• Nenhum resultado encontrado

A regulação descentralizada da governança corporativa: uma análise da criação dos segmentos de listagem do mercado organizado de valores mobiliários administrado pela Bovespa

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "A regulação descentralizada da governança corporativa: uma análise da criação dos segmentos de listagem do mercado organizado de valores mobiliários administrado pela Bovespa"

Copied!
127
0
0

Texto

(1)

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO

VICTOR BOURROUL HOLLOWAY RIBEIRO

A REGULAÇÃO DESCENTRALIZADA DA GOVERNANÇA CORPORATIVA: uma

análise da criação dos segmentos de listagem do mercado organizado de valores mobiliários administrado pela Bovespa

(2)

VICTOR BOURROUL HOLLOWAY RIBEIRO

A REGULAÇÃO DESCENTRALIZADA DA GOVERNANÇA CORPORATIVA: uma

análise da criação dos segmentos de listagem do mercado organizado de valores mobiliários administrado pela Bovespa

Trabalho apresentado à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito e Desenvolvimento.

Campo de conhecimento: Direito dos Negócios Orientadora: Profª. Dra. Viviane Muller Prado Coorientador: Prof. Dr. Ary Oswaldo Mattos Filho

(3)

Ribeiro, Victor.

A regulação descentralizada da governança corporativa: uma análise da criação dos segmentos de listagem do mercado organizado de valores mobiliários administrado pela Bovespa / Victor Bourroul Holloway Ribeiro. - 2015.

121 f.

Orientadores: Viviane Muller Prado, Ary Oswaldo Mattos Filho

Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.

1. Governança corporativa. 2. Bolsa de Valores de São Paulo. 3. Mercado de capitais. 4. Valores mobiliários - Brasil. I. Prado, Viviane Muller. II. Mattos Filho, Ary Oswaldo. III. Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. IV. Título.

(4)

VICTOR BOURROUL HOLLOWAY RIBEIRO

A REGULAÇÃO DESCENTRALIZADA DA GOVERNANÇA CORPORATIVA: uma

análise da criação dos segmentos de listagem do mercado organizado de valores mobiliários administrado pela Bovespa

Trabalho apresentado à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito e Desenvolvimento.

Campo de conhecimento: Direito dos Negócios

Data de aprovação: ___/___/_____

Banca Examinadora:

__________________________________ Profª. Dra. Viviane Muller Prado (Orientadora) FGV Direito SP

__________________________________

Prof. Dr. Ary Oswaldo Mattos Filho (Coorientador)

FGV Direito SP

__________________________________ Profª. Dra. Nora Matilde Rachman

FGV Direito SP

(5)

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu pai e à minha mãe, Jayme e Silvia, por todo o apoio, ajuda e compreensão não só nesse período de mestrado, mas em toda a minha vida, sem esse suporte eu não teria a oportunidade e não seria capaz de ter trilhado o caminho que segui. Agradeço ao meu irmão Pedro pelo companheirismo e pela inspiração. À Vovas agradeço por sempre apoiar a busca pelo conhecimento e compreender a ausência nos almoços de família. Aos meus tios, tias, primos e primas agradeço pelos momentos vividos.

À Daniela agradeço imensamente pela compreensão, suporte, paciência e companheirismo nesses dois anos de intensa dedicação ao mestrado. Agradeço também ao José Augusto, Janice, Andréia, Daniel, Juliana e Renato pelo suporte e pelos momentos de descontração.

Aos meus amigos Guilherme Fila, Gustavo Zaven, Mateus Baumer, Victor Hugo, Victor Massetto agradeço pela amizade e pelos momentos de alegria, agradeço ainda ao Gabriel Maschião e ao Danilo Shibata por contribuírem diretamente com a dissertação. Aos amigos do Mackenzie e da USP agradeço por compreenderem a ausência nesse período.

Ao Renato Vilela agradeço não só pela amizade, mas pelos conselhos em importantes fases da vida.

Ao Paulo Victor, Raphaella Gomes, Ana Bubula e, principalmente, Ana Julia Oliveira agradeço por terem me introduzido no mundo da advocacia e terem contribuído para o meu crescimento profissional. Ao Denis Giamondo e à Marina Gelman agradeço pela ajuda na fase de insegurança em relação ao processo seletivo.

À minha orientadora Viviane Muller Prado agradeço por ter dado o suporte e auxílio necessários não só para a realização dessa pesquisa, mas também para o meu amadurecimento pessoal e acadêmico. Ao professor Ary Oswaldo Mattos Filho, meu coorientador, agradeço por transmitir seu conhecimento e ajudar na elaboração da pesquisa. À Nora Rachman agradeço pela atenção e contribuição durante todo o processo de pesquisa. Ao professor Rodrigo Broglia Mendes agradeço pelas importantes contribuições feitas na banca de qualificação.

(6)

Fundação Getulio Vargas que contribuíram direta ou indiretamente com esse trabalho, incluindo, professor Oscar Vilhena Vieira, professora Luciana Gross Cunha, Cristiane Samária, Ana Paula Galdino, Henrique Baraldi e sua equipe da biblioteca. Aos professores Carlos Ari Sundfeld, José Garcez Ghirardi, Bruno Salama e, principalmente, Mário Shapiro e Maíra Rocha Machado agradeço pela essencial contribuição não só na produção desta pesquisa, mas também na minha formação como pesquisador. Aos membros do núcleo de estudos em mercados e investimentos, Francisco Satiro e Lie Uema, agradeço pelos debates e oportunidades de pesquisa.

(7)

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar pela perspectiva da regulação descentralizada a criação dos segmentos de listagem do mercado de valores mobiliários administrado pela Bovespa. O objetivo de analisar a criação dos segmentos de listagem inclui a descrição do fenômeno para apontar fatores que levaram as companhias e controladores a alterarem seus comportamentos e a construção de um argumento normativo formulado a partir do reconhecimento desses fatores.

No debate sobre regulação da Governança Corporativa, o conceito de regulação normalmente assume uma definição centrada no Estado. Grande parte da análise da criação dos segmentos de listagem do mercado administrado pela Bovespa seguiu essa perspectiva. A criação dos segmentos de listagem, então, foi classificada como um fenômeno autorregulatório, privado e de mercado. Dessa análise seguiu a formulação de um argumento normativo, o qual prescreveu o uso da autorregulação a atores que visassem estabelecer regras específicas de Governança Corporativa.

Contudo, a perspectiva da regulação descentralizada questionou o pressuposto da centralidade do Estado no conceito de regulação. A perspectiva da regulação descentralizada sustentou que não só atores estatais estão cada vez mais envolvidos com atores não estatais em complexas colaborações e delegações para o exercício da regulação, como também sustentou que atores não estatais exercem regulação, incluindo, a formulação, monitoramento e enforcement de regras. Para lidar com essa complexidade dos fenômenos empíricos regulatórios, Julia Black, baseando-se na teoria dos sistemas e na literatura de Governança, formulou o conceito de regulação descentralizada. Pelo conceito de regulação descentralizada, a regulação é exercida por uma rede de atores interdependentes, estatais e não estatais, que utilizam mecanismos legais e extralegais para o exercício do poder e do controle.

(8)

mecanismos no exercício da regulação. Com isso, não se pode resumir os fatores que fizeram com que companhias e controladores alterassem seus comportamentos e adotassem algumas regras de Governança Corporativa à voluntariedade e ao aspecto autorregulatório. Desta análise segue que, se é possível apontar para um argumento normativo do caso da criação dos segmentos de listagem, o argumento normativo não é a prescrição da autorregulação, mas sim a prescrição do uso do poder regulatório fragmentado entre diversos atores, estatais e não estatais.

(9)

ABSTRACT

The goal of this research is to analyze in a decentered regulation perspective the creation of Brazilian premium Corporate Governance segments. The goal of analyzing the creation of Brazilian premium Corporate Governance segments includes the description of the phenomenon by recognizing factors that led companies to change their behavior and the prescription of a normative argument formulated from the recognition of those factors.

