27; 22.19; 2Co 8.9; Fp 2.6, 7). Cristo esperava que seus discípulos renunciassem aos bens materiais (Mt 10.9; Lc 9.3; 10.4; 14.33). Eles também eram pobres (Mt 12.1; 2Co 6.10), e Jesus os elogiou e os considerou bem-aventurados (Lc 6.20). Parece que os apóstolos tinham uma caixa comum (Jo 12.6; 13.29; At 6.6). Jesus exigiu que o jovem rico desse seus bens aos pobres (Mt 19.21), mas não convidou Zaqueu a fazer a mesma coisa (Lc 19.1ss). Depois de sua decisão por Cristo, Zaqueu resolveu espontaneamente dar a metade de seus bens aos pobres e restituir quatro vezes às pessoas defraudadas (Lc 19.8). Todas essas passagens parecem indicar que o seguidor de Cristo contenta-se com um estilo de vida simples.

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levarem nada pelo caminho, a não ser uma vara para se apoiarem; não deviam levar nem comida, nem sacola, nem dinheiro (Mc 6.7, 9). Todavia, nem todo discípulo de Jesus deixou o seu trabalho, família, riqueza ou propriedade. Era o caso das mulheres, inclusive Maria Madalena, Joana e Susana, que ajudavam Jesus e seus discípulos com o que elas possuíam (Lc 8.1-3). “A expectativa do Reino acarretou uma total inversão de valores, entre os quais a rejeição da idéia de que posse material traz felicidade. Doravante, toda posse material

destina-se ao serviço de Deus, seu verdadeiro proprietário, era considerada

fundamentalmente como dom.” (KEELING, 2002, p. 78).

R. de Vaux acredita que o ideal social é que toda as famílias tenham e desfrutem de sua terra. E distingue a “propriedade imóvel”, como sendo transferida ao plano teológico:

A idéia encontra-se, não obstante, em Israel, mas transferida ao plano teológico. Assim como Yahweh é o único rei verdadeiro de Israel (Jz 8.23; 1 Sm 12.12), assim também é o único dono do solo. A Terra Santa é a “propriedade de Yahweh” (Js 22.19), a “terra de Yahweh”(Os 9.3; cf. Sl 82.5; Jr 16.18; Ez 36.5). É a terra que ele havia prometido aos Pais (Gn 12.7; 13.15; 15.18; 26.4; Ex 32.13; Dt 1.35, 36) e que efetivamente conquistou e deu ao seu povo (Nm 32.4; Js 23.3, 10; 24.11-13; Sl 44.4). Esse direito de propriedade que Deus detêm sobre todas as terras será invocado para fundar a lei do jubileu (Lv 25.23). É também em virtude do domínio eminente de Deus, que a vida religiosa limita os direitos dos usuários humanos: o dever de deixar algo para que o pobre possa colher e rebuscar (Lv 19.9, 10; 23.22; Dt 24.19-21; cf. Rt 2) direito de todo transeunte de satisfazer a fome ao passar por um campo ou por uma vinha (Dt 23.25, 26); dízimo anual devido a Iahvé (Lv 27.30-32) consumido na presença de Yahweh (Dt 14.22-27) recebido pelos levitas (Nm 18.21-32); dízimo do terceiro ano, destinado aos pobres (Dt 14.28, 29; 26.12-15); o alqueive do ano sabático (Ex 23.10, 11; Lv 25.2-7) (VOUX, 2004, p. 200).

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Trata-se de empréstimo sem juros, os únicos que são permitidos pelo Código da Aliança (Ex 22.24), que se refere apenas aos empréstimos entre israelitas. A lei de Dt 23 desenvolve esta disposição: não se cobrar juros pelo dinheiro, os alimentos ou qualquer outra coisa que alguém emprestar a seu irmão, e o mesmo preceito é encontrado em Lv 25.35-38, mas a um estrangeiro pode-se emprestar a juros (Dt 23.21; cf. 15.6). De fato, o empréstimo a juros era praticado entre todos os vizinhos de Israel (VOUX, 2004, p. 206).

Sobre o penhor, ainda R. de Voux diz que:

É proibido de tomar objetos necessários para vida, como o moinho ou sua mó (Dt 24.6). O penhor era freqüentemente uma roupa, substituto da pessoa, mas o Código da Aliança prevê que a roupa do pobre lhe seja devolvida ao crepúsculo: é tudo o que ele tem para cobrir-se à noite (Ex 22.25, 26); a mesma lei aparece em Dt 24.12, 13; cf. Jó 22.6; 24.9; Am 2.8). Essa roupa que o credor só podia manter durante as horas do dia, não era uma segurança real, proporcional ao valor do crédito, mas era um instrumento simbólico, um penhor probatório, como parecem ter sido os penhores mobiliares em Israel (VOUX, 2004, p. 208).

2.1 AS PROFISSÕES

Na época do Novo Testamento as profissões eram basicamente de forma artesanal. O produtor fabricava, com escassos recursos, suas peças e ele próprio as vendia. No Judaísmo dos tempos bíblicos as profissões eram altamente valorizadas. Eram ensinadas de pais para filhos. Jakob van Bruggen relata que o Evangelho de Mateus sugere que Jesus trabalhou como carpinteiro, em Nazaré. “Como filho de carpinteiro (Mateus 13.55), ele pode ter aprendido a profissão quando ainda era menino, com seu pai José. Ele pode ter trabalhado durante mais

de vinte anos como um artesão.” (BRUGGEN, 2005, p. 105).

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fabricante de sandálias, arquiteto, comerciante de betume, alfaiate.” (JEREMIAS, 1983:10, 11).

Quanto à fabricação de artigos domésticos podemos citar os fabricantes de linho e lã (trabalho geralmente feito pelas mulheres casadas). Elas é que teciam os fios, pois “se os homens se dedicassem à tecelagem, a ocupação passava a ser desprezível”. Também existiam os pisoeiros, àqueles responsáveis pela feltragem dos pêlos e pela impermeabilidade do tecido vindo da tecelagem. Depois o tecido era encaminhado para o alfaiate. A indústria de couro servia também para as vestimentas. Outro artesanato que também garantia as necessidades domésticas da época era a profissão de ferreiro, que durante as guerras rapidamente se convertiam em indústria de guerra (JEREMIAS, 1983, p. 13).

Entre os produtos alimentícios está em destaque o óleo provindo da azeitona. Apesar do costume na Palestina de se fazer pão em casa, existia também a profissão de padeiro. Os açougueiros estavam organizados na “rua dos açougueiros”. E por último, e estranho para nós hoje, havia a profissão de carregadores de água (JEREMIAS, 1983, p. 16, 17).

Na fabricação de artigos de luxo estão a preparação de bálsamo e de resinas. As profissões de artigos de luxo foram as que mais prosperaram em Jerusalém, principalmente devido à família herodiana. O artesanato artístico, a fabricação de sinetes com figuras cunhadas e a profissão de copista, também faziam parte das profissões de arte. Depois de Herodes, o Grande (37-4 a.C.), a indústria de construção expandiu rapidamente em Jerusalém. Dentre as mais famosas construções podemos destacar: a restauração do Templo, a construção do palácio de Herodes, as três torres de Herodes, a fortaleza Antônia, o suntuoso túmulo de Herodes, o teatro, o hipódromo, e um arqueduto (JEREMIAS, 1983, p. 19, 20).

