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Desde o meu trabalho no Centro de Saúde Escola Germano Sinval Farias, na Fundação Oswaldo Cruz (RJ), no período entre 1995 e 1999, questões sobre meio ambiente me chamavam a atenção, pois a FIOCRUZ localiza-se em área de alta insalubridade e eu sempre refletia sobre a distância que havia entre a grandiosidade e potencialidade da Instituição e as condições ambientais do seu entorno, com problemas tão sérios e não resolvidos.

Dentre as principais disposições do SUS: promoção da saúde, prevenção de agravos e recuperação da saúde, o que mais me instigava – e ainda instiga – são a promoção e prevenção, cujas ações efetivas tornam-se barreiras para as doenças. Daí, o meu interesse por determinantes ambientais da saúde, que me levam aos problemas evitáveis e, portanto, podem ser eliminados ou pelo menos, minimizados. A distribuição espacial da doença é um dos meus principais interesses, analisando o lugar onde as pessoas vivem e suas condições.

Esta pesquisa pretende contribuir para uma nova concepção de território por parte das equipes de saúde, fazendo com que elas compreendam que no território habita pessoas, doenças e sentimentos, capazes de determinar um modo de vida, mas que ao mesmo tempo, passíveis de mudança, dependendo de um conjunto de ações possíveis de serem realizadas.

Transformar o conceito de território em sua operacionalização talvez seja o grande salto que a equipe necessita para a atenção básica se recolocar no lugar de principal porta do Sistema, dando conta dos problemas de saúde da maioria da população e seja capaz de controlar efetivamente os agravos que a atingem.

É uma tarefa que não se concluiu na legislação, desde a Constituição Federal até a