In the Corporate Governance literature, regulation is usually defined as a state-centered conception. Researches about premium Corporate Governance segments (Novo Mercado, Level 1 and Level 2) created by São Paulo Stock Exchange – Bovespa often adopt the state-centered definition of regulation. As opposed to a mandatory state regulation, these premium segments were classified as a private and self-regulatory phenomenon, conducted by the market. This analysis was followed by a normative argument that prescripts contractual or self-regulatory arrangements for policy makers with intention to promote specific Corporate Governance rules.

However, the assumption of a state-centered regulation was contested by a decentered perspective. The decentered perspective argued that not only states are increasingly involved in complex collaborations and delegations with non-state actors to exercise regulation, but also non-states actors are regulating, setting standards, gathering information and enforcing rules. To handle those complex regulatory events, Julia Black formulated the concept of decentralized regulation, which was grounded on systems theory and the governance literature. Regulation in a decentering perspective is implemented by a network of interdependent state and non-state actors.

(10)

to adopt specific Corporate Governance rules. Accordingly, the normative argument that follows this analysis, rather than the prescription of self-regulation, is the prescription of the mobilization of the regulatory power fragmented among many state and non-state actors.

(11)

LISTA DE FIGURAS

(12)

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Distribuição de Ofertas pelos segmentos do mercado administrado pela BM&F

Bovespa ... 45

Gráfico 2 – Número de companhias com participação do BNDES, Estado, Fundos de Pensão e Seguradoras ... 49

Gráfico 3 – Proporção de companhias com Investidores Patrocinadores ... 49

Gráfico 4 – Composição dos Investimentos do Plano 1 da Previ ... 63

Gráfico 5 – Composição histórica de investimentos do Centrus ... 64

Gráfico 6 – Proporção de Ofertas Públicas de Ações em que os Fundos de Pensão estariam vedados de adquirir ações ... 65

(13)

LISTA DE TABELAS

(14)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BM&F Bovespa. Bolsa De Mercadorias & Futuros e a Bovespa BNDESPar. BNDES Participações S.A.

Bovespa. Bolsa de Valores de São Paulo CAM. Câmara de Arbitragem do Mercado

CENTRUS. Fundação Banco Central de Previdência Privada Corretoras. Sociedades Corretoras de Títulos e Valores Mobiliários CVM. Comissão de Valores Mobiliários

Distribuidoras. Sociedades Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários Fundos de Pensão. Entidades Fechadas de Previdência Complementar IAN. Formulários de Informações Anuais

IBGC. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa IFC. International Finance Corporation

OCDE. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico Previ. Caixa de Previdência do Banco do Brasil

Previdências Privadas. Entidades Abertas de Previdência Complementar PSAG. Private Sector Advisory Group

Seguradoras Privadas. Previdências Privadas, Sociedades Seguradoras e Sociedades de

Capitalização

(15)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 11

2. DEFINIÇÕES DE REGULAÇÃO: POSSÍVEIS ABORDAGENS DE UM FENÔMENO EMPÍRICO ... 19

2.1. Quais são os pressupostos das definições de regulação como regulação estatal?19 2.2. O que é regulação pela perspectiva descentralizada e quais seus pressupostos? 28 3. ESTUDO DE CASO: A CRIAÇÃO DOS SEGMENTOS DE LISTAGEM ... 37

3.1. Como responder ao problema de pesquisa? ... 37

3.2. Como foram estabelecidas as relações entre os atores envolvidos, direta e indiretamente, na criação dos segmentos de listagem? ... 40

3.2.1. Bovespa ... 41

3.2.2. CVM ... 46

3.2.3. Acionistas ... 47

3.2.4. CMN ... 52

3.2.5. SPC ... 59

3.2.6. Fundos de Pensão ... 60

3.2.7. Seguradoras Privadas ... 65

3.2.8. BNDES ... 66

3.2.9. ANBID ... 70

3.2.10. Entidades multilaterais ... 74

3.2.11. Investidores estrangeiros ... 76

3.3. Algum ator tinha poder decorrente da concentração de mercados? ... 77

3.3.1. Mercados organizados de valores mobiliários ... 78

3.3.2. Intermediários financeiros ... 80

(16)

4.1. Como analisar a criação dos segmentos de listagem pela autorregulação? ... 84

4.2. Como analisar a criação dos segmentos de listagem pela regulação descentralizada? ... 89

5. CONCLUSÃO ... 98

6. REFERÊNCIAS ... 102

(17)

1. INTRODUÇÃO

Em se tratando de regulação da Governança Corporativa, o conceito de regulação normalmente assume uma conotação centrada no estado. Por esta perspectiva do conceito de regulação, o Estado é o único ator capaz de exercer a regulação e comandar e controlar outros atores (BLACK, 2001). Com isso, regras de atores não estatais, em oposição às regras mandatórias dos atores estatais, são classificadas como uma autorregulação, como regras privadas ou como regras de Mercado. Nesse sentido, as noções de autorregulação, de regras privadas ou de regras de mercado têm como pressuposto a horizontalidade e a não sujeição na relação estabelecida entre os atores, ou seja, são regras voluntárias que decorrem da celebração de contratos entre partes autônomas e em posição de igualdade. Por essa concepção, as únicas possibilidades de haver controle, sujeição ou constrição na voluntariedade nas relações privadas seriam pela delegação de poderes estatais a um ator não estatal ou pela existência de um poder monopolístico por alguma das partes. Decorre dessa perspectiva teórica a construção das dicotomias regulação/autorregulação, público/privado e Estado/Mercado.

A Governança Corporativa tomou extrema relevância entre acadêmicos e promotores de políticas nos últimos 20 anos1. A relevância pode ser notada nas iniciativas regulatórias sobre o tema. No Brasil, especificamente, é possível citar que, em tema de Governança Corporativa, houve alterações legislativas2, alterações na regulamentação3,

1 Foi utilizado como referência para a definição do prazo o Cadbury Report, o Código de Governança

Corporativa do Reino Unido publicado em 1992. Para ver mais sobre o Cadbury Code e a difusão especificamente dos códigos de governança corporativa ver Aguilera e Cuervo-Cazurra (2009).

2 A reforma legislativa foi feita pela Lei nº 10.303/01, a qual alterou disposições da Lei nº 6.404/76. Houve

também a reforma da Lei nº 6.385/76 pela Lei nº 10.411/02, a qual alterou regras relativas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

3 Entre as reformas na regulamentação é possível citar a Instrução Normativa CVM nº 202/93 que disciplina o

(18)

promoção de códigos de governança corporativa4 e o lançamento dos segmentos de listagem do mercado organizado administrado pela Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)5.

O lançamento dos segmentos de listagem do mercado organizado de negociação de valores mobiliários administrado pela Bovespa6 criou regras diferenciadas de Governança Corporativa para as companhias abertas brasileiras. A Bovespa, como entidade administradora de um mercado organizado de valores mobiliários, lançou, em dezembro de 2000, três segmentos especiais, o Nível 1 de Governança Corporativa, o Nível 2 de Governança Corporativa e o Novo Mercado7. Cada um desses segmentos tem um regulamento próprio. O Nível 1 de Governança Corporativa, basicamente, estabelece informações adicionais que as Companhias estariam obrigadas a prestar. O Nível 2 de Governança Corporativa e o Novo Mercado estabelecem informações a serem divulgadas pelas Companhias, estruturas internas a serem adotadas e garantias patrimoniais de acionistas.

As companhias aderem contratualmente aos segmentos de listagem, celebrando o Contrato de Participação com a Bovespa, passando, após isso, a ter seus valores mobiliários negociados nos respectivos segmentos de listagem. Pelo ponto de vista formal, então, as companhias abertas poderiam, a época do lançamento, optar por permanecer no mercado tradicional ou aderir a um dos segmentos de listagem. Já as companhias que pretendessem abrir capital poderiam fazer sua oferta inicial tanto no mercado tradicional como em algum dos segmentos de listagem.