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de fornos, perfuradores de poços, fontes e subterrâneos. Alguns eram responsáveis pela manutenção dessas construções, tais como: pela limpeza e vigilância de poços, cisternas, túmulos, ruas. Nas construções artísticas, apesar de terem um vasto campo de atividade, trabalhavam os escultores, os fabricantes de mosaicos (JEREMIAS, 1983, p. 25-28).

Outras profissões também eram comuns em Jerusalém: como barbeiros, lavandeiros e os médicos (o médico era tido como um artífice). As profissões no Oriente Médio eram, e ainda hoje são, extremamente organizadas. J. Jeremias (1983, p. 46) afirma que o Templo foi o principal fomento para o desenvolvimento das profissões em Jerusalém. Ele conta que

O fator principal media-se pelo Templo, como centro de uma colônia de profissões. Um exército de operários trabalhou na sua construção; o culto mantinha incessantemente um grupo de pessoas a seu serviço. Curioso o resultado desta circunstância: a situação da cidade era inteiramente desfavorável ao desenvolvimento das profissões; entretanto, dada a sua importância econômica, política e religiosa, conseguiu incentivá-las tornando-as prósperas.

Próximo de 70 a.C., Jerusalém já havia atingido o nível de uma economia tipicamente urbana, de circulação de mercadorias (detentora de organização econômica). A profissão de comerciante sempre foi altamente valorizada. Caravanas de camelos eram responsáveis pelo transporte de artigos comerciais que vinham de longe. Jumentos e animais de carga, nas cidades mais próximas (JEREMIAS, 1983, p. 47).

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diversos mercados, de: gado, madeira, cereais, frutas, legumes e, inclusive, escravos (JEREMIAS, 1983, p. 48, 49).

Jerusalém também praticava o comércio internacional. O comércio entre a Grécia e a Palestina foi consideravelmente forte, principalmente pela influência helenística. A importação de vidro em Jerusalém começou cedo por Sídon. Tiro era famosa pelos seus vidros preciosos, púrpura e pimenta. Os escravos vinham principalmente da Síria. A Babilônia e a Índia fornecia tecidos valiosos como: jacinto, escarlate, bisso e púrpura. Os árabes (o Oriente sempre realizou intensas relações comerciais com a Palestina) traziam grandes quantidades de arômatas, pedras preciosas, ouro e animais selvagens para as lutas de feras (JEREMIAS, 1983, p. 52-55).

Outro importante colaborador para o desenvolvimento de Jerusalém era o grande fluxo de estrangeiros que freqüentavam a cidade. Vinham de toda parte do mundo. Alguns com fins comerciais e outros eram judeus peregrinos que freqüentavam a Cidade Santa na época das festas judaicas. O movimento de estrangeiros em Jerusalém era tão intenso que, durante as festas, o número de habitantes superava várias vezes. Na época, a cidade que tinha aproximadamente 55.000 habitantes, chegava a acomodar por volta de 125.000 peregrinos para a Páscoa (JEREMIAS, 1983, p. 119, 120).

Os peregrinos representavam uma importante fonte de renda para Jerusalém. A cidade deve sua prosperidade à sua importância religiosa. J.Jeremias (1983, p. 194) conclui que o culto, de fato, era a maior fonte de renda para a Cidade Santa:

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2.2 OS RICOS

A corte regia a vida oficial. Jerusalém, como capital, conheceu um esplendor indescritível. Jogos espetaculares, construções luxuosas, exibiam, significativamente, o gênero de vida faustoso da corte e a riqueza dos seus soberanos. Várias são as evidências de luxo e grandeza dos soberanos. Esses exageros se mostravam claramente pela grande quantidade e diversidade de funcionários da corte (JEREMIAS, 1983, p. 127, 128).

O rei Herodes, por exemplo, possuía uma forte segurança pessoal, havia o secretário do rei (responsável por toda correspondência), o tesoureiro do rei (responsável pelos assuntos materiais), porteiros, educadores (os filhos dos maiorais eram educados com os príncipes), comandantes da cavalaria, oficiais da câmara do rei (camareiros e servidores de vinho). Além de concubinas, alguns parentes e pessoas íntimas em torno do soberano, e de seu harém (JEREMIAS, 1983, p. 129, 130).

Como manter tão fabulosas despesas? Para cobrir tais despesas e adquirirem rendas, os reis cobravam altos impostos de seus súditos; também recebiam gratificações e presentes, que cobriam “alguns rombos das finanças do rei” (JEREMIAS, 1983, p. 133, 134).

O luxo de ricos banquetes em Jerusalém tornou a cidade um modelo para as outras, por suas maneiras requintadas. Alguns ricos amarravam com cordões de ouro seus ramos para a festa das Tendas. Contratavam-se cozinheiros talentosos por excelentes salários para lhes trazer prestígio através de seus banquetes. O vinho era servido em copos de cristal. E a poligamia era comum na alta sociedade de Jerusalém (JEREMIAS, 1983, p. 134, 136).

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fios de ouro ou prata, etc”. O mundo das grandes damas de Jerusalém era “cercado de mimos e cuidados” (JEREMIAS, 1983, p. 137, 138).

Os representantes da classe rica eram os “altos negociantes, grandes proprietários de imóveis, arrendatários de impostos e pessoas que viviam de rendas”. Nos Evangelhos encontramos alguns representantes dessa classe: Nicodemos (Jo 19.39) e José de Arimatéia (Mc 15.43). A nobreza sacerdotal também fazia parte dessa classe. Dela conhecemos Ananias, Anás e Caifás (Jo 18). Aliás, “reinava grande luxo nas residências das famílias pontifícias”, custeados pelo tesouro do Templo. A própria função de sumo sacerdote exigia recursos para tal. Entretanto, os simples sacerdotes não gozavam do mesmo prestígio (JEREMIAS, 1983, p. 138-143).

2.3 A CLASSE MÉDIA

A classe média, segundo J. Jeremias, era representada pelos artesãos, pequenos comerciantes, e pequenos proprietários de oficinas. Operários e funcionários do Templo recebiam alta remuneração, como padeiros e fabricantes de perfume. Os que tinham melhores oportunidades eram aqueles que estavam comercialmente ligados ao Templo e aos peregrinos. Também faziam parte os escribas que possuíam boa cultura, os levitas e os sacerdotes comuns. Existiam 24 classes sacerdotais, pela indiferença do povo com seus deveres, “a grande maioria vivia pobremente” (JEREMIAS, 1983, p. 144, 145, 150, 155).

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exclusivamente por estes peregrinos judeus vindos de toda parte do mundo. “Banqueteavam-se durante “Banqueteavam-sete dias e não recuavam diante das maiores despesas.” Para os sacrifícios, festas pascais e consumo pessoal compravam: vinho (que adocicavam com mel), ervas amargas, geléias, pães ázimos, peixes, azeitonas, uvas, nozes, amêndoas, azeite, alho, etc. Também compravam pratos feitos, vestidos multicores ou de linho branco e lembranças de Jerusalém (JEREMIAS, 1983, p. 147-149).

