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PARTE 2 O VOTO NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS BRASILEIRAS DE 1989,

3.6. Conclusão

Para explicar a decisão do voto no 1o turno da eleição presidencial de 1989 é necessário considerar as três variáveis em estudo, mas associadas à escolaridade do eleitor. Em primeiro lugar, as correlações de ordem moderada indicam que realmente parece ter havido a influência na decisão de voto, de uma imagem po lítica formada pelos eleitores a respeito dos candidatos. Mas essa influência varia de intensidade, segundo a escolaridade dos eleitores. O conjunto de dados sobre o significado atribuído pelos eleitores às noções de esquerda e direita, sobre os percentuais de eleitores que se posicionam na escala e sobre as correlações entre este autoposicionamento e o voto (e a preferência partidária) parece indicar que o autoposicionamento na escala esquerda-direita teve significado político e foi um bom preditor do voto para a maioria dos eleitores com nível superior, mas teve baixo significado político e foi um preditor de voto relativamente fraco para a maioria dos eleitores de baixa escolaridade.

Em segundo lugar, a avaliação do desempenho do govem o Samey, embora tenha apresentado correlação relativamente baixa como o voto, influenciou a própria estratégia dos partidos e candidatos (todos se colocando como oposição ou em independência frente ao govemo Samey) e parece ter contribuído para minar qualquer possibilidade de vitória dos candidatos Ulysses Guimarães e Aureliano Chaves, pertencentes aos partidos que formavam a base político-parlamentar do govemo. Isso explicaria também porque boa parte dos votos do eleitorado que se autoposicionava ao centro acaba indo para candidatos à direita (sobretudo Collor) ou à esquerda: dos

candidatos de centro mais conhecidos e vinculados a partidos maiores, um era Ulysses Guimarães, o mais associado ao governo, e outro era Covas, cujo partido, o PSDB, tinha recentemente se separado do PMDB e suas principais lideranças não eram vistas tão claramente quanto Collor, Lula e Brizola como oposição ao governo Samey. Neste contexto, passam ao segundo turno, dois candidatos que eram claramente oposição ao governo Samey. Deve-se notar, além disso, que os motivos mais apontados para o voto em Collor foram incluídos na categoria "renovação política", que expressava um descontentamento com a situação política nacional, para o qual a rejeição ao governo Samey - e ao PMDB, que, após chegar ao poder havia "ludibriado" o eleitor com o Plano Cruzado - contribuiu decisivamente.

Da mesma forma que em relação à primeira variável, a avaliação de desempenho do govemo Samey foi um preditor de voto de moderado a bom para os eleitores com maior escolaridade (2o Grau ou mais), mas fraco para os eleitores com baixa escolaridade (até 1o Grau completo). A principal hipótese levantada aqui para explicar estas diferenças, bem como a relativamente baixa correlação entre avaliação do governo e voto no conjunto do eleitorado, foi a de que a polarização governo/oposição parece ter sido resolvida (a favor da oposição) bem antes do momento eleitoral. Por isso, a avaliação de desempenho do governo passaria a ter, em momentos próximos à eleição, baixa correlação com o voto, já que mesmo eleitores que avaliavam o govemo positivamente passariam a nem considerar o(s) candidato(s) mais associado(s) ao governo como uma alternativa viável. E como é entre os eleitores com menor escolaridade que há a maior taxa de avaliação positiva do governo (quase o dobro da existente entre os eleitores com nível superior), este mecanismo poderia explicar, também, o menor coeficiente de correlação entre os eleitores de menor escolaridade.

Uma distinção, destacada por Miller & Shanks (1998), talvez possa tomar mais clara a relevância da avaliação de desempenho do governo no resultado da eleição de 1989. Aqueles autores distingüem o peso de uma variável explicativo dos diferenciais de voto entre eleitores (nível individual), de seu peso explicativo no resultado agregado de uma eleição. Se tomamos, por exemplo, a preferência partidária, vemos que esta foi uma variável muito relevante piara diferenciar o voto dos

eleitores: aqueles que manifestavam preferência por um partido tinham grande probabilidade de votar num candidato a ele vinculado (ou, pelo menos, vinculado a um partido situado no mesmo "campo ideológico"). Assim, eleitores com preferências partidárias diferentes tendiam a votar em candidatos diferentes, ou seja, a variável preferência partidária tinha um grande poder discriminador, "explicando" parte das diferenças de voto ao nível individual. Mas, como os eleitores com preferência por algum partido representavam cerca de 40 % do eleitorado total, mesmo que considerássemos que a alta correlação entre voto e preferência partidária se devesse a uma relação de causalidade no sentido de que a preferência partidária é que levaria ao voto (o que precisaria ser comprovado), o impacto destas preferências sobre o resultado agregado do pleito seria relativamente pequeno. Já em relação à avaliação de desempenho do govemo, embora a correlação com o voto seja relativamente baixa, o fato de que 60 % dos eleitores avaliavam o govemo negativamente e de que 92 % destes (representando 55 % do eleitorado nacional) votaram em candidatos da oposição (ver Tabelas 3.1 e 3.3) foi suficiente para garantir uma votação baixa para os candidatos ligados ao govemo (e alta para o conjunto dos candidatos de oposição). Assim, aquela avaliação predominantemente negativa do governo teve peso relevante no resultado agregado do primeiro turno da eleição presidencial de 1989.