Em função deste aspecto contratual na adesão aos segmentos de listagem e com base na concepção de regulação centrada no Estado, alguns pesquisadores, como Gilson, Hansmann e Pargendler (2010) e Jordan e Lubrano (2008), viram nos segmentos de listagem uma solução autorregulatória, privada e do Mercado. Observar a criação dos segmentos de listagem por algum destes conceitos pressupõe considerar a regulação e a produção normativa exclusivamente como um ato estatal, ou seja, se pressupõe que não existem regras

4Em 1999 o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) publicou seu “Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa”, o qual foi reformulado em 2001, 2007 e 2009. A CVM também publicou em 2002 a “Cartilha de Governança Corporativa”.

5 Para ter um panorama histórico de iniciativas regulatórias dos mercados organizados de valores mobiliários no

Brasil ver obra de Mattos Filho e Prado (2012, p. 229).

6 Na época do lançamento dos segmentos de listagem a bolsa de valores era apenas Bovespa, mas com a fusão

ocorrida em 2008 entre a Bolsa De Mercadorias & Futuros e a Bovespa (BM&F Bovespa), estas passaram a ser a BM&F Bovespa.

7 Não foi considerado o segmento Bovespa Mais para a pesquisa, isto porque este segmento foi criado em 2006 e

(19)

mandatórias e regulação fora da estrutura hierárquica de produção normativa do Estado. Nesse sentido, as obrigações privadas só existem se voluntaria e expressamente constituídas pelos indivíduos contratantes.

Com base na análise da criação dos segmentos de listagem como uma iniciativa autorregulatória, privada e do mercado, é comum a formulação de um argumento normativo prescrevendo formas de se estabelecer regras específicas de Governança Corporativa. Sobre o argumento normativo formulado com base nessa análise da criação dos segmentos de listagem, alguns pesquisadores propõem o estabelecimento de um “novo e mais rigoroso regime de Governança Corporativa, operando paralelamente ao regime existente e que é aberto a qualquer companhia que queira adotá-lo” (GILSON; HANSMANN; PARGENDLER, 2010, p. 5, tradução livre do autor) e outros pesquisadores apontam as regras semiprivadas8 dos segmentos de listagem como um “veículo ideal para a maximização da eficiência das forças do mercado de capitais” (JORDAN; LUBRANO, 2008, p. 35).

Contudo, nos últimos anos, a regulação deixou de ser exercida pelo comando e controle estatal e passou a emanar de complexas relações estabelecidas entre atores estatais e atores não estatais. De forma que o Estado, ao invés de assumir uma posição hierárquica, passou a participar da regulação de diferentes formas. Deste modo, se até pouco tempo atrás regulação era sinônimo de intervenção estatal e uma questão do controle estatal sobre a ação dos atores econômicos, atualmente, não só outros atores passaram a regular e a estabelecer regras, como o Estado passou a se envolver em complexas colaborações, delegações, negociações e parcerias com atores não estatais para o exercício do poder normativo e regulatório. Segundo alguns autores, essa descentralização da produção normativa9 e da regulação teria como reflexo uma crise paradigmática10 de teorias e conceitos que remetam as ideias de centralidade e hierarquia na regulação e na produção normativa. Assim, conceitos e teorias relacionados ao exercício do comando e controle por um Estado centralizador e

8 Como será apresentado no capítulo 4.1, a diferença entre regras privadas e as regras semiprivadas para Jordan e

Lubrano (2008) é que enquanto aquelas decorrem de contratos negociados caso a caso, estas decorrem de

contratos “prepackaged”.

9Passou-se a reconhecer que o Estado, apesar de ter o monopólio legítimo do uso da força, não tem o monopólio

de várias outras formas de coerção e indução a comportamentos (MOORE, 1973).

10 Faria (1999, p. 39) toma a noção de paradigma de Thomas Kuhn e fala em exaustão paradigmática para

(20)

hierárquico, como a ideia de um Estado Regulatório11, não mais corresponderiam a forma como o poder e o controle são exercidos na sociedade. Então, novas definições de regulação vêm sendo formuladas e outros conceitos construídos para oferecer alternativas teóricas para a abordagem dos fenômenos empíricos.

Em oposição a essa perspectiva que parte da centralidade do Estado no exercício da regulação e na produção normativa e fundamentando-se na teoria dos sistemas e na literatura12 sobre Governança13, Julia Black (2001, 2002) constrói o conceito de regulação descentralizada. Pela regulação descentralizada, a regulação é exercida de uma forma descentralizada ou policêntrica, decorrente de uma rede de relações interdependentes entre atores estatais e não estatais.

Diante desse cenário, tomando como objeto de pesquisa a criação dos segmentos de listagem e adotando o conceito de regulação descentralizada de Julia Black, o presente trabalho tem dois objetivos principais, um descritivo e outro normativo. O primeiro objetivo, então, é descrever a criação dos segmentos de listagem para apontar fatores que levaram as companhias e controladores a alterarem seus comportamentos em relação a regras específicas de Governança Corporativa na criação dos segmentos de listagem. Com base nos fatores que fizeram com que as companhias e controladores alterassem seus comportamentos na criação dos segmentos de listagem, o segundo objetivo é prescrever possíveis técnicas e soluções regulatórias em tema de Governança Corporativa.

O presente trabalho não tem como objetivo traçar os motivos e justificativas14 da regulação, ou seja, o objetivo não é avaliar o conteúdo normativo dos segmentos de listagem e das regras específicas de Governança Corporativa promovidas por eles. O objetivo é reconhecer como a regulação é exercida, ou seja, por quais atores e de que forma. Mas ao se voltar para a descrição de como os regimes regulatórios são estruturados, também se tem como objetivo refletir sobre como os regimes regulatórios podem ser estruturados. Parte-se,

11 O conceito de Estado Regulatório foi formulado por Majone (1994).

12 A literatura sobre Governança é extensa e diversa. Quando se refere a “literatura sobre Governança” como

influência, a autora tem como principal autor referência Roderick Rhodes (2002, 2007).

13 No presente trabalho os termos de Governança Corporativa e Governança não são usados como sinônimos. 14 Como será apresentado no capítulo 2.1, grande parte da literatura sobre regulação, tomando o conceito de

(21)

então, da ideia de que para entender as possibilidades da regulação, é necessário entender a complexidade no atual exercício da regulação e da produção normativa.

Diante do exposto, o problema de pesquisa traçado é: Quais técnicas regulatórias podem ser depreendidas dos fatores que levaram companhias e controladores a alterarem seus comportamentos na criação dos segmentos de listagem?

Partindo da noção de regulação descentralizada, a hipótese traçada é que, a despeito de um cenário de relações autônomas de Mercado em que existem regras voluntárias privadas (ou de mercado), a criação dos segmentos de listagem foi um fenômeno em que a regulação foi exercida por uma rede de atores interdependentes, estatais e não estatais, com o uso de diferentes mecanismos por estes atores. Nesse sentido, a criação dos segmentos de listagem seguiu a lógica de recentes fenômenos regulatórios em Governança Corporativa, pelos quais a regulação é exercida por uma complexa cooperação e interdependência entre atores, estatais e não estatais. Diante disso, não seria possível, então, apontar a voluntariedade da autorregulação e das relações do ambiente privado como fatores que levaram companhias e controladores a alterarem seus comportamentos e adotarem regras específicas de Governança Corporativa.

Para lidar com essas questões, é importante salientar que será adotada uma abordagem que transcenda o debate da desregulação, colocando em dúvida classificações que apontem para uma ausência de regras, uma inexistência de controle dos atores ou para a existência apenas de relações autônomas de mercado15. Ao afastar classificações baseadas nas dicotomias regulação/autorregulação, público/privado e Estado/Mercado, cria-se a possibilidade de apontar diferentes formas em que a regulação é exercida. Isso porque, a despeito de supostamente estarmos vivendo uma era de desregulação, existem diversos fenômenos regulatórios (LEVI-FAUR, 2011). Sendo que, o papel do Estado, longe de ter diminuído, passou de uma posição de pretensa exclusividade na produção normativa e regulatória para ser um dos diversos atores envolvidos na regulação e na produção normativa (ZUMBANSEN, 2010).