2.4 OS POBRES

Para estudarmos quem eram os pobres de Israel, antes, precisamos distingüir entre aqueles que trabalhavam para garantir sua subsistência e os que viviam somente da ajuda alheia. O diarista era aquele homem alugado por um rico para trabalhar, e ganhava em média um denário por dia, com refeição. Os diaristas eram mais numerosos que os escravos em Jerusalém. O comércio de escravos era bastante antigo na Palestina. Não eram muito numerosos. Também era permitido (Êxodo 22.3) vender como escravo o judeu ladrão que não estivesse em condições de fazer a restituição devida. Os escravos serviam, geralmente, como domésticos nas cidades (JEREMIAS, 1983, p. 156-159).

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“fazia tendas” (Atos 18.3) enquanto estava em atividade missionária. “Podemos, portanto, de um modo geral, colocar os rabinos entre as camadas pobres da população.” (JEREMIAS, 1983, p. 159-162, 166).

Dentre os escribas referidos nos Evangelhos, existiam os “escribas parasitas” e os “fariseus”, exploradores da hospitalidade de pessoas de poucos recursos. Estes na verdade eram homens maus, ávidos por lucros, que amam o dinheiro, avarentos (Lucas 16.14), exploradores de viúvas. “Essa sede de lucro fazia-os ambicionar as vantagens dessa terra e não as da outra vida” (JEREMIAS, 1983, p. 162, 163).

Mesmo que não se utilize como critério a imagem mais crassa desses absolutamente pobres, havia no grupo da gente humilde muitas pessoas que atingiam, estando permanentemente ameaçadas de cair na pobreza absoluta. Incluíam-se entre elas pequenos agricultores ou pequenos arrendatários ou assalariados e diaristas no campo que talvez tivesses moradia, mas não comida suficiente, pequenos artífices e comerciantes, professores do fundamental, diaristas e artífices intinerantes nas cidades que não conseguiam alimentar suficiente a si nem a sua família (STEGEMANN, 2004, p. 115).

Podemos também citar os mendigos de Jerusalém, geralmente formados por coxos, aleijados, leprosos, enfermos, cegos e paralíticos – “pessoas sem eira nem beira, escória do povo”. A mendicância se concentrava, principalmente, nos lugares santos, muito embora não tinham acesso a todos os lugares no Templo. J. Jeremias percebe a situação da cidade em relação aos seus mendigos:

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A preferência pelos pobres nos Evangelhos, e principalmente em Lucas, não é uma questão de “dar aos pobres uma porção mais justa dos recursos econômicos ou do poder político. É mais exatamente uma inversão de valores!”. O Magnificat faz a inversão de derrubar os poderosos e elevar os humildes, a acolhida dos famintos e a rejeição dos ricos (Lc 1.52-53). Felizes são os pobres de espírito, porque terão o reino de Deus, os que têm fome que se fartarão, os que choram porque irão rir (Lc 6.20, 21). E ainda Keeling (2002, p. 80) acrescenta:

As primeiras 1 e 2 Tessalonissenses, preferem dar ênfase à necessidade de se manter a boa reputação dos cristãos na sociedade. Daí a recomendação: procurem viver em paz, tratem dos seus próprios negócios e vivam do seu próprio trabalho (1Tss 4.11). Acentua-se várias vezes os perigos da ociosidade (1Tss 5.14; 2Tss 3.7-12). Paulo que trabalhava com as mãos como construtor de barracas (At 18.3), lembra às comunidades de Corinto e de Tessalônica que, quando em missão junto a elas, ele não lhes pesava financeiramente (2Co 12.13-15; 1Tss 2.9).

2.5 A BENEFICÊNCIA

A vida e a situação econômica de Jerusalém se dava por vários motivos, tais como, a carência de água, cidade montanhosa, carente de matéria-prima para exercer as profissões, localização desfavorável para o comércio, etc. Principalmente em períodos de guerra, inverno ou fome. Tudo isso resultava num alto custo de vida.

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beneficia o estrato superior. O estrato inferior apenas consegue, em grande parte, garantir a subsistência. As dívidas do estrato inferior tornam-se um fator importante (STEGEMANN, 2004, p. 24).

A esmola (ter compaixão do próximo) é um sinal que permite reconhecer o importante papel da piedade judaica. Na maioria das vezes os peregrinos piedosos exerciam sua piedade na cidade de Jerusalém, pois acreditavam ter, com isso, maiores méritos. A pregação de Jesus estimula, e consideravelmente, à prática da caridade (Lc 12.33; 14.33). “O sal da riqueza é a prática da caridade.” Na questão do jovem rico, a idéia de Jesus ali era “a utilização das riquezas com o fito de dar esmolas faz parte do cumprimento dos mandamentos”. No entanto, já no 1º século se “proibia dispor de mais de um quinto da fortuna particular para fins beneficentes” (JEREMIAS, 1983, p. 179, 180).

Entre a beneficência privada e pública estava a “beneficência das comunidades religiosas”. Entre os essênios havia uma pessoa encarregada de prover roupas e outros objetos necessários aos irmãos em trânsito. Na igreja Primitiva vimos “uma comunidade de bens, voluntária, que se estendia às propriedades prediais e tornava o benefício possível”. Para tal benefício aos pobres havia uma certa organização, como cita J. Jeremias (1983, p. 184):

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Com o passar do tempo essas comunidades aumentaram sua ação caritativa, expandindo-se para comunidades do exterior. Como foi da coleta feita por Paulo para Jerusalém, no período da grande fome ocorrida nos tempos de Cláudio César (47-49 d.C.).

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3 A ECONOMIA NO TEMPO DE JOÃO CALVINO

O mundo antigo havia se formado por civilizações em torno do Mar Mediterrâneo. Os reinos bárbaros fundados no século 5º conservou, em sua essência, o caráter mediterrâneo. Por fim, o Império Romano abarcou todo o Mar transformando em províncias imperiais da Bretanha ao Eufrates. “A partir do início do século 8º, o comércio europeu está condenado a desaparecer nesse extenso quadrilátero.” Dois povos, duas civilizações, dois mundos que outrora se comunicavam, dividiam suas necessidades e ideais, agora, se defrontam. “O equilíbrio econômico da Antigüidade, que sobrevivera às inovações germânicas, rompe-se ante a invasão do Islã”, movendo-se para Bagdá. Do século 9º ao século 11 o Ocidente permaneceu “bloqueado”. Alguns peregrinos, com extrema dificuldade, ainda conseguiam chegar a Jerusalém.

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3.1 UMA SOCIEDADE AGRÍCOLA

A partir do século 8º a Europa Ocidental regredira ao estado de região agrícola. Com a invasão islã dos portos, as atividades municipais enfraqueceram-se rapidamente, desaparecendo assim a vida urbana. “É a terra a única fonte de subsistência e a única condição da riqueza.” No decorrer do século 9º aparece o feudalismo (e consecutivamente o latifúndio), “nada mais é do que a repercussão, na ordem política, do retorno da sociedade a uma civilização puramente rural” (PIRENNE, 1982, p. 13, 45).

A maioria da população estava no campo. Nas cidades continham uma minoria da população. A burguesia era ainda menor, entretanto, é surpreendente a sua influência em todas as épocas. “A população urbana, desde o século 12 até o século 15, nunca foi muito superior à décima parte do total dos habitantes.” Também do ponto de vista demográfico, a Idade Média era uma sociedade essencialmente agrícola (PIRENNE, 1982, p. 63, 64).

