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A Sociolingüística Variacionista, liderada pelo lingüista William Labov, veio questionar o que preconizavam outras escolas lingüísticas, como o Estruturalismo, que defendia a língua como um sistema homogêneo e uniforme. No início do terceiro capítulo do livro que fundamenta os estudos variacionistas, Empirical Foundations for a Theory of Language Change, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) interrogam: “Se uma língua tem de ser estruturada, a fim de funcionar eficientemente, como ela funciona enquanto a estrutura muda?” (2006 [1968], p.87), como as pessoas conseguem, então, se comunicar durante os períodos de mudança no sistema lingüístico?

A resposta encontrada na Teoria da Variação é a de que estrutura não é sinônimo de homogeneidade e que é sim possível fazer uma descrição sistemática da variação existente em uma língua. Numa concepção de língua laboviana, a heterogeneidade é algo natural, inerente ao sistema lingüístico, e imaginar uma comunidade em cuja língua não há heterogeneidade seria, segundo Labov, algo disfuncional.

O objeto de estudo da Sociolingüística é, pois, a variação lingüística; esse estudo se dá através da análise da realidade lingüística observável na fala. Para a Teoria Variacionista, a variação é motivada, está correlacionada a fatores internos e externos à estrutura da língua, pois, além de estar encaixada na estrutura lingüística, a variação está correlacionada à forma como a sociedade se organiza social e culturalmente; e a análise estrutural dos processos de variação pode informar sobre os mecanismos que atuam nos processos de mudança em curso na língua.Vale ressaltar, contudo, que variação lingüística não implica necessariamente mudança lingüística; já a mudança, por sua vez, pressupõe uma variação, ou seja, as mudanças surgem de fatos heterogêneos dentro da língua, porém nem todo fato heterogêneo resultará em uma mudança.

Lucchesi diz que “no modelo da Sociolingüística, [...] o que se oferece ao falante não é um sistema homogêneo, unitário e imutável, que se impõe de forma irredutível, mas um sistema heterogêneo sobre o qual o falante atua de acordo com as disposições estruturadas em que a prática lingüística se atualiza” (2004, p.172).

Para a Sociolingüística, os processos de mudança que ocorrem nas comunidades de fala6 são de fundamental importância, e é nessas comunidades de fala que serão observadas as formas lingüísticas em variação. As análises realizadas dentro da Sociolingüística Variacionista observam as variações sistemáticas, dentro de uma heterogeneidade estruturada na comunidade de fala; não há um caos lingüístico, e sim um sistema associado à heterogeneidade da língua falada. Considera-se a língua em seu contexto sócio-cultural, visto que parte considerável das explicações para a variação observada no uso da língua se baseia em fatores extralingüísticos, não apenas em fatores internos ao sistema lingüístico.

A análise das variáveis sociais é que vai delinear o quadro de variação que está ocorrendo na comunidade de fala; poder-se-á observar uma variação estável ou mesmo uma situação de mudança em progresso. Com relação à variação estável, entende-se que a realidade encontrada na comunidade de fala se manterá inalterada por algum tempo, já que nenhuma das formas em uso se mostra mais ‘forte’, não havendo, assim, predominância de uma variante lingüística sobre a(s) outra(s). Já a mudança em progresso mostra a possibilidade de uma variante lingüística sobrepujar a(s) outra(s), tendo o seu uso bastante difundido, de forma que uma variante chegue mesmo a cair em desuso, e a outra tenha o seu uso como categórico.

Com a adoção do conceito de mudança em curso, Labov (1983 [1972a]) mostra que a análise sociolingüística vem rever mais uma idéia que predominava até então, a de que a mudança lingüística só poderia ser observada depois de implementada, não podendo ser estudada diretamente. Lucchesi diz que:

O recurso utilizado por Labov para superar esse obstáculo foi o de procurar entrever a mudança em progresso na variação observada na língua num determinado momento, o que ele definiu como o estudo da mudança no tempo aparente (2004, 166).

Labov (1972a) afirma que a mudança lingüística pode ser observada em seu processo de implementação, pois a variação lingüística não é um fenômeno aleatório, e sim sistemático e que, através da correlação entre fatores lingüísticos e os fatores sociais, poder-se-ia observar a variação sincrônica na gramática de uma determinada comunidade de fala, que refletiria o processo de mudança em curso no plano diacrônico.

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Comunidade de fala, conforme Labov (1972), não é um grupo de pessoas que falam de forma igual, mas um grupo que compartilha traços lingüísticos que o distinguem de outros grupos, comunicando-se mais entre si do que com pessoas de fora desse grupo; acima de tudo, há um compartilhamento de normas e de atitudes frente ao uso da linguagem.

O conceito de tempo aparente, acima referido, é uma espécie de projeção sobre o tempo real. Não sendo possível sempre realizar as pesquisas em tempo real, pela impossibilidade de se voltar no tempo para fazer a coleta de dados ou mesmo pelo fato de, até o início do século passado, não serem os gravadores objetos de fácil acesso, fato que dificultava o registro dos fenômenos observados em comunidades de fala, surgiu a necessidade de se utilizar o recurso do estudo em tempo aparente.

a validade do [tempo aparente] depende crucialmente da hipótese de que a fala das pessoas de 40 anos hoje reflete diretamente a fala das pessoas de 20 anos há 20 anos atrás e pode, portanto, ser comparada com a fala das pessoas de 20 anos de hoje, para uma pesquisa da difusão da mudança lingüística. As discrepâncias entre a fala das pessoas de 40 e 20 anos são atribuídas ao progresso da inovação lingüística nos vinte anos que separam os dois grupos (CHAMBERS e TRUDGILL, 1980, p.165).

O que postula o conceito de tempo aparente é que as diferenças de comportamento lingüístico observadas em determinadas gerações hoje refletiriam momentos anteriores diferentes no desenvolvimento da língua. Esta pesquisa se utilizará do recurso do tempo aparente.

Assim, pode-se chegar à conclusão de que um estudo sociolingüístico tem o objetivo de descrever um fenômeno variável observado em uma comunidade de fala, a fim de analisá- lo, apreendendo e sistematizando as variantes lingüísticas em uso. Para esta análise, lança-se mão de recursos estatísticos, buscando calcular a influência exercida por cada um dos fatores relacionados, lingüísticos e extralingüísticos, estabelecendo uma relação entre o processo de variação sincrônico com os processos de mudança que se operam na estrutura da língua diacronicamente.