15 A ideia de transcender o debate sobre a desregulação foi colocada inicialmente por Ayres e Braithwaite

(1992). Lobel fala expressamente no objetivo da literatura sobre Governança em transcender essas dicotomias:

“O modelo da Governança deve ser entendido como um esforço para se alcançar uma terceira via entre a regulação estatal e a confiança nas regras de mercado; entre a regulação exercida pelo comando e controle centralizado e o contrato individual livre. O modelo tem como objetivo transcender o conceitual dicotômico da

(22)

Diante do exposto, as diferentes definições dadas ao conceito regulação podem auxiliar não só na análise dos atuais fenômenos regulatórios pelas diferentes abordagens possíveis, mas também ressaltar a mudança ocorrida na forma como a regulação é exercida. O conceito de regulação foi utilizado pela literatura acadêmica em diversos sentidos que vão do mais restrito aos mais abrangentes (BALDWIN; CAVE; LODGE, 2012; JORDANA; LEVI-FAUR, 2004). As definições utilizadas para regulação podem ser organizadas em três definições típicas, conforme proposto por Baldwin, Cave e Loge (2012). Dentre essas três definições, as duas primeiras definem regulação como regulação estatal, pressupondo a centralidade do Estado na regulação e a terceira define regulação como regulação descentralizada. As definições de regulação como regulação estatal e como regulação descentralizada, então, serão utilizadas para apontar os diferentes argumentos normativos que surgem das diferentes análises da criação dos segmentos de listagem.

Como mencionado acima, para lidar com o problema de pesquisa traçado, o objeto de pesquisa utilizado foi a criação dos segmentos de listagem. Por criação dos segmentos de listagem não se pretende fazer referência apenas ao aspecto formal dos segmentos de listagem, ou seja, não se pretende fazer referência apenas à alteração, pela Bovespa, do Regulamento de Registro de Emissores e de Valores Mobiliários e consequente lançamento dos regulamentos dos segmentos de listagem. Por criação dos segmentos de listagem se faz referência a todos os atos praticados pelos atores que estiveram, direta ou indiretamente, relacionados ao lançamento dos regulamentos dos segmentos de listagem. Diante disso, por visar descrever o aspecto contextual da criação dos segmentos de listagem, foi utilizado o estudo de caso como método de pesquisa. De forma que no estudo de caso foram utilizadas fontes primárias e secundárias de dados para observar, principalmente, as relações interdependentes ou autônomas estabelecidas entre os atores que participaram da criação dos segmentos de listagem e os eventuais poderes monopolísticos de alguns atores.

(23)

Apresentado o problema, objetivos e justificativas de pesquisa, por fim, cabe apresentar a estrutura do trabalho. Incluindo esta introdução, o trabalho está dividido em cinco capítulos.

No segundo capítulo, as diferentes definições de regulação propostas por Baldwin, Cave e Loge (2012) serão utilizadas como base para apresentar as duas abordagens possíveis sobre o tema da regulação, a da regulação centrada no Estado e a da regulação descentralizada. No primeiro item do segundo capítulo, inicialmente serão apresentadas as duas definições de regulação centradas no Estado. Após isso, será apresentado como o conceito de autorregulação é construído em oposição à noção de regulação estatal e também será apresentada a classificação de autorregulação pública e autorregulação privada. Por fim, serão apresentadas as dicotomias público/privado e Estado/Mercado, as quais têm pressupostos relacionados à dicotomia regulação/autorregulação e também são frequentemente utilizadas para a análise da criação dos segmentos de listagem. No segundo item do segundo capítulo, serão apresentados os pressupostos e aspectos definidores do conceito de regulação descentralizada e, ainda, será apresentada a relação entre o conceito de regulação descentralizada e o conceito de Governança.

No terceiro capítulo, além de serem apresentadas as estratégias metodológicas utilizadas na coleta de evidências em fontes primárias e secundárias, serão descritos os resultados da pesquisa sobre a criação dos segmentos de listagem. Para tanto, foram traçadas três perguntas principais. A primeira pergunta, “Como responder ao problema de pesquisa?”, está relacionada às estratégias metodológicas utilizadas na pesquisa. A segunda e a terceira perguntas consistem nas perguntas empíricas e visam balizar a apresentação dos achados de pesquisa, são elas: “como foram estabelecidas as relações entre os atores envolvidos, direta e indiretamente, na criação dos segmentos de listagem?” e “algum ator tinha poder decorrente da concentração de mercados?”.

(24)

de listagem pode ser vista como uma autorregulação privada ou autorregulação pública. No segundo item do quarto capítulo, será apresentado como pela regulação descentralizada outros fatores, decorrentes da atuação de outros atores e do uso de outros mecanismos, são levados em consideração na análise da criação dos segmentos de listagem.

(25)

2. DEFINIÇÕES DE REGULAÇÃO: POSSÍVEIS ABORDAGENS DE UM FENÔMENO EMPÍRICO

As dicotomias regulação/autorregulação, público/privado, Estado/Mercado aparecem com frequência na descrição e análise da criação dos segmentos de listagem. Diante disso, para tratar da regulação da Governança Corporativa e esclarecer os pressupostos dessas classificações, foi utilizada a organização das definições do conceito regulação proposta por Baldwin, Cave e Loge (2012). Apesar de ser utilizada a organização proposta por estes autores, as definições específicas não foram as apresentadas por eles, já que são resumidas e pouco precisas16. No primeiro item deste capítulo serão apresentados os dois primeiros conceitos típicos de regulação, as definições de regulação como regulação estatal, conforme definidas por Moreira (1997). Ainda neste item será apresentada a definição de autorregulação para aqueles que definem regulação como regulação estatal e serão apresentadas as dicotomias público/privado e Estado/Mercado, as quais estão relacionadas à dicotomia regulação/autorregulação. No segundo item deste capítulo será apresentada a terceira definição típica de regulação, a de regulação descentralizada, para tanto será utilizada a definição proposta por Black (2001, 2002, 2007).

2.1.Quais são os pressupostos das definições de regulação como regulação estatal?

Para entender a classificação da produção normativa ou das iniciativas regulatórias como uma autorregulação, antes de pensar no conceito de “autorregulação”, é necessário pensar no conceito de “regulação”, do qual a autorregulação estaria se diferenciando. O conceito de regulação foi amplamente utilizado na literatura acadêmica, não existindo uma única definição para o termo (BALDWIN; CAVE; LODGE, 2012; JORDANA; LEVI-FAUR, 2004). Nesse capítulo serão apresentadas as duas definições de regulação que tomam o conceito como uma atividade ou o resultado de uma atividade estatal. Após apresentar a definição de regulação como regulação estatal, será apresentada a definição de autorregulação e a relação da dicotomia regulação/autorregulação com as dicotomias público/privado e Estado/Mercado.

(26)

A primeira definição de regulação corresponde ao estabelecimento de regras mediante a promulgação de leis ou mediante outros instrumentos normativos estatais que restrinjam a autonomia dos indivíduos ou instituições. Por esse sentido, regular seria um ato essencialmente estatal, mas um ato estatal específico, a promulgação de leis pelo legislativo e regulamentações pela administração pública direta e indireta. Estas regulamentações correspondem ao poder normativo da administração pública de editar normas explicitando parâmetros técnicos e normas infra legais. Essa definição de regulação, portanto, deixa de fora toda atividade de implementação das regras e regulamentações17.

Esta definição de regulação está associada à noção de comando e controle, a qual remete a ideia do Estado estabelecendo comandos, ou seja, regras a serem respeitadas e cumpridas pelos indivíduos ou pela sociedade civil, amparadas pela previsão de um controle, ou seja, pela imposição de algum tipo de sanção em caso de descumprimento do comando. Essa definição de regulação é centralizada no Estado, já que assume que o Estado tem a capacidade de comandar e controlar, de ser o único a comandar e controlar e de ser potencialmente efetivo ao comandar e controlar (BLACK, 2001).