A troca nunca deixou de existir nas relações sociais. A moeda não substitui a troca, como instrumento normal de câmbio. Entretanto, sempre houve intercâmbio monetário. Não resta dúvida que sempre houve, na Idade Média, intercâmbios comercial e monetário. “Mas sabe-se quão insignificante foi o comércio daqueles tempos. A escassez da circulação de mercadorias correspondia a da circulação monetária.” (PIRENNE, 1982, p. 108).

Max Weber em História Geral da Economia (1968, p. 12), divide a troca em duas categorias: a troca ocasional e a troca no mercado:

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3.2 A INFLUÊNCIA E O IDEAL DA IGREJA

A Igreja, nesta época, tinha preponderância, autoridade e ascendência moral. Entretanto, com o passar do tempo, essa preponderância não é apenas moral; mas, também, o lugar mais importante da alta administração, do poder financeiro, cultural e artístico pertence à Igreja.

Nesse mundo rigorosamente hierárquico, o primeiro lugar, e o mais importante, pertence à Igreja. Essa possui, ao mesmo tempo, ascendência econômica e ascendência moral. Seus inumeráveis domínios são tão superiores aos da nobreza, por sua extensão, como, ela mesma, é superior à nobreza por sua instrução. Além disso, só ela pode dispor, graças às oferendas dos fiéis e às esmolas dos peregrinos, de uma fortuna monetária que lhe permite, em tempo de penúria, emprestar seu dinheiro aos leigos necessitados. Enfim, em uma sociedade que tornou a cair em geral ignorância, só ela possui ainda estes dois instrumentos indispensáveis a toda cultura: a leitura e a escrita. Deste modo, reis e príncipes são forçados a recrutar, no clero, seus chanceleres, secretários e “notários”, em suma, todo o pessoal douto de que lhes é impossível prescindir (PIRENNE, 1982, p. 18).

O monasticismo erudito – extremamente litúrgico – “era parte integrante do tecido social, econômico e político, assim como religioso e intelectual, daquela época” (LE GOFF, 2002, v. 2, p. 225). Entretanto, a Igreja da Idade Média elege como seu ideal econômico: a opção pela pobreza.

Seu conceito de mundo adaptou-se admiravelmente às condições econômicas desta época, em que o único fundamento da ordem social era a terra. Esta foi, com efeito, dada por Deus aos homens para que pudessem viver neste mundo pensando na salvação eterna. A finalidade do trabalho não é enriquecer, mas conservar-se na condição em que cada um nasceu, até que, desta vida mortal, passe à vida eterna. A renúncia do monge é o ideal a que toda sociedade deve aspirar. Procurar riqueza é cair no pecado da avareza. A pobreza é de origem divina e de ordem providencial. (PIRENNE, 1982, p. 19).

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A preponderância econômica se manifestava tanto através da riqueza agrária quanto da monetária: possuía a Igreja inúmeros domínios, superiores em extensão aos da aristocracia laica, como também em organização, pois só ela tinha homens habilitados para estabelecer políticos, ter registros de contas, calcular entradas e saídas e, por conseqüência, poder equilibrá-las (JANOTTI, 1992, p. 31).

O Ocidente vivia em plena efervescência. A Europa sofrera grandes devastações por suas inúmeras guerras e movimentos revolucionários e religiosos, como a Guerra dos Cem anos, Guerra da Borgonha e guerras da Itália. Com a descoberta do Novo Mundo, as grandes quantidades de ouro trazidas de lá virão a fomentar e ampliar as indústrias e o comércio europeu. Neste ambiente de ebulição interior nasce um “capitalismo não controlado que se desenvolvia rapidamente” desencadeando profundas transformações econômicas e sociais irreversíveis.

A Igreja era tremendamente rica. Calcula-se que possuía entre um terço e metade de toda a terra – e, não obstante, recusava-se a pagar impostos ao governo nacional. Os reis necessitavam de dinheiro, parecia-lhes que a fortuna da Igreja, já tão enorme e aumentando sempre, devia ser taxada para ajudar a pagar as despesas administrativas do Estado (HUBERMAN, 1986, p. 78).

Seguido desse “desenvolvimento econômico”, gerava-se um aumento do custo de vida, depreciação de mão de obra, acumulação de fortunas na mão de poucos, o luxo, a avareza, a proliferação das massas miseráveis, etc. “A ação convergente dessas turbulências externas, de um lado, que abalavam as antigas estruturas medievais da sociedade, e a

renovação interior da fé pelo contato com o Evangelho redescoberto, de outro, conduzia a

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3.3 OS MERCADORES-BANQUEIROS E OS INTELECTUAIS

Na Idade Média surge uma nova categoria social: o mercador-banqueiro. Os dois ofícios são então indissociáveis. Até o século 11, o comércio significava apenas algumas trocas feitas por monges, judeus e sírios. Era modesto e pouco especializado. “Ora, eis que aparece, no século 12, o mercador, cuja atividade apresenta rapidamente uma outra face: o banco” (LE GOFF, 2005b, p. 96).

O mercador-banqueiro luta com a consciência. “A Igreja medieval, marcada pelo ascetismo dos monges, e que leu nas Escrituras a condenação do empréstimo a juros,

ensinava a desprezar o dinheiro.” Esses mercadores, num interesse profissional e humano da vida social praticam uma atividade arriscada, com sucessos frágeis, querendo justificar esse dinheiro (LE GOFF, 2005b, p. 97).

Os clérigos se esforçam para legitimar esse novo tipo de usurários – que pouco a pouco vão se tornando: mercadores-banqueiros (LE GOFF, 2005b, p. 103).

A partir dos séculos 11 e 12 desenvolve-se uma legitimação do dinheiro. Há uma consciência do perigo que o dinheiro representa, há uma consciência do obstáculo em que ele se constitui no caminho da salvação, mas não se deixa de reconhecer cada vez mais sua legitimidade embutida numa verdadeira “economia” moral. [...] Ao longo do século 12, entretanto, o comércio cresce. As riquezas circulam. As operações de câmbio se multiplicam. A própria natureza do câmbio se modifica. A usura cada vez menos é um negócio só dos judeus. De maneira empírica, os homens dos séculos 12 e 13 logo percebem que é possível fazer uma distinção entre juro e usura. Os judeus se especializam progressivamente no empréstimo para consumo, que se faz de maneira sempre muito local, de vizinho para vizinho. Economicamente essa usura não pesa muito. Ela é clara, infamante, mas marginal (LE GOFF, 2005b, p. 101, 102).

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Digamos, simplificando, que se chegou a uma idéia muito importante para o futuro do Ocidente: o homem de dinheiro sabe que figura na primeira fila entre os futuros danados; entretanto, um arrependimento permanente e a prática das obras de misericórdia autorizam a esperança de um perdão. O rico investe assim – através da inquietude e da caridade – seu capital póstumo no Purgatório, essa grande invenção medieval, esse lugar onde as almas pecadoras purgam dolorosamente à espera do Paraíso, evitando assim o Inferno. Estabelece-se dessa maneira a idéia de uma riqueza tolerável (LE GOFF, 2005b, p. 116).

Igrejas monásticas, as velhas escolas catedráticas e dos monges nas áreas mais longínqüas, juntamente com os mosteiros urbanos, tentam satisfazer as necessidades intelectuais nascentes, dando origem a um certo crescimento urbano. “A novidade urbana é, sem dúvida, ruidosa na ordem escolar e intelectual.” (LE GOFF, 2002, v. 2, p. 229).

