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O presente trabalho teve como objetivo analisar a criação dos segmentos de listagem pela perspectiva da regulação descentralizada. O objetivo de analisar a criação dos segmentos de listagem está relacionado a dois objetivos centrais, um descritivo e outro normativo. O primeiro objetivo foi descrever os atores envolvidos e os mecanismos utilizados por esses na criação dos segmentos de listagem. Com essa descrição, buscou-se apontar fatores que levaram as companhias e controladores a alterarem seus comportamentos em relação a regras especificas de Governança Corporativa. Com o reconhecimento dos fatores que fizeram com que as companhias e controladores alterassem seus comportamentos na criação dos segmentos de listagem, o segundo objetivo foi prescrever possíveis técnicas e soluções regulatórias a serem utilizadas em outras circunstâncias em matéria de Governança Corporativa.

Adotando o conceito de regulação descentralizada de Julia Black, traçou-se como hipótese que, diferentemente do cenário de relações autônomas de Mercado em que existe regras voluntárias, a criação dos segmentos de listagem foi um fenômeno em que a regulação foi exercida por uma rede de atores interdependentes, estatais e não estatais. De forma que não é possível apontar a voluntariedade da autorregulação e das relações do ambiente privado como fatores que levaram companhias e controladores a alterarem seus comportamentos e adotarem regras específicas de Governança Corporativa.

As dicotomias regulação/autorregulação, público/privado e Estado/Mercado foram muito utilizadas para analisar os segmentos de listagem, de forma que esta análise foi seguida pela formulação de um argumento normativo. Para a definição de regulação como regulação estatal, regulação é sinônimo de controle estatal das relações econômicas estabelecidas pelos atores privados. Segundo essa definição, esse controle estatal pode ocorrer pelo estabelecimento de regras mediante a promulgação de leis ou outros instrumentos normativos e por atos administrativos, desde que estes atos não estejam relacionados ao exercício direto da atividade econômica pelo Estado. Por essa perspectiva, autorregulação privada, em oposição à regulação estatal, decorreria de regras jurídicas espontâneas privadas. Mas autorregulação também pode ser um coletivo ou grupo que não faça parte do Estado e que tenha poder regulatório delegado pelo Estado, a autorregulação pública. As dicotomias público/privado e Estado/Mercado tem o mesmo pressuposto da dicotomia

regulação/autorregulação, enquanto as relações no ambiente público e que envolvem o Estado são hierárquicas, as relações no ambiente privado e do Mercado são estabelecidas com base na voluntariedade entre indivíduos iguais e autônomos.

Diferentemente das definições de regulação como regulação estatal, a regulação descentralizada, conforme definida por Julia Black, tem como pressupostos a complexidade na interação entre atores, a fragmentação do conhecimento, informação, poder e controle, a interdependência entre atores estatais e não estatais no exercício da regulação e a descaracterização da distinção entre público e privado. A regulação, então, é exercida de forma policêntrica, heterárquica e por uma rede de atores interdependentes. A definição de regulação proposta pela autora, então, envolve os seguintes aspectos: controle de comportamentos, intencionalidade, definição de um problema a ser resolvido ou um objetivo a ser alcançado e o uso dos mecanismos de estabelecimento de standards ou normas, de coleta de informações sobre como são os comportamentos e de modificação de comportamentos (enforcement).

Diante das abordagens teóricas possíveis, o estudo de caso da criação dos segmentos de listagem foi feito com base em fontes primárias e secundárias de dados. De forma que se buscou observar, principalmente, as relações interdependentes ou autônomas estabelecidas entre os atores que participaram da criação dos segmentos de listagem e a concentração dos mercados e o poder decorrente dessa concentração de algum ator participante da criação dos segmentos de listagem.

Pelo estudo de caso foi possível concluir que diversos atores participaram, direta e indiretamente, da criação dos segmentos de listagem. Sendo que a Bovespa, contraparte das companhias e controladores no Contrato de Participação, aparece como um ator central, mas não único. Nesse sentido, fizeram parte da criação dos segmentos de listagem (i) os principais acionistas das companhias abertas brasileiras, ou seja, o BNDES e os Fundos de Pensão; (ii) as Distribuidoras, as Corretoras, os Bancos de Investimento e os Bancos Múltiplos que prestavam os serviços de intermediação de ofertas públicas de ações, os quais eram, em grande parte, associados à ANBID (ou ANBIMA); (iii) órgãos reguladores, como o CMN, a CVM, a SPC e a Susep; (iv) o IFC e a OCDE como entidades multilaterais; e (v) alguns investidores estrangeiros organizados.