Pela segunda definição18, regulação consiste em qualquer forma de intervenção estatal nas relações econômicas estabelecidas pelos indivíduos, podendo essa intervenção ser feita tanto pelo estabelecimento de regras mediante a promulgação de leis ou outros instrumentos normativos, quanto por atos administrativos, desde que estes atos não estejam relacionados ao exercício direto da atividade econômica pelo Estado19. A regulação, então,

17 A definição apresentada por Baldwin, Cave e Loge (2012) é “conjunto específico de comandos –a regulação

envolve a promulgação de um conjunto de regras obrigatórias a serem aplicadas por um órgão constituído para

esse propósito” (BALDWIN; CAVE; LODGE, 2012, p. 3, tradução livre do autor). Com essa definição não é possível especificar se os comandos são apenas os comandos estatais. Ainda, pela definição não fica claro quem é o regulador, já que a promulgação poderia ser feita tanto pelo legislativo como pelo executivo.

18 Este é o sentido mais utilizado por pesquisas sobre regulação no Brasil. Algumas definições de regulação na literatura nacional são: “A regulação do mercado de capitais, como de qualquer mercado, consiste na atividade

do Estado no sentido de editar normas de conduta para os participantes, bem como no sentido de fiscalizar seu

cumprimento” (EIZIRIK, 1982, p. 48); “Regulação será tida, para os fins da presente exposição, como uma efetiva atividade estatal, ou seja, como atividade exercida por órgãos públicos, incidente sobre relações privadas e corporificada em um amplo conjunto de atos de regulamentação e de execução que incidem sobre a possibilidade de acesso dos agentes privados ao mercado e o regime da sua atuação, assim como sobre a própria

estrutura do mercado” (YAZBEK, 2007, p. 182); e “Engloba toda forma de organização da atividade econômica através do Estado, seja a intervenção através da concessão de serviço público ou o exercício de poder de

polícia.” (SALOMÃO FILHO, 2008, p. 21).

19 A definição apresentada por Baldwin, Cave e Loge (2012) é “Influência deliberada do Estado regulação

assume um sentido mais amplo e abrange todos os atos estatais que visam influenciar comportamentos

(27)

compreenderia nas intervenções estatais decorrentes do poder normativo, do poder executivo e do poder parajudicial (MOREIRA, 1997) 20.

Em relação à forma das intervenções decorrentes do poder normativo, a regulação abrangeria a aprovação e promulgação de regras, incluindo, leis promulgadas pelo legislativo e as regulamentações da administração pública direta e indireta. Regulamentações essas que, como visto acima, correspondem ao poder normativo da administração pública de editar normas explicitando parâmetros técnicos e normas infra legais. As intervenções decorrentes de atos do poder executivo envolvem a implementação concreta das regras, incluindo as diversas medidas administrativas, como: subsídios, incentivos, medidas de política financeira e monetária. Por fim, o poder parajudicial, relacionado à polícia administrativa, envolve a intervenção pela fiscalização e monitoramento do cumprimento das regras e a aplicação de sanções administrativas na forma de punição das infrações.

Figura 1 – Estrutura da segunda definição de Regulação

Fonte: Moreira (1997, p. 37)

Conforme Figura 1, com exceção do exercício direto da atividade econômica pelo Estado21, esta segunda definição de regulação cobre todas as intervenções do legislativo e da administração pública na economia, incluindo a aprovação de regras, implementação das regras, fiscalização do cumprimento e punição das infrações. De uma forma geral, por este conceito, regulação abrange todas as medidas de condicionamento da ação econômica realizadas, direta ou indiretamente, pelo Estado. “O essencial do conceito de regulação é o de

atos que influenciam as ações econômicas ou sociais. Nesse sentido, algumas dúvidas que a definição proposta

não responde são: o exercício de atividades econômicas pelo Estado seria regulação? decisões judiciais poderiam ser consideradas regulação?

20 Moreira (1997) apresenta uma terceira definição de regulação centrada no Estado, definição esta que inclui,

além de todos os atos da segunda definição, o exercício direto da atividade econômica pelo Estado.

21 Nesse sentido, Eizirik (1982) coloca que ao Estado decidir regular determinado mercado, o Estado

(28)

alterar o comportamento dos agentes econômicos (produtores, distribuidores, consumidores), em relação ao que eles teriam se não houvesse regulação, isto é, se houvesse apenas as regras do mercado” (MOREIRA, 1997, p. 36).

A primeira e a segunda definições de regulação são centradas no Estado. Diante disso, esta segunda forma de definir regulação, a qual incorpora a primeira definição, será, no presente trabalho, chamada de regulação estatal, diferenciando-se, assim, da regulação descentralizada que está relacionada à terceira definição de regulação. Diante destas duas definições de regulação, é possível refletir sobre a definição dada à “autorregulação”. De forma que a definição de autorregulação a ser apresentada em seguida se restringe à noção dada por aqueles que definem regulação como regulação estatal.

Antes de apresentar a definição de autorregulação e suas características, cabe refletir sobre o que seria o prefixo “auto” de “autorregulação”. O prefixo “auto” estaria em oposição ao “outro”, podendo significar o próprio indivíduo ou um coletivo do qual o indivíduo faz parte (BLACK, 1996). Ao fazer referência ao próprio indivíduo, o outro seria qualquer indivíduo ou entidade que não o próprio indivíduo. Ao fazer referência a um coletivo ou grupo, se faz referência a qualquer coletivo ou grupo que não faça parte do Estado (CFA INSTITUTE, 2007). É nesse sentido que Moreira (1997) coloca que regulação estatal é uma hetero-regulação, já que é exercida por órgãos estatais sobre atores econômicos.

No sentido mais literal, ou seja, assumindo que o prefixo auto se refere ao próprio indivíduo, autorregulação significaria agir de acordo com a própria vontade e não de acordo com uma constrição ou imposição externa (OGUS, 2000, p. 588). Mas, segundo Ogus, essa definição não está em consonância com a definição de autorregulação utilizada no contexto jurídico22. No contexto jurídico, autorregulação implicaria algum nível de constrição coletiva à ação do indivíduo que não as imposições estabelecidas diretamente pelo poder público. Existiria, então, uma multiplicidade de arranjos institucionais que poderiam ser classificados como autorregulação e que estariam entre, de um lado, a regulação estatal e, de outro, a ação individual autônoma (OGUS, 2000).

No sentido jurídico, então, existiriam duas formas de autorregulação. A primeira forma de autorregulação decorreria de regras jurídicas espontâneas privadas, formando uma

22 Na literatura econômica ainda existe o uso de autorregulação como capacidade de funcionamento equilibrado da economia sem necessidade de normas, o que corresponderia ao “auto-equilíbrio dos mecanismos

(29)

autorregulação consensual (OGUS, 1995), autorregulação voluntária ou autorregulação privada (MOREIRA, 1997). A segunda forma de autorregulação decorreria da delegação de poderes regulatórios do Estado para um órgão privado, formando a autorregulação delegada (OGUS, 2000) ou autorregulação pública (MOREIRA, 1997)23.

A primeira forma de autorregulação, a autorregulação privada, decorre de regras jurídicas espontâneas privadas que criam um sistema privado de organização independente do Estado. Com base no direito privado, mais especificamente na liberdade contratual e associativa, os indivíduos voluntariamente se autovinculariam a uma organização que passaria, então, a estabelecer regras, monitorar seu cumprimento e aplicar sanções. As formas de coibir as violações estariam fundadas no direito privado e seriam, por exemplo, imposição de multas e a expulsão do participante (TRINDADE; SANTOS, 2012). Portanto a autorregulação privada tem o caráter voluntário, já que o indivíduo pode associar-se ou contratar no exercício de sua autonomia privada, mas uma vez contratado ou associado, o indivíduo estaria sujeito às obrigações ali constituídas.

