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CONCLUSÃO SOBRE A CONCORDÂNCIA EM PREDICATIVOS DO SUJEITO E EM ESTRUTURAS PASSIVAS NA FALA URBANA E NA FALA RURAL

4 CONCORDÂNCIA NOMINAL EM PREDICATIVOS DO SUJEITO E EM ESTRUTURAS PASSIVAS – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

4.3 CONCLUSÃO SOBRE A CONCORDÂNCIA EM PREDICATIVOS DO SUJEITO E EM ESTRUTURAS PASSIVAS NA FALA URBANA E NA FALA RURAL

Após a análise dos resultados apresentados nos três trabalhos, chega-se à conclusão de que a aplicação da regra de concordância nominal de número em predicativos do sujeito e na voz passiva é quase inexistente em comunidades afro-brasileiras isoladas, enquanto se mantém em torno de 50% na realidade lingüística urbana brasileira.

Nos trabalhos de Scherre e Dias, pôde-se mais uma vez confirmar que o princípio do paralelismo formal continua a atuar de forma significativa, observando-se as variáveis paralelismo formal das seqüências de predicativos/particípios no discurso, as características formais do sujeito e características formais do verbo. Notou-se, assim, que o uso de formas com marcas de plural leva ao uso de outras formas também marcadas no particípio e na voz passiva.

Um outro consagrado princípio foi utilizado, o da saliência fônica. Tomando por base os resultados encontrados segundo as variáveis estruturas do predicativo; processos morfofonológicos de formação de plural e tonicidade dos itens singulares, mais uma vez constatou-se que as formas mais salientes fonicamente recebem mais marcas formais de plural que aquelas formas menos salientes.

Uma última variável estatisticamente relevante foi usada apenas por Dias, a distância do sujeito correferente. O que se notou é que à medida que as distâncias referenciais aumentam, aumenta também proporcionalmente a possibilidade de marcação.

Quanto à concordância de gênero em estruturas passivas e em predicativos do sujeito, a ausência de estudos sobre o tema em variedades lingüísticas urbanas do português brasileiro

indica a inexistência de um nível de variação significativo, sendo este um fenômeno restrito a algumas comunidades rurais afro-brasileiras isoladas, onde a variação chega à ordem de 20%.

Lucchesi, tomando o princípio da coesão estrutural, utilizou a variável concordância nominal de gênero do SN sujeito e, conforme o esperado, observou que nas sentenças com concordância no SN sujeito, a marcação de gênero é significativamente maior que nas sentenças sem marcação no SN sujeito.

O princípio da saliência fônica também se mostrou relevante na pesquisa de Lucchesi, em que, com relação à variável a indicação do gênero no SN sujeito, constatou-se que se faz mais concordância com os predicativos e particípios quando a indicação de gênero no SN sujeito é mais saliente.

Nessa escala de saliência, observou-se uma supremacia na indicação lexical sobre a marcação morfológica, o que permite traçar um significativo paralelo entre o processo de estruturação gramatical das comunidades de fala afro- brasileiras e o processo bem mais radical de reestruturação gramatical dos crioulos de base lexical portuguesa da África, em que a indicação lexical de gênero substitui a marcação morfológica, eliminada na situação de contato radical em que essas línguas se formaram (LUCCHESI, no prelo, p. 20).

Notou-se, também, que há uma tendência significativa no comportamento lingüístico do falante de fazer mais concordância quando fala de si mesmo, porém esse aspecto ainda é pouco estudado pela pesquisa sociolingüística.

Nos dois primeiros trabalhos, os que tratavam da realidade lingüística urbana, observou-se um perfil típico de variação estável, com a faixa etária, em Scherre, seguindo um padrão curvilinear, com jovens e velhos desfavorecendo o uso das formas padrão. Em contrapartida, o observado na realidade de fala rural afro-brasileira nos leva a concluir que está havendo uma implementação da regra de concordância, com um perfil típico de mudança em curso. Em todos os trabalhos, o nível de escolaridade influenciou diretamente no uso da forma de prestígio; quanto mais escolarizado o falante, maior o uso das formas padrão.

Esses resultados mostram ainda mais claramente a realidade lingüística brasileira bipolarizada, com uma norma culta e semi-culta, típica dos segmentos urbanos escolarizados de um lado, e, de outro, uma norma vernácula, composta pelos padrões coletivos da maioria da população brasileira, que, principalmente no interior do país, se apresenta com um nível muito baixo de escolarização.

Essa bipolarização tem uma explicação histórica, já que, durante a colonização, os segmentos da elite mantinham-se sempre sob a influência lingüística direta de Portugal, enquanto a grande massa populacional, composta por índios aculturados, africanos e mestiços,

falava variedades do português alteradas pelo processo de transmissão lingüística irregular, proporcionada pelo contato entre línguas. A partir do final do século XIX, os falantes da norma culta foram se afastando da fala de Portugal, e os falantes norma vernácula passaram a ter seu comportamento lingüístico em um crescente nivelamento devido à grande influência dos centros urbanos, dos meios de comunicação e da escolarização, em desenvolvimento em todo território nacional.

Assim, espera-se encontrar, na fala popular do interior do país, em comunidades rurais não marcadas etnicamente, um índice de concordância nominal em predicativos do sujeito e em estruturas passivas significativamente maior do que aquele observado por Lucchesi em comunidades rurais afro-brasileiras, já que a influência dos centros urbanos cresce a cada dia.

5 ANÁLISE DOS DADOS

Conforme já foi dito no capítulo anterior, a língua portuguesa possui um sistema de concordância bastante redundante, havendo, no sintagma nominal (SN), por exemplo, a marcação de plural e de feminino em todos os vocábulos passíveis de flexão. Toda esta redundância possibilita a ocorrência da variação, e muitas vezes a marcação de número aparece apenas no primeiro constituinte do SN.

Diversos trabalhos científicos se ocuparam e ainda se ocupam do estudo do fenômeno variável da concordância nominal no SN, mas a presente pesquisa buscará trazer maiores esclarecimentos sobre tal variação, porém no âmbito dos predicativos do sujeito e das estruturas passivas, observando os municípios de Santo Antônio de Jesus e Poções, localizados no interior do Estado da Bahia.

Na análise que se apresentará neste capítulo, será considerada tanto a variação no que concerne à categoria gramatical de número quanto em relação à categoria gramatical do gênero e, para a análise quantitativa, fez-se uso de duas bases de dados, uma concernente ao gênero e outra, ao número. Assim como se verifica no interior do SN, a variação de número em predicativos do sujeito e estruturas passivas é documentada e analisada em variedades urbanas do PB (cf. capítulo 4 desta dissertação). Já para a variação de gênero em predicativos do sujeito e estruturas passivas, não se encontram estudos desse fenômeno em variedades urbanas, o que indica que ele se circunscreve às variedades populares do PB. No plano do SN, o fenômeno da variação de gênero foi apenas estudado sistematicamente na comunidade afro- brasileira de Helvécia, situada no extremo sul do Estado da Bahia (cf. Baxter, Lucchesi e Guimarães, 1997; e Lucchesi, 2000).

Neste capítulo, serão apresentados inicialmente os resultados quantitativos da análise do fenômeno da variação na concordância de gênero em predicativos do sujeito e estruturas passivas na linguagem popular dos municípios de Santo Antônio de Jesus e Poções, localizados no interior do Estado da Bahia. Em seguida serão apresentados os resultados da análise variacionista da concordância de número, neste mesmo universo de observação.

5.1 CONCORDÂNCIA NOMINAL DE GÊNERO NOS PREDICATIVOS DO SUJEITO E