Le Goff ainda nos dá sua definição de Idade Média através de, basicamente, duas categorias sociais: os, já citados, mercadores-banqueiros e os intelectuais. Conclui que

Através dos mercadores-banqueiros e dos intelectuais, creio ter situado o quadro essencial de minha reflexão sobre a Idade Média. O aparecimento dessas duas novas categorias sociais “marca” a civilização medieval. Sua herança permanece produtora: estruturas econômicas, institucionais, mentais e religiosas. A Idade Média chega então ao equilíbrio entre a razão e a fé, entre as formas de razão e as formas de fé. Assim se concretiza o que podemos chamar o Ocidente. Esse equilíbrio permanece, hoje, a verdadeira conquista. Os grandes espíritos da Idade Média dominam nosso pensamento, ainda que as ciências modernas tenham suscitado uma verdadeira revolução (LE GOFF, 2005b, p. 119).

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Na Idade Média os comerciantes não eram vistos com bons olhos. Eram acusados de promover o luxo, aumentar o custo de vida e provocar a má distribuição da riqueza. “Sabe-se que a Reforma instituiu desde logo em Genebra certo controle de preços para gêneros de primeira necessidade, como vinho, pão e carne. Esse controle, exercido pelo Estado, e que velava também pela eqüitativa distribuição dos bens comuns e combatia a sonegação, a especulação e o monopólio, está em perfeita harmonia como o pensamento de Calvino”, diz Biéler (BIÉLER, 1970, p. 61).

3.4 AS CIDADES

Le Goff (2002, v.1, p. 223) decrevendo sobre a cidade medieval em seu Dicionário Temático do Ocidente Medieval nos elucida, de forma sucinta, que:

A cidade medieval é, antes de mais nada, uma sociedade da abundância, concentrada num pequeno espaço em meio a vastas regiões pouco povoadas. Em seguida, é um lugar de produção e de trocas, onde se articulam o artesanato e o comércio, sustentados por uma economia monetária. É também o centro de sistema de valores particular, do qual emerge a prática laboriosa e criativa do trabalho, o gosto pelo negócio e pelo dinheiro, a inclinação pelo luxo, o senso da beleza.

A população das cidades na Idade Média sobe continuamente até princípios do século 15. Há um aumento considerável na demografia urbana, principalmente nos centros de vida burguesa.

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Friburgo, na Suíça, em 1444, 5.200; Estrasburgo, por volta de 1475, 26.198; Louvain e Bruxelas, em meados do século 15, cerca de 25.000 e 40.000, respectivamente. [...] Em suma, é muito provável que a média da população das aglomerações urbanas mais importantes raras vezes chegava, no começo do século 14, ao máximo de 50.000 a 100.000 almas e uma cidade de 20.000 poderia passar por considerável, uma vez que, na grande maioria dos casos, o número dos habitantes oscilava entre 5.000 e 10.000 (PIRENNE, 1982, p. 172, 173).

Com o amento da população, aperfeiçoamento da circulação monetária, o crédito assume as formas mais variadas e floresce. Sob a influência dessa nova vida há “um sinal irrecusável de saúde e vigor sociais”. Entretanto, há uma certa estabilização do movimento econômico. “Pode-se considerar o princípio do século 14 como o fim do período de expansão da economia medieval.” Guerras e agitações sociais de operários conturbam a situação. Como se não bastasse, a terrível fome que dizimou a Europa de 1315 a 1317 causou ainda maiores danos. Mas dentre estas catástrofes a pior foi a peste negra.

Do começo de maio até meados de outubro de 1316, sabemos que o magistrado comunal mandou enterrar 2.794 cadáveres. [...] Trinta anos mais tarde, um novo desastre, ainda mais espantoso, a peste negra, assolou o mundo, que apenas estava se refazendo do primeiro choque. De todas as epidemias que a História menciona, esta foi, indiscutivelmente, a mais atroz. Calcula-se que, de 1347 a 1350, desaparecera uma terça parte da população européia; veio depois um longo tempo de carestia (PIRENNE, 1982, p. 194).

3.5 OS JUDEUS

Le Goff define bem a situação dos judeus no tempo das Cruzadas:

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Jacques Attali em Os judeus, o dinheiro e o mundo conta a trajetória dos judeus, por onde peregrinavam, e o seu importante papel na Economia e no Social dos povos anfitriões. Por mais modestas que eram suas comunidades, elas eram organizadas com implantações de sinagogas, escolas e banho ritual. “Também criam instituições para cuidar dos sepultamentos, abrigar os anciãos sem família, remunerar os professores e pagar os dotes, os enxovais, os

alimentos e as roupas dos pobres pertencentes à comunidade ou que estão de passagem.” (ATTALI, 2003, p. 128).

Acreditavam que deveriam “amar a Deus com todas as suas riquezas”; pois “a riqueza é bem-vinda”. Muito embora, enfatizam que esta riqueza tem um fim: a ação social.

Deus, autor de todos os bens, deu a terra aos homens para que eles a tornem produtiva e façam dela seu patrimônio comum. Particularmente, o dinheiro – máquina para transformar o sagrado em profano, liberar os constrangimentos, canalizar a violência, organizar a solidariedade, enfrentar as exigências dos não-judeus – constitui um excelente meio de servir a Deus. O dinheiro é um fluído necessário à vida das redes. Assim, à semelhança dos textos anteriores, o Talmude não condena os ricos nem glorifica os pobres. Mas a riqueza não é uma recompensa: é um encargo. O rico não tem de desculpar-se por sê-lo; deve somente assumir mais responsabilidades na gestão do mundo; nenhum rico tem o direito de furtar-se a essa missão. Ficar rico, portanto, não é sinal de um favor divino, mas de um dever divino, e o rico adquire apenas o privilégio de poder tornar-se útil, de poder ajudar os outros (ATTALI, 2003, p. 131, 132).

E ainda:

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Até fins do século 15 a liderança de grandes engenhos de açúcar em países conquistados no Novo Mundo (sobretudo no litoral nordestino brasileiro, logo depois) esteve a cargo dos “cristãos-novos”, os judeus convertidos à força. Exerceram contribuições fundamentais na economia, quando entraram no sistema financeiro. No século 16, judeus já faziam grandes fortunas e situavam-se entre os principais banqueiros europeus. Nesta altura, o açúcar torna um grande negócio para as terras recém-descobertas.

Antonio Paim em Momentos Decisivos na História do Brasil aborda o tema sobre a opção pela pobreza adotada pelo Brasil. Aderindo alguns valores como aversão ao lucro, simpatia pela pobreza e estímulo à preguiça (e que parece permanecer infiltrada, até hoje, na cultura brasileira). Expulsando os judeus e seus engenhos de açúcar, justificados por valores da Contra-reforma, foram responsáveis pelo empobrecimento do Brasil. Opinaram pela pobreza.