A explicação para o surgimento destas regras jurídicas espontâneas privadas seria a reciprocidade entre os indivíduos. Os indivíduos reconheceriam os benefícios que obteriam ao agirem de acordo com a expectativa de outros indivíduos e, assim, quando estes benefícios superassem os custos de definição das obrigações, a reciprocidade refletiria em acordos e estipulação de standards de comportamentos (OGUS, 2000, p. 589). Em decorrência da criação voluntária de obrigações por vários indivíduos surgiria esta ordem privada de autorregulação que independe do exercício do poder pelo Estado.

Contudo, a autorregulação como fenômeno jurídico também pode ser formada pela delegação dos poderes regulatórios do Estado, o que é chamado de autorregulação pública. O Estado pode delegar seu poder regulatório a atores privados, com isso, atores privados adquiririam alguns dos poderes da regulação estatal, como, o poder de promulgar regras mandatórias, o poder de fiscalizar e o poder de aplicar sanções. Este tipo de

23 Esta caracterização da autorregulação é também, comumente, feita por pesquisadores brasileiros. Nesse

sentido, Nelson Eizirik coloca: “Por autorregulação entende-se basicamente a normatização e fiscalização, por parte dos próprios membros do mercado, organizados em instituições ou associações privadas, de suas atividades, com vistas à manutenção de elevados padrões éticos. Assim, ao invés de haver uma intervenção direta do Estado, sob a forma de regulação, nos negócios dos participantes do mercado, estes se autopoliciariam no cumprimento dos deveres legais e dos padrões éticos consensualmente aceitos.” (EIZIRIK, 1982, p. 52) O

autor segue apresentando “dois grandes sistemas de auto-regulação”, o sistema de auto-regulação voluntária, que

(30)

autorregulação se aproxima da regulação estatal por estabelecer uma relação não horizontal entre o regulador e o regulado, ou uma relação de poder.

Por esta perspectiva, a autorregulação, então, teria vantagens e desvantagens inerentes em relação à regulação estatal. Como vantagens, estariam (i) a experiência e conhecimento técnico dos autorreguladores, visto a proximidade entre regulador e regulado; (ii) a possibilidade de inovar no exercício de suas funções, já que o autorregulador não está vinculado à hierarquia e legalidade estatal; (iii) a redução do custo informacional, também proporcionado pela proximidade entre regulador e regulado; (iv) a redução do custo de monitoramento e enforcement, já que pela interação entre regulador e regulado haveria uma confiança maior entre eles, (v) a menor formalidade dos órgãos autorreguladores e o menor custo decorrente desta menor formalidade, e (vi) os custos administrativos internalizados pelos autorreguladores, não havendo o custeio por impostos arrecadados pelo poder público (OGUS, 1995, 2000). Essas vantagens da autorregulação estariam relacionadas às falhas identificadas como inerentes à regulação estatal, a qual teria falhas instrumentais, falhas informacionais, falhas na implementação e falhas motivacionais (BLACK, 2001, p. 106). Já em relação às desvantagens ou aos riscos da autorregulação, os adeptos dessa perspectiva apontam o conflito de interesse do autorregulador, o qual teria incentivos para regular em favor dos membros e regulados (EIZIRIK, 1982; TRINDADE; SANTOS, 2012).

Como pressuposto da definição de regulação como regulação estatal e de autorregulação como o exercício da regulação por órgãos coletivos não estatais, portanto, tem-se que só existem relações de poder com a regulação estatal ou com a autorregulação pública, visto que a regulação estatal é a única forma de constituir obrigações unilaterais aos indivíduos, ou seja, sem o consentimento expresso e direto destes24. Pela regulação estatal ou pela autorregulação pública, são, então, estabelecidas forças imperativas e coercitivas à conduta dos indivíduos e à ação econômica, ou seja, existe a intervenção estatal nas relações econômicas. Sem a regulação estatal, ou sem a intervenção do Estado, as ações econômicas seriam totalmente voluntárias, autônomas e independentes de quaisquer forças coercitivas externas. A autorregulação privada decorreria da voluntariedade dos indivíduos em

24 Mesmo o estabelecimento de regras pelo Estado é, pelos contratualistas políticos, vista como detentoras de um

(31)

estabelecer obrigações a si próprios por meio de contratos ou da voluntariedade dos indivíduos em associarem-se a uma organização que estabeleça obrigações25.

A partir da definição da dicotomia regulação/autorregulação, grande parte das pesquisas sobre regulação centrou-se nos objetivos, justificativas e finalidades da regulação26. O debate, então, concentra-se em quais seriam os objetivos ou justificativas da regulação estatal e da autorregulação. Por um lado, os defensores da “escola do interesse público” apontam que a regulação ou a autorregulação deve visar atingir o interesse público. Por outro lado, os defensores da “escola neoclássica” propõem a preservação do mercado ou a correção das falhas de mercado como objetivos da regulação27.

A escola de interesse público aponta que os objetivos da regulação estão relacionados ao interesse público. Já a escola neoclássica tem duas vertentes, as teorias que apontam como objetivo da regulação a correção de falhas de mercado e a teoria da captura. Pelas teorias das falhas de mercado, a regulação teria como objetivo a correção ou superação de falhas existentes nos mercados reais. Yazbek (2007, p. 184–185) aponta três objetivos da regulação financeira que vise à correção dessas falhas: (i) controle das posições de poder no mercado, ou seja, o controle de monopólios e oligopólios; (ii) controle e administração das externalidades que podem decorrer de outras atividades financeiras, como o risco de contágio e o risco sistêmico; (iii) correção de assimetrias informacionais.

A teoria da captura28 aponta a impossibilidade da regulação substituir o mercado e defende a desregulação. Por esta perspectiva, no estabelecimento dos objetivos da regulação, os interesses privados prevaleceriam aos interesses públicos, já que os órgãos reguladores se sujeitam à influência de alguns grupos de interesse, incluindo, mas não se limitando aos

25 Trindade (2012) e Yazbek (2007) colocam que, mesmo na autorregulação privada, a relação entre instituição

autorreguladora e o regulado não é horizontal, mas sim uma relação de subordinação. Mas, como visto, essa subordinação decorre da liberdade do indivíduo de contratar ou se associar. Nesse sentido, Moreira aponta que

“a auto-regulação só é ‘auto’ na medida em que é estabelecida por uma instituição associativa ou representativa

dos próprios regulados” (MOREIRA, 1997, p. 56).

26 Alguns trabalhos que visam discutir os objetivos, justificativas e finalidades da regulação são: Eizirik (1982),

Salomão Filho (2008) e Yazbek (2007). Na literatura internacional, é possível citar Posner (1974) e Ogus (2009).

27 A nomenclatura da classificação de “escola de interesse público” e de “escola neoclássica” foi feita por

Salomão Filho (2008). Contudo, outros autores, como Posner (1974) e Ogus (2009), fazem uma classificação diferente, incluindo autores que consideram a correção das falhas de mercado como objetivo da regulação, como

uma teoria de “public choice”.

28 A teoria da captura vista por uma perspectiva e metodologia econômica passou a tornar-se referência com

(32)

regulados (POSNER, 1974). Pela teoria da captura, a regulação serviria a interesses privados de grupos politicamente eficientes.

Como o poder coercitivo estatal pode ser usado por indivíduos ou grupos para obter benefícios, a regulação poderia ser vista como um produto em que a alocação é estabelecida pelos princípios da oferta e da demanda. Com isso, a regulação teria um valor e poderia ser analisada como um mercado, de forma que é esperado que o produto regulação fosse ofertado àqueles que mais se beneficiariam ou que mais o valorizariam, levando em consideração os custos em obtê-la (POSNER, 1974, p. 344). Para obter uma regulação favorável, os grupos de interesses privados interviriam no processo político de formulação da regulação e aquele grupo que estivesse disposto a arcar com o maior custo para influenciar o processo ou que fosse mais eficiente em fazê-lo obteria uma regulação mais favorável a seus interesses. Com isso, a regulação, apesar de em princípio e aparentemente ter como objetivo o interesse público, na verdade, serve ao interesse de algum grupo privado (POSNER, 1974).