Estes diversos atores se relacionaram de diversas formas na criação dos segmentos de listagem. A Tabela 8 sintetizou as principais relações estabelecidas entre os atores. Dentre as principais ações desses atores, é possível citar, além da alteração do

Regulamento de Registro de Emissores e de Valores Mobiliários e consequente lançamento dos regulamentos dos segmentos de listagem pela Bovespa: (i) exigência, pelo BNDES, à adesão aos segmentos de listagem de empresas que tivessem investimento por participação ou por aquisição de debentures; (ii) uso, pelo CMN, dos segmentos de listagem como um dos critérios para a regulação da alocação dos recursos das reservas técnicas, provisões e fundos dos Fundos de Pensão e das Sociedades Seguradoras; (iii) participação das entidades multilaterais e de investidores estrangeiros na formulação dos regulamentos dos segmentos de listagem; (iv) proibição pela ANBID da participação de instituições financeiras associadas em ofertas públicas de ações em que as companhias emissoras não tivessem aderido a um dos segmentos de listagem; (v) negociação entre Bovespa e companhias abertas sobre o conteúdo normativo dos regulamentos dos segmentos de listagem; (vi) aprovação pela CVM dos regulamentos dos segmentos de listagem; (vii) exercício pela CVM da fiscalização e enforcement das regras dos segmentos de listagem.

A partir do conceitual teórico oferecido pela perspectiva da regulação como regulação estatal, a criação dos segmentos de listagem foi vista como uma autorregulação privada ou como uma solução de mercado. Feita essa análise, prescreveu-se aos promotores de políticas mecanismos autorregulatórios ou contratuais voluntários como uma forma de fazer com que companhias e controladores adotassem regras específicas de Governança Corporativa.

Contudo, diante dos resultados da pesquisa empírica, é possível notar que a criação dos segmentos de listagem não se restringiu aos aspectos jurídicos formais, ou seja, não se restringiu a relações autônomas entre as partes contratantes do Contrato de Participação. As evidências mostram que, além disso, a criação dos segmentos de listagem envolveu diversos outros atores, estatais e não estatais, os quais tiveram uma interdependência entre si no que se refere aos mecanismos jurídicos e extrajurídicos usados, caracterizando, assim, a fragmentação do poder e do controle no exercício da regulação. Com isso, as dicotomias regulação/autorregulação, público/privado e Estado/Mercado não oferecem um conceitual teórico capaz de descrever o fenômeno e apontar em sua complexidade os fatores que fizeram com que as companhias e controladores alterassem seus comportamentos e adotassem regras específicas de Governança Corporativa.

Nesse sentido, a regulação é mais uma questão de administrar a rede de atores interdependentes do que administrar a hierarquia estatal ou deixar que o mercado se autorregule. De forma que a iniciativa regulatória deve superar o debate da desregulação e

reconhecer a fragmentação do poder regulatório entre diversos atores estatais e não estatais e não pode prescindir da participação dos atores estatais como atores que fazem parte da rede regulatória. O Estado, então, passou de uma posição de pretensa exclusividade na regulação para ser um dos diversos atores envolvidos na regulação. A análise da criação dos segmentos de listagem pela perspectiva da regulação descentralizada, portanto, possibilita o reconhecimento de uma regulação e produção normativa que não decorre do exercício do comando e controle pelo Estado, mas que envolve a participação de atores estatais e não estatais articulados em rede. De forma que o Estado participa da regulação não comandando e controlando, mas cooperando e articulando como um dos atores da rede. Com essa análise da criação dos segmentos de listagem pela perspectiva da regulação descentralizada, formula-se outro argumento normativo, diverso do argumento formulado pela perspectiva da regulação estatal. Este argumento é: atores que tenham como objetivo promover uma política regulatória em Governança Corporativa que vise à alteração do comportamento de outros atores devem se preocupar com a mobilização do poder regulatório fragmentado entre diversos atores, sejam esses atores estatais ou não estatais, empregando, assim, diferentes mecanismos jurídicos e extrajurídicos.

Com reconhecimento da produção normativa e da regulação pela rede de atores estatais e não estatais, surgem questões sobre a legitimidade dos diferentes mecanismos envolvidos em tais regulações. Questões relacionadas à legitimidade, contudo, não foram objeto desta pesquisa e ficam como sugestão para futuras pesquisas.