Os financistas judeus, originários de Portugual e radicados nos Países Baixos, organizam a produção de açúcar no litoral brasileiro valendo-se dos parentes deixados em Portugual, todos reduzidos a uma condição de cristãos-novos. No século 16, a perseguição aos judeus na Península Ibérica teve altos e baixos, com longos períodos de trégua. O instrumento daquela perseguição acabou sendo o Tribunal do Santo Ofício, isto é, a Inquisição. Mas esta foi revigorada para contrapor-se à Reforma Protestante, e não deixa de ser contraditório que se voltasse contra os cristãos-novos, que não eram propriamente heréticos, mas judeus obrigados a converter-se. [...] A ação da Contra-Reforma se completa com a pregação dos chamados moralistas do século 18, que se incubem de difundir no seio da elite e mais rigorosa condenação da riqueza. E assim se completa a nossa opção pela pobreza, que irá consistir numa das mais sólidas tradições da cultura brasileira (PAIM, 2000, p. 49-51).

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O progresso comercial se divide em três fases sucessivas, a primeira é pelo intercâmbio em espécie, a segunda pela moeda e a terceira pelo crédito. A Igreja foi a indispensável emprestadora daquela época. Possuía um capital mobiliário que a transformava em uma grande potência financeira.

Mas a moeda, na Idade Média, queria dizer poder tanto quanto troca, por não menos insidiosos e complexos. Ela propaga as efígies e os emblemas da autoridade imperial, fazendo-os viajar pelos reinos onde se exerce o poder de Deus. Ela exprime a ordem teocrática, de forma direta, a onipresente cruz, ou indireta, por exemplo, a pax meridional no século 12. Ela faz erguer terríveis edifícios após os carolíngios, quando o termo moneta veio significar igualmente o lugar de cunhagem; se esta atividade permite enriquecer-se, ela inspira também o medo. De fato, os senhores dos cavaleiros e dos castelos abandonaram a função utilitária da moeda para promover a função fiscal. É por isso que a troca de moeda metálica, em quantidades sempre maiores, solapa as estruturas patrimoniais do sistema feudal e favorece um retorno à ordem pública. Com o dinheiro, o poder está nas mãos dos ricos. Com a moeda, o poder pertence a uma autoridade transcendente – disfarçada ou pervertida, talvez, mas impossível de ser abolida numa dinâmica de troca em pleno desenvolvimento. A história medieval oferece assim a ilustração perfeita da teoria aristotélica da moeda (LE GOFF, 2002, v. 2, p. 223).

Durante a Idade Média a Igreja afastou-se do ensino das Escrituras. Sobre a questão do dinheiro não foi diferente. Durante todo o período a questão foi discutida por ambos os lados. Dentre os principais defensores temos: São Clemente de Alexandria, Santo Ambrósio de Milão, São Basílio, São João Crisóstomo, Hermas, Tomás de Aquino, dentre outros (KELLING, 2002, p. 102-105). Le Goff (2005a, p. 289, 290) em A Civilização do Ocidente Medieval, comentando sobre o descontentamento dos paroquianos medievais diz que

Era em princípio para custear as necessidades dos pobres que a Igreja impunha o dízimo sobre os membros desta outra comunidade, a paróquia. Mas seguidamente o dízimo não acabava indo engordar o clero, pelo menos o alto clero? Verdade ou mentira era o que a maior parte dos paroquianos pensava, e o dízimo era uma das prestações mais odiadas pelo povo medieval.

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Em retribuição a todos os serviços que prestavam, os monges beneficiavam da generosidade dos leigos. Homens querendo assegurar sua salvação doavam importantes superfícies de terra às comunidades monásticas. A constituição de patrimônios monásticos consideráveis é atestada pelos importantes cartulários que conservam vestígios disso, pela riqueza, prestígio e poder político paralelo ao papel do proprietário fundiário desempenhado pelo abade, pelas dimensões e esplendor das igrejas abaciais (LE GOFF, 2002, v. 2, p. 233).

A crise econômica aflora as tensões sociais entre ricos e pobres (os gordos e os magros, como eram conhecidos). Os conflitos proliferam e as corporações fecham-se. Os marginais multiplicam-se: “desempregados de longo tempo, vagabundos, sem-tetos, delinqüentes, e prostitutas, entre os quais a fronteira é flutuante.” Os judeus, por estarem excluídos do trabalho da terra, dedicam-se à usura e outras profissões – mais e mais urbanizados (LE GOFF, 2002, v. 1, p. 233). Alister McGrath (2004, p. 255) comenta que

Diversas cidades no início do século 16 assistiram a graves divisões internas, que surgiram das tensões entre o patriciado dominante, cuja posição social se baseava em um entrosamento de fatores como tradição, inércia, riqueza herdada e estruturas políticas que favoreciam o status quo e as emergentes classes mercantil e artesã, que sentiam que era chegada a sua hora.

A partir do início do século 14, no contexto da crise, e “em razão da crescente mobilidade regional”, vemos aparecer também as guildas de miséria, que são missões de socorro a estrangeiros, sistema de socorro mútuo, oferecendo assistência social (LE GOFF, 2002, v.1, p. 490, 497). No final da Idade Média, sacerdotes tornam-se sensíveis às conseqüências sociais e o crescimento do proletariado urbano e rural (WALLACE, 2003, p. 77). Suas tensões políticas, econômicas e sociais seriam grandes problemas a serem enfrentados pelos reformadores.

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fato de que a recuperação econômica da Europa criou novos centros de poder financeiro, novas condições para possíveis atritos e novas oportunidades para ressentimentos fiscais. Essas novas situações estavam mexendo o caldeirão das alianças européias tradicionais, tanto na Igreja como no Estado, bem antes de ser acrescentado ao caldo o poderoso ingrediente da teologia protestante (NOLL, 2000, p. 188, 189).

3.7 GENEBRA

Até 1536 Genebra foi uma república que estava inserida entre os limites dos cantões suíços. Cidade suíça de fala francesa, ao sul do lago Leman; dividida em duas partes pelo rio Rhône. Havia uma acirrada luta pelo poder entre o bispo católico Jean e o Duque de Savóia. Com a morte do bispo, o duque Charles tomou para si a autoridade; produzindo uma guerra entre os moradores da cidade e as forças do duque. Em 8 de fevereiro de 1520 o concílio de Berna recebeu a cidade de Genebra como sua confederada. Apenas quando o forte exército de 6.000 homens de Berna se movimentou em direção a Genebra, forçando as tropas do duque a recuarem para a França é que Genebra ficou, finalmente, livre.

Na contracorrente das tendências gerais da Europa, Genebra conhecera, nos séculos 14 e 15, um dos mais regulares e fortes crescimentos de sua história, comparável ao progresso urbano do século 19. entre 1360 e 1460, a população quintuplicou-se, passando de 2 mil para 10 mil habitantes. Essa época foi caracterizada pelo sucesso de suas feiras, o triunfo da conjuntura e por essa explosão da cidade que, por uns tempos, veio a torná-la uma das principais praças financeiras e comerciais da Europa. [...] Com a adoção pela Reforma em 1536, portanto, a antiga metrópole econômica virou cidade de refúgio. O feito demográfico foi extraordinariamente brutal: a cidade, que jamais abrigara mais de 10 mil a 12 mil habitantes, acolheu naqueles anos mais de 10 mil refugiados (SILVESTRE, 2002, p. 37-39).

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eram no total de quatro: o Concílio de “4 Síndicos”, que exercia a função executiva; o “Concílio Menor” que incorporava os 4 Síndicos e mais 21 outros membros; o “Concílio dos 200”, com 200 cidadãos eleitos; e o “Concilio Geral”, composto por todos os homens nascidos em Genebra.

Comerciantes protestantes de Nürenberg e soldados de Berna com seus capelães, gradualmente trouxeram o protestantismo para Genebra. Pregadores como Antoine Froment e Guilherme Farel foram de extrema importância para a “conversão” de Genebra. Em 1534 o Concílio Menor decidiu pelo desmantelamento do episcopado. E em 21 de maio de 1536 o concílio geral, por unanimidade, decidiu: “viver de acordo com o Evangelho”.

Com a condenação de “Mamom” – o dinheiro enganador –, a igreja comportava-se de modo instável,” ela, de certa forma, deixava esses mercadores agirem livremente. Enfim, o problema da usura é que permitiu tamanha reflexão. Até que ponto é legítimo, quando acontece a usura, propriamente dita, quando se torna especulação, quando se torna pecado? “Essas interrogações remetem à questão de duração: os mercadores vendem tempo, mas o tempo só pertence a Deus.” Tais questões perturbaram a igreja, e a vida intelectual da Idade Média (LE GOFF, 2005b, p. 98).

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3.8 A REFORMA

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4 A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO DE JOÃO CALVINO

Em 10 de julho de 1509, numa pequena província francesa da Picardia a 100 km de

Paris chamada Noyon, nasce Jean Calvin ou João Calvino. Sua mãe, Jeanne Lefranc, piedosa e de família abastada, morreu quando Calvino tinha uns 5 ou 6 anos de idade. “Sendo possivelmente o segundo filho de uma família de cinco irmãos.” Seu pai, Gérard Cauvin, de origem humilde, era procurador fiscal do município e secretário apostólico do bispo local, Charles de Hangest. Homem visionário que usou de seus recursos e influência para educar bem os filhos. Em contato com a nobreza – como a aristocrática família Montmor – Calvino recebe refinados modos que o possibilitaria, no futuro, transitar em meios sociais com polidez (COSTA, 2006, p. 12). Educado na Universidade de Paris, dominado pela escolástica, ele transferiu-se para a Universidade de Orleans, de tendências humanistas, onde estudou Direito civil. Por volta dos 25 anos aderiu aos movimentos de Reforma. “Um intelectual que se dedicava à área da religião.”

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4.1 A SUA FORMAÇÃO

Em maio de 1521, Calvino recebeu um benefício eclesiástico na catedral, que lhe ajudaria a custear seus estudos. Aos 12 anos de idade foi para Paris estudar. Calvino solenemente assinou os juramentos da capelania. Foi nomeado para uma das capelas de La Gesine, “recebendo anualmente, três medidas de milho de uma cidade e, da outra, a colheita de 20 trigais”. “O novo capelão, com os seus trigais e a sua cabeça rapada, era agora um noviço.” (HALSEMA, 1968, p. 13).

Posteriormente, acompanhado de alguns amigos, filhos de nobres de sua terra natal, foi para Paris, onde recebeu seu treinamento para o sacerdócio, estudando alguns meses no Collège de la Marche, em 1523, tendo como mestre o grande humanista Maturinus Corderius. Depois, foi para uma escola menos requintada em seus costumes e mais dura em sua disciplina, de orientação escolástica: Collège de Montaigu – por onde também passaram Erasmo de Roterdã e Rabelais –, em 1524, estudando sob a direção de um mestre espanhol grandemente competente, Antonio Coronel, com quem Calvino fez muitos progressos, destacando-se entre os seus colegas no estudo de gramática. Neste período, Calvino foi também, ao que parece, bastante influenciado por outro de seus professores, que havia retornado a Montaigu em 1525, o escocês John Major (ou Mair). Major ‘tinha ligações com a Irmandade da Vida em Comum’ e foi quem instruiu Calvino na filosofia e na lógica medieval, bem como na teologia bíblica e patrística (COSTA, 2006, p. 13, 14).

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Para Calvino, o estudo de direito teve duas influências importantes em seu trabalho futuro: primeira, providenciou uma base completa nos assuntos práticos que seria de enorme benefício em seus esforços para dar uma nova forma às instituições de Genebra; segunda, abriu seus olhos para o mundo da Antigüidade clássica e para o estudo de textos antigos. Enquanto estava em Bourges, ele também se dedicou ao estudo de grego, sendo tutelado por Melchior Wolmar, um erudito da Alemanha. Quando seu pai morreu, em 1531, Calvino sentiu-se livre para deixar o estudo de Direito por sua verdadeira paixão, a literatura clássica. Ele mudou-se de volta para Paris e, em 1532, publicou seu primeiro livro, uma edição do tratado de Sêneca intitulado Sobre a Clemência, complementada com um aparato textual e um longo comentário. Era uma obra-prima de erudição (GEORGE, 1994, p. 171).

Em 1º de novembro de 1533, Dia de Todos os Santos, o jovem e recém nomeado reitor da Universidade de Paris, Nicolás Cop, filho do médico do rei, proferiu um discurso de abertura dos cursos na igreja dos Maturinos. Com o tema o Sermão da Montanha, Cop desprezou os “sofistas que reduziam a teologia a exercícios escolásticos”; “tinha proclamado Cristo como único mediador”, dentre outras idéias que propunha uma reforma na igreja. Dois franciscanos ouvintes o denunciaram ao tenente Morin. Como Cop era amigo íntimo de Calvino (que lhe ajudou a preparar o discurso), ambos foram expulsos (DANIEL-ROPS, 1996, p. 370, 371). Em 4 de maio de 1534, Calvino volta a Noyon, onde renuncia seus benefícios eclesiásticos. As perseguições se intensificam e iniciam novas peregrinações: Paris, Angoulême, Poitiers, Itália, Estraburgo e Basiléia. Período de lutas, inquietações e dúvidas.

4.2 A SUA CONVERSÃO

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escreveu um prefácio em 1535 sob o título: “A todos os que amam Jesus Cristo e o seu Evangelho”. Foi sua primeira obra e evidência como protestante.

Em 1557, na introdução de seu comentário de Salmos, Calvino, que não costumava falar de si próprio, diz que

Deus, pela sua secreta orientação de sua providência, finalmente deu uma direção diferente ao meu curso. Inicialmente, visto eu me achar tão obstinadamente, devotado às superstições do papado, para que pudesse desvencilhar-me com facilidade de tão profundo abismo de lama, Deus, por um súbito de conversão, subjugou e trouxe minha mente a uma disposição suscetível, a qual era mais empedernida em tais matérias do que se poderia esperar de mim naquele primeiro período de minha vida. Tendo assim recebido alguma experiência e conhecimento da verdadeira piedade, imediatamente me senti inflamado de um desejo tão intenso de progredir nesse novo caminho que, embora não tivesse abandonado totalmente os outros estudos, me ocupei deles com menor ardor (CALVINO, 1999, v. 1, p. 38; COSTA, 2006, p. 16).

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Em junho de 1536, aproveitando uma trégua na perseguição aos “hereges”, volta de Paris a Estrasburgo, na companhia de seu irmão Antonio e sua meio-irmã Maria, com a intenção de instalar-se ali em uma vida de tranqüilidade e estudos.

A caminho da Basiléia, precisaram desviar seu itinerário, de Estrasburgo para o sul, principalmente em razão de estarem ocorrendo naquela região as lutas entre as tropas do rei Francisco I, da França, e as do Imperador Carlos V. Mas o desvio acabou sendo longo demais e – pode até parecer que isso ocorreu de modo fortuito –, Calvino acabou passando por Genebra, onde teve então o seu famoso encontro com Farel. Esse líder protestante, que começara a Reforma em Genebra, agora estava determinado a não deixar Calvino escapar de suas mãos, pois cria ser este o homem capaz de realizar a obra para a qual ele próprio não possuía envergadura suficiente: reconstruir Genebra (SILVESTRE, 2002, p. 91).

Dois meses antes desse episódio, sob a liderança de Guilherme Farel e Pierre Viret, a cidade, por unanimidade pelo Conselho Geral, abraça a Reforma. Farel ao saber da pernoite de Calvino foi até ao hotel onde ele estava e implorou para que o ajudasse a consolidar a Reforma em Genebra. Calvino não sentiu-se apto para tal tarefa. E rejeitou. Acreditava que poderia fazer mais pela Igreja com seus estudos e escritos. Então Farel trovejou a ira de Deus sobre ele –, que Deus amaldiçoaria seu lazer e seus estudos se não o ajudasse em tão emergente tarefa. Ele aceitou.

A partir daquele momento a história de Calvino e a de Genebra estariam para sempre interligadas. Como diria MacGrath: “falar de Calvino é falar de Genebra. Calvino iria influenciar e ser influenciado por Genebra” (MACGRATH, 2004, p. 99).

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talvez, os três anos mais felizes de sua vida, e também os mais decisivos de sua formação como teólogo e reformador.

Atuou como pastor, professor e conselheiro diplomático eclesiástico. Rapidamente produziu uma série de obras teológicas. Expandiu e revisou suas Institutas (publicada em 1539) e sua primeira tradução francesa (1541). Também escreveu o Comentário de Romanos, e mais três escritos brilhantes (como a Carta a Sadoleto, um livro de liturgia e um tratado sobre a Santa Ceia). Enfim, casou-se. Em uma cerimônia feita pelo amigo Farel, contraiu núpcias com Idelette de Bure, uma de suas paroquianas.

Durante estes três anos, a situação política e religiosa de Genebra desmantelou-se. Em setembro de 1541, a cidade pediu ao jovem João Calvino que retornasse à cidade para restaurar a ordem e a segurança. Persuadido por Martin Bucer, o grande líder da Reforma de Estrasburgo, Calvino retorna a Genebra no dia 13 de setembro de 1541 e é nomeado pastor da antiga Catedral de Saint Pierre. Atuou como pastor, mestre, escritor, administrador, etc. Faleceu em 27 de maio de 1564 nos deixando um grande legado.

O restante da carreira de Calvino como reformador foi simbolizado pelos dois primeiros atos oficiais que empreendeu após o seu retorno. No domingo seguinte ele voltou ao seu púlpito e simplesmente prosseguiu a exposição das Escrituras no ponto em que havia interrompido três anos antes. Além disso, ele representou ao conselho da cidade um plano detalhado para a ordem e o governo da Igreja. As suas Ordenanças Eclesiásticas requeriam a instalação dos quatro ofícios de pastores, doutores, presbíteros e diáconos, os quais correspondiam às áreas de doutrina, educação, disciplina, e ação social. O conselho aprovou o plano de Calvino, mas este passaria o restante da sua carreira tentando, nunca com êxito, obter o seu cumprimento (MATOS, 1997, p. 14).

E ainda:

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dos movimentos intelectuais mais poderosos e significativos da história da humanidade (MACGRATH, 2005, p. 104).

4.3 O HUMANISMO DE CALVINO

A Idade Média preocupou-se com a teologia, o estudo de Deus; A Renascença com o humanismo, o estudo do homem. Calvino, porém, preocupou-se com o humanismo teológico. Este humanismo engloba o estudo do homem e da sociedade através do conhecimento do homem pelo homem e do homem por Deus, ao mesmo tempo.

O humanismo de Calvino, no entanto, não deve ser confundido com o humanismo secular, que coloca o homem como centro de todas as coisas. Calvino rejeitava esse tipo de humanismo. Na sua obra magna, A Instituta da Religião Cristã, ele expressa a sua concepção humanista, que consiste em reconhecer a grandeza do homem como criatura de Deus, a quem deve adorar e glorificar. Em outro lugar, Calvino escreve: “é notório que jamais chega o homem ao puro conhecimento de si mesmo até que haja antes contemplado a face de Deus e a visão dEle desça a examinar-se a si próprio.” Como a Bíblia é o registro inerrante da Palavra de Deus, podemos dizer que, sem as Escrituras, jamais teremos um conhecimento verdadeiro de nós mesmos, do mundo e do próprio Deus. Calvino tinha uma ampla cultura, entendendo que Deus é Senhor de todas as coisas; por isso, toda verdade é verdade de Deus (COSTA, 2006, p. 19; 1999, p. 171; 2004, p. 97).

E ainda:

É meritório para Calvino que, embora reconhecendo a discrepância entre o texto bíblico e o sistema científico do universo em sua época, não tenha repudiado, em razão disso, as conclusões da pesquisa científica (HOOYKAAS, 1988, p. 156).

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recuperar sua humanidade crendo e seguindo a Cristo. Segundo Calvino, pelo arrependimento e pelo batismo, o homem entra em comunhão com Cristo e recebe uma nova natureza. Ele é agora um pecador justificado, perdoado, regenerado; mas, ainda um pecador até o fim da sua vida aqui na terra. E pela disciplina contínua na oração e no estudo da Bíblia, o homem permanece em sua humanidade transformada, agora, em amor ao próximo, jamais prejudica a sua própria humanidade.

Calvino entendia que, após a Queda, o ser humano tornou-se incapaz de fazer boas obras voluntariamente. O homem, sem a graça de Deus e totalmente corrupto, acha-se em condição de “depravação total”. No seu Catecismo (2003b, p. 15), chamado de Instrução na Fé: Princípios para a vida cristã, o reformador resume essa sua concepção antropológica, dizendo que

O homem foi formado à imagem e semelhança de Deus a fim de que pudesse, em primeiro lugar, admirar seu Autor nos adornos que este lhe conferira de maneira nobre e honrá-lo com o reconhecimento adequado. Mas, confiado na grande excelência de sua natureza e esquecido de quem procede e subsiste, o homem esforçou-se por se levantar à parte do Senhor. Por isso o homem teve de ser desvestido de todos os dons de Deus dos quais era tolamente orgulhoso, para que, desnudado e carente de toda a glória, pudesse conhecer o Deus a quem, após ter sido enriquecido por causa da sua liberalidade, havia ousado desprezar. Como resultado dessa semelhança de Deus apagada em nós, todos os que descendemos da semente de Adão, nascemos da carne. Porque, embora sejamos compostos de uma alma e um corpo, nada sentimos a não ser a carne, e assim para qualquer parte do homem que olhemos, é impossível ver algo que não seja impuro, profano e abominável a Deus. O intelecto do homem está de fato cegado, envolto em infinitos erros e sempre contrário à sabedoria de Deus; a vontade, má e cheia de afeições corruptas, odeia a justiça de Deus; e a força física, incapaz de boas obras, tende furiosamente à iniqüidade.

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