Por esta perspectiva, então, regulação seria um ato privativo do poder público e autorregulação estaria se opondo a esse conceito de regulação, de forma que seria o estabelecimento de regras voluntárias por atores privados ou o exercício do poder regulatório delegado pelo Estado a atores privados.

Das definições de regulação como regulação estatal e das correspondentes definições de autorregulação, já foi possível notar constantes menções à distinção entre público e privado. Nesse sentido, a regulação estatal seria a intervenção do poder público na ordem privada e a autorregulação é classificada em autorregulação pública e a autorregulação privada29.

A premissa da dicotomia entre público e privado é a distinção entre a esfera privada, livre de relações hierárquicas ou relações de poder, e a esfera pública, em que as relações são hierárquicas e em que existe o poder do Estado (HORWITZ, 1982). As relações estabelecidas no âmbito privado representariam relações entre atores em posição de igualdade ou atores juridicamente com o mesmo valor. Já as relações estabelecidas no âmbito público representariam relações entre atores com valor jurídico diferente, sendo um ator hierarquicamente superior a outro. Neste âmbito público, um dos atores teria a faculdade de obrigar outros atores por uma manifestação unilateral de vontade, emitindo normas pelas

29 Os conceitos de autorregulação privada e autorregulação pública, como apresentado, foram elaborados por

(33)

quais o destinatário é juridicamente obrigado a uma conduta. Então, no âmbito privado não se reconhece obrigações ou regras como lei, já que é necessária a atuação do Estado para que haja qualquer exercício de poder ou restrição legítima à autonomia privada dos indivíduos.

Seguindo a mesma lógica das distinções regulação/autorregulação e público/privado, tradicionalmente haveria apenas duas formas de organização da sociedade a hierarquia (ou o Estado) e o Mercado. Enquanto o Mercado é caracterizado por relações entre indivíduos iguais e autônomos, com relações baseadas na voluntariedade de cada um dos indivíduos, a hierarquia é caracterizada por relações assimétricas, em que uma das partes da relação pode impor condições e restringir a autonomia da vontade da outra parte.

No Mercado existiriam agentes em número significativo que nenhum deles poderia, isoladamente, afetar as condições das relações estabelecidas, de forma que as relações seriam estabelecidas com base na igualdade e horizontalidade. Com isso, caso uma das partes contratantes se depare com condições indesejadas, complexas ou suspeitas impostas por outra parte, bastaria recorrer a outro ator do mercado.

Apenas em situações em que não houvesse atores suficientes para recorrer, ou seja, em situações de monopólio ou oligopólio haveria relações desiguais no Mercado. Nesse sentido, “o agente que disponha de maior poder de mercado (de posição dominante) não estará sujeito às pressões de seus competidores e, por outro lado, aqueles que precisem com ele contratar ficam em situação de sujeição.” (YAZBEK, 2007, p. 40). Por essa posição, os atores com poderes decorrentes de sua posição de mercado podem pautar a ação de outros indivíduos, gerando uma constrição externa à sua autonomia privada ou controle de comportamentos.

Ogus (2000) aponta para a possibilidade de existência de órgãos autorreguladores que têm o monopólio na definição da autorregulação30. Nessa situação, os autorregulados não teriam opção para a adesão a outro órgão autorregulador e teriam que se submeter às regras estabelecidas pelo autorregulador monopolista. Com isso, o único órgão autorregulador teria o poder decorrente do monopólio existente, estando os regulados em posição de sujeição. Contudo, Ogus aponta a possibilidade da existência do poder de monopólio de órgãos

30 Uma reflexão semelhante sobre o poder de monopólio de órgãos autorreguladores foi feita por Posner sobre as

(34)

autorreguladores apenas em decorrência da delegação estatal, ou seja, do exercício da autorregulação pública. O autor não aponta para a existência de monopólio no exercício da autorregulação privada. Mas é possível que em setores em que existe um monopólio natural ou territorial surja um órgão monopolista que exerça a autorregulação privada e seja considerado um autorregulador privado monopolista31.

Concluindo este item, as dicotomias regulação/autorregulação, público/privado e Estado/Mercado, têm em comum o pressuposto teórico que as fundamenta. Se por um lado as relações estabelecidas pela regulação, na esfera pública ou pelo Estado são essencialmente desiguais e hierárquicas, de forma que uma das partes, o Estado, exerce o poder e sujeita à outra. Por outro lado, as relações estabelecidas pela autorregulação, na esfera privada e no Mercado são autônomas entre si e pressupõem uma igualdade e horizontalidade, não estando as partes em posição de sujeição. A única possibilidade de haver sujeição, controle ou poder nas relações privadas e do Mercado, é o exercício do poder monopolista, podendo, inclusive um órgão autorregulatório exercer uma autorregulação privada pelo poder monopolista.

2.2.O que é regulação pela perspectiva descentralizada e quais seus pressupostos?

Conforme visto, a definição de regulação como regulação estatal pressupõe que o Estado é o único ator capaz de controlar e comandar os indivíduos e os atores econômicos. Contudo, atualmente o processo de produção normativa vem passado por dramáticas mudanças em relação aos atores envolvidos e à natureza das normas formuladas (ZUMBANSEN, 2010). A participação de diferentes atores, públicos e privados, e a atuação desses diferentes atores na produção normativa e na regulação, então, tornam questionável a utilidade e a possibilidade da classificação desses fenômenos pelas dicotomias regulação/autorregulação, público/privado e Estado/Mercado.

Diante da dificuldade em utilizar as tradicionais dicotomias para classificar os fenômenos normativos e regulatórios contemporâneos, alguns autores buscaram construir conceitos que permitissem considerar a produção normativa e a regulação como decorrentes das mais variadas relações entre os diferentes atores estatais e não estatais. Portanto, para a

31 Posner (1995) aponta para a possibilidade da existência de restrições a prestação de serviços profissionais

(35)

apresentação de alguns desses conceitos, primeiro será apresentada a terceira definição de regulação, a qual está relacionada à noção de regulação descentralizada. Após definido o conceito, serão apresentados os principais pressupostos da regulação descentralizada. Depois será estabelecida uma relação entre o conceito de regulação descentralizada e outros conceitos relacionados, especificamente, o de Governança e de Rede de Governança para, após isso, localizarmos o debate acadêmico que propõe a construção destes conceitos na literatura de política econômica.

Antes de apresentar a terceira definição de regulação, cabe apontar que a definição de regulação descentralizada foi sistematizada por Julia Black, mas como a própria autora afirma, o entendimento sobre a descentralização remete à teoria dos sistemas e à literatura sobre Governança (BLACK, 2001, 2002). Nesse sentido, apesar de ter sido utilizada, principalmente, a definição de regulação descentralizada exposta pela autora, algumas ideias de Gunther Teubner, representante da teoria dos sistemas, e de Roderick Rhodes, representante da literatura sobre Governança foram utilizadas para, respectivamente, esclarecer o papel dos mecanismos extralegais em substituição de sanções legais e esclarecer as relações de interdependência entre os atores na regulação descentralizada.

A terceira definição de regulação é chamada de regulação descentralizada por se afastar da presunção de que o Estado tem o monopólio no exercício do poder e do controle da sociedade. Nesse sentido, o principal aspecto do conceito da regulação descentralizada é a relativização da centralidade e hierarquia na relação entre o Estado e a sociedade, alterando a ideia de uma relação hierárquica para uma noção de relação heterárquica (BLACK, 2001, p. 145).

(36)

Portanto, o uso do conceito de regulação remete, principalmente, as estruturas de constrições do comportamento dos indivíduos, organizações ou sistemas (BLACK, 2002). Como pela perspectiva da regulação descentralizada entende-se que o controle das condutas não é só uma atividade estatal, a definição de regulação como regulação estatal é restrita e pouco auxilia na descrição, explicação e avaliação de fenômenos regulatórios contemporâneos. Os fenômenos de controle de condutas decorrem, atualmente, das mais diversas relações entre atores estatais e atores não estatais, atores locais e transnacionais, os quais utilizam os mais diversos mecanismos jurídicos e não jurídicos. A regulação pode, então, existir na ausência de sanções formais legais, de forma que “existe regulação em muitos espaços” (BLACK, 2007, p. 259)32.

Mas voltando a definição de regulação por uma perspectiva descentralizada, se a definição de regulação como uma atividade estatal é restrita, a solução seria definir regulação como qualquer forma de constrição de comportamentos? Apesar de outros autores utilizarem essa definição para regulação33, segundo Black (2002), a definição de regulação como qualquer forma de controle social, é tão ampla que o conceito teria pouca utilidade.

Diante disso, a autora propõe a inclusão de alguns aspectos à definição, de forma que, presente estes aspectos, seria possível chamar o fenômeno de regulação. Esta forma de definir um conceito, seria uma definição essencialista34. Dois aspectos centrais na definição de regulação, então, seriam a intencionalidade no controle dos comportamentos e a existência de um problema a ser resolvido ou um objetivo predefinido. Apesar da inclusão da existência de um objetivo a ser alcançado ou um problema a ser resolvido como um aspecto definidor da regulação, não é necessário o atingimento do objetivo ou a resolução do problema para a existência de regulação.

32 Por essa afirmação, Julia Black pretende fazer referência à ideia de pluralismo jurídico, mais especificamente, à afirmação que existe “justice in many rooms” de Marc Galanter.

33 Julia Black aponta alguns autores que definem regulação como qualquer forma de controle social. A própria

definição apresentada por Baldwin, Cave e Lodge (2012) na organização das definições de regulação assume esse aspecto amplo, conforme segue: “Todas as formas de influência social ou econômica – todos os mecanismos que afetam os comportamentos, sejam eles mecanismos estatais ou mecanismos de quaisquer outras

origens (ex: mercados), são considerados regulação.” (BALDWIN; CAVE; LODGE, 2012, p. 3, tradução livre do autor).

34Black (2002) apresenta três formas de se definir regulação. A primeira, a funcional, é baseada na função

exercida pela regulação na sociedade e seria algo como “regulação faz ...”. A segunda, a essencial, identifica aspectos centrais do fenômeno e quando presentes estes aspectos, o fenômeno pode ser chamado de regulação,

“regulação é ...”. Por fim, a terceira, a convencional, parte da forma como o termo é comumente utilizado,

(37)

Mas se o conceito se restringir a esses aspectos, quais sejam, controle de comportamentos, intencionalidade, definição de um problema a ser resolvido ou um objetivo a ser alcançado, excluiria algumas iniciativas regulatórias. Black, então, aponta a possibilidade de a regulação ser exercida pelo estabelecimento de standards ou normas, pela coleta de informações sobre como são os comportamentos (monitoramento) e pela modificação de comportamentos (enforcement). Com isso, diante dos aspectos apresentados, a autora define regulação da seguinte forma:

Regulação é a tentativa de alterar o comportamento de outros atores de acordo com normas ou objetivos definidos e com o propósito de produzir um resultado amplamente identificado ou resultados, podendo envolver mecanismos de estabelecimento de standards ou normas, coleta de informações sobre como são os comportamentos e modificação de comportamentos. (BLACK, 2002, p. 20, tradução livre do autor)

A autora estabelece a relação entre a definição de regulação como regulação descentralizada com a definição de regulação como regulação estatal da seguinte forma:

Regulação, por esta perspectiva, não é simplesmente a atividade estatal de usar leis acompanhadas de sanções, é algo maior, consistindo em um contínuo esforço de atores estatais ou atores não estatais de influenciar o comportamento de outros usando uma vasta gama de estratégias com a intenção de produzir um resultado específico. (BLACK, 2007, p. 259, tradução livre do autor)

Segundo Black, o conceito de regulação descentralizada tem cinco pressupostos centrais no que se refere à relação entre o Estado e a Sociedade, pressupostos estes que estão relacionados a uma perspectiva pós-estruturalista35, são elas: complexidade, fragmentação, interdependência e descaracterização da distinção entre público e privado.

A complexidade está relacionada à complexidade na interação entre atores. Os atores são diversos no que se referem aos objetivos, intenções e poderes, estabelecendo, então, interações dinâmicas. Com isso, os problemas sociais decorrem de vários fatores, entre os quais nem todos são possíveis de se conhecer, assim como a natureza e relevância desses fatores estão em constante mudança.

35 Wright e Head (2009) organiza a literatura contemporânea sobre regulação em: (i) teorias normativas, as quais

(38)

O segundo pressuposto, a fragmentação, está relacionado à fragmentação do conhecimento e informação e à fragmentação do poder e controle. Se pela perspectiva dos que definem regulação como regulação estatal, o Estado não conhece ao mercado como o mercado conhece a si mesmo, pela perspectiva descentralizada, não é assumido que um ator sozinho tenha a informação, conhecimento e instrumentos necessários para regular de forma efetiva. Não se assume que um único ator tenha a informação necessária para resolver aos complexos, diversos e dinâmicos problemas sociais, não é uma questão de o Mercado ter e o Estado não ter a informação e o conhecimento para regular, pois não só o conhecimento é fragmentado, como é socialmente construído (BLACK, 2001).

A fragmentação do poder e controle é o reconhecimento de que a regulação não está centralizada no Estado, mas descentralizada, dispersa na sociedade. A regulação descentralizada está, então, relacionada ao debate sobre globalização, mas sua existência e relevância vão além dele (BLACK, 2002). A existência de interações e complexidade nessas interações remete a ideia que todos os atores têm capacidades e problemas, sendo todos eles mutuamente dependentes uns dos outros, eles são interdependentes entre si.

Por fim, a descaracterização ou ruptura com a distinção entre público e privado constitui uma importante abordagem para analisar a manifestação da regulação em organizações híbridas ou redes que combinam das mais diversas formas atores estatais e atores não estatais (BLACK, 2005, p. 105). A regulação descentralizada, então, propõe que a regulação emana de redes compostas pela interação de diversos atores estatais e não estatais.

Regulação é uma atividade que se estende além das atividades estatais, de forma que a regulação pode, por esta perspectiva conceitual, incorporar uma variedade de formas e relações estabelecidas entre o Estado, o Direito e a Sociedade. Esta abordagem possibilita, então, a identificação, criação e análise de arranjos regulatórios que envolvem complexas interações entre atores estatais e atores não estatais e possibilita a identificação de cada um desses atores como reguladores e regulados (BLACK, 2002, p. 21, tradução livre do autor)

Imagem

Figura 1  – Estrutura da segunda definição de Regulação
Tabela 1  – Regras dos Regulamentos dos segmentos de listagem  NOVO
Gráfico 1  – Distribuição de Ofertas pelos segmentos do mercado administrado pela  BM&F Bovespa
Tabela 2  – Número de Investidores no mercado de capitais brasileiro
+7

Referências

Documentos relacionados

Neste capítulo foram descritas: a composição e a abrangência da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio de Janeiro; o Programa Estadual de Educação e em especial as

Além desta verificação, via SIAPE, o servidor assina Termo de Responsabilidade e Compromisso (anexo do formulário de requerimento) constando que não é custeado

De acordo com o Consed (2011), o cursista deve ter em mente os pressupostos básicos que sustentam a formulação do Progestão, tanto do ponto de vista do gerenciamento

Assim, almeja-se que as ações propostas para a reformulação do sistema sejam implementadas na SEDUC/AM e que esse processo seja algo construtivo não apenas para os

Na experiência em análise, os professores não tiveram formação para tal mudança e foram experimentando e construindo, a seu modo, uma escola de tempo

O 6º ano do Mestrado Integrado em Medicina (MIM) é um estágio profissionalizante (EP) que inclui os estágios parcelares de Medicina Interna, Cirurgia Geral,

insights into the effects of small obstacles on riverine habitat and fish community structure of two Iberian streams with different levels of impact from the

O setor de energia é muito explorado por Rifkin, que desenvolveu o tema numa obra específica de 2004, denominada The Hydrogen Economy (RIFKIN, 2004). Em nenhuma outra área