Por fim, a avaliação dos atributos pessoais dos candidatos, parece ter sido também um dos elementos centrais da decisão de voto. A nosso ver, a maioria das análises da eleição de 1989 não levou na devida consideração o peso, na decisão de voto, da avaliação feita pelo eleitor sobre a experiência/capacidade administrativa dos candidatos. De um lado, por se fixar apenas nos dois candidatos que foram ao segundo tumo, elas não consideraram que esta categoria de motivos foi a mais apontada pelos eleitores de Brizola, Maluf, Covas e Ulysses Guimarães (que juntos fizeram 42 % dos votos no 1o tumo). De outro, por não terem destacado que, apesar da maior parte dos eleitores de Collor estar buscando uma renovação do quadro político, a segunda categoria de motivos mais apontados por seus eleitores foi relacionada a características ligadas à sua experiência/capacidade político- administrativa. Pode-se questionar a veracidade dos feitos propagados por Collor em sua campanha, mas é relevante o fato de que os eleitores mencionavam como motivo

do voto a ação administrativa passada de Collor - e não apenas promessas (para o futuro) - relacionada em boa parte a objetivos quase consensuais: eficiência administrativa, combate ao desperdício do dinheiro público e à corrupção.

No entanto, diferentemente das duas variáveis anteriores, nesta - relativa a atributos pessoais dos candidatos relevantes para a decisão do voto - não parece ter havido diferenças significativas entre eleitores segundo seu grau de escolaridade.

Em suma, no primeiro turno as duas primeiras variáveis parecem ter pesado apenas moderadamente. Os coeficientes de correlação entre avaliação do governo e voto são um pouco menores do que aqueles entre autoposicionamento e voto, mas estes últimos foram calculados para uma parcela do eleitorado menor do que aquela sobre a qual foram calculados os primeiros. Comparando as "taxas de acerto", porém, vemos que enquanto 56 % dos eleitores votavam em conformidade com a avaliação de desempenho que faziam do governo (Tabela 3.3), apenas 26 a 35 % votavam em conformidade com seu autoposicionamento na escala esquerda-direita. (Tabelas 3.12 e 3.13).

No segundo turno, obviamente a avaliação do govemo não teve nenhuma influência, pois se tratava de uma disputa entre dois candidatos em oposição clara a Samey. Por outro lado, a disputa entre dois candidatos localizados em posições extremas do contínuo ideológico, aliada à polarização ideológica promovida principalmente pela campanha de Collor, fez com que o peso dos "posicionamentos ideológicos" dos eleitores fosse maior do que no primeiro turno. No que se refere à avaliação das qualidades pessoais dos candidatos, a base empírica em que se sustenta aqui a hipótese da relevância desta variável impossibilita comparar seu peso com o das outras variáveis. Como, porém, grande parte dos motivos apontados foram relacionados a atributos pessoais dos candidatos, é plausível afirmar que esta variável teve um peso muito importante naquela eleição.

Por fim, a influência da avaliação da capacidade técnico-administrativa dos candidatos sobre a decisão de voto se revelou maior do que a das imagens formadas pelo eleitor dos candidatos, quanto à defesa de interesses dos trabalhadores (ou da maioria da população). Utilizando as respostas às questões abertas sobre motivação

do voto, a imagem de defensor dos interesses dos trabalhadores parece ter sido relevante para parcela substancial dos eleitores de Lula e para uma parcela menor dos eleitores de Brizola, mas não para os demais candidatos. Especialmente relevante é o fato de que é insignificante a proporção de eleitores que apontavam motivos dessa natureza para o voto em Collor, o que contrasta fortemente com a conclusão de Castro (1994) de que para os eleitores de baixa sofisticação política este seria o determinante central do voto. A proporção dos que mencionaram como motivo do voto atributos pessoais relacionados com a capacidade técnico-administrativa dos candidatos foi bem maior do que a proporção dos que mencionavam a defesa dos interesses dos trabalhadores, não só no conjunto do eleitorado, mas para os eleitores de quase todos os candidatos relevantes individualmente (Collor, Brizola, Covas, Maluf e Ulysses).

CAPÍTULO 4 - A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 1994.

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