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“Que estranha cena descreves e que estranhos prisioneiros… São iguais a nós”. República, 515a

Depois de “os” olharmos e de “os” escutarmos, deparamo-nos com uma estranha verdade “São iguais a nós”. Iguais a nós no que sentem, no que vivem, nas aspirações e perspetivas futuras… “Que estranha cena descreves e que estranhos prisioneiros… São iguais a nós” diz Glauco a Platão na célebre Alegoria da Caverna, história transversal a qualquer sociedade e a qualquer época histórica, e ousamos mesmo dizer história transversal a qualquer ser humano independentemente do contexto em que se encontra.

Ouvimos uma notícia no telejornal sobre um jovem com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos que praticou um crime e o nosso instinto natural é julgar sem antes analisar ou tentar perceber o que esteve na origem desse ato, refugiamo-nos nas sombras e teimamos em deixar entrar a luz…

Pois bem, procurámos ao longo deste percurso, ir à raiz e escutar as “suas narrativas” e só posteriormente confirmá-las à luz dos processos vigentes em sede institucional. E algumas pessoas perguntaram “Porquê? Geralmente faz-se ao contrário! Lêem-se primeiro os processos para depois se saber orientar as entrevistas…” Disseram-nos ainda “Eles não vão falar muito e não vão dizer a verdade…” Pois bem, resolvemos inverter o processo, para podermos ter a mente aberta e disponível para escutar a verdade “deles”, sem histórias de vida em papel, numa procura de “dar corpo” às palavras deles para que elas ganhassem forma na nossa mente… e foi um processo maravilhoso… pois, uma vez mais, deparámo-nos com a estranha realidade de que estes “prisioneiros” são iguais a nós… atrevemo-nos a dizer “somos nós”, simplesmente tiveram um percurso de vida diferente.

A falta de uma família que servisse de sustento e de apoio para o seu desenvolvimento equilibrado e que fosse facilitadora de relações e competências foi como que um “grilhão” que os aprisionou a um “rótulo” – Delinquentes! Jovens Delinquentes… e continuamos a reforçar a ideia de Jovens e não o atributo de delinquentes…

Coubemos a nós, perguntar quem são, de onde vêm, como cresceram, o que viveram para terem chegado a um CE. Eis a resposta que ao mesmo tempo transparece uma grande

131 inquietação de um jovem a cumprir MI no CE onde foi efetuado o estudo: “(…) não me defino por um ato isolado, a minha vida, eu, eu sou mais do que isso…” Francisco, 17 anos Pois bem, é isto que pretendemos comprovar com este estudo e voltamos à pergunta de partida: Será que a execução da medida tutelar de internamento em Centro Educativo,

com a consequente aplicação de programas e métodos pedagógicos específicos, capacita os jovens para a sua (re)inserção social futura?

Numa resposta rápida e simplista, depois da trajetória percorrida, poderíamos agradar a quem nos ouve e a quem nos lê com um “sim” em tom minimalista… mas o ser humano é muito mais do que a sua circunstância, é muito mais do que aquilo que ele é agora enquanto sujeito em desenvolvimento, num espaço que se pretende próximo da realidade exterior, mas que na verdade se afigura como uma privação dela.

Voltando à Alegoria de Platão, na caverna há uma luz. Luz essa que marca o absoluto da possibilidade de ver, isto é, que marca o absoluto da possibilidade de inteligir.

No nosso entender, o CE é essa luz que faz e fará toda a diferença na vida do jovem a cumprir MI, é a condição de possibilidade para uma nova existência como um dos jovens dizia:“ [quando sair daqui] Vou recomeçar... renascer de novo...”

É ai que se vislumbra a possibilidade de mudança “A medida foi aplicada para eu não voltar a cometer os mesmos crimes, para aqui eu poder ser reeducado. Acredito que se não estivesse aqui se calhar estava ainda na vida do crime.”

É numa perspetiva francamente positiva que olhamos para a intervenção educativa vigente no CENP uma vez que a entendemos no sentido da formação integral do ser humano… preparando integralmente o jovem para o seu papel próprio no seio da sociedade, onde a sua função não é a satisfação os seus interesses individuais, mas, neles e com eles, o interesse do todo, da sociedade ideia essa corroborada pelo artº 2 da LTE, as medidas tutelares educativas “(…) visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade”.

“Eu já vejo as coisas de modo diferente, quando vou lá fora.” Diz-nos um jovem que se encontra em contexto de estágio fora do CE, “Sou livre de fazer o que bem entender mas sou prisioneiro das consequências. Na maioria das vezes esta frase orienta-me.”

Há todo um processo a que ousamos chamar Paideia… há um caminho pedagógico na transformação da natureza humana pela educação e o processo na construção do ser humano

132 sábio e comprometido com a mudança da realidade social. A educação é um processo fundamental na formação do ser humano e só através da execução de programas que atendam às necessidades específicas das diferentes problemáticas associadas às diversas formas de delinquência se poderá alcançar um maior grau de eficácia.

E um novo desafio surge nesta trajetória, o “homem que saiu da caverna vê o sol que representa a ideia do bem: “causa de quanto há de justo e belo” (517 c), a reintegração do jovem na sociedade… mas para que esta se efetue de forma consistente e segura há a necessidade de articulação entre o CE e a comunidade. O CE tem uma grande contribuição para a mudança da visão destes jovens, como uma passagem das sombras para a luz! Porém é fundamental que a sociedade faça parte desse apoio, ajudando na sua reintegração e promoção.

Sim, a execução da medida tutelar de internamento em CE, com a consequente aplicação de programas e métodos pedagógicos específicos, tem feito com que os jovens adquiram as competências necessárias para a sua reinserção social. Estes jovens simplesmente querem ser felizes, felizes como nós queremos, pois são iguais a nós no que sentem, no que vivem, nas aspirações e perspetivas futuras. Pois, quando a pessoa se sente apreciada e profundamente amada, isso dá-lhe autoestima. Não nos sentimos amados porque somos perfeitos, sinto-nos amados porque alguém nos fez experimentar que, nós valemos, mesmo que tenhamos um passado cheio de sombras.

Depois de “os” olharmos e de “os” escutarmos foi essa a conclusão do nosso estudo.

Limitações e perspetivas futuras

Uma das grandes limitações deste estudo foi a de ter uma amostra reduzida. Seria importante que futuras investigações procurassem abranger um maior número de jovens internados e de vários Centros Educativos. Além disso, seria também pertinente que futuros trabalhos acompanhassem o processo de internamento dos jovens, no que diz respeito ao planeamento e organização dos projetos de vida até alcançarem a sua plena reinserção, o que contribuiria para o aprofundamento do tema em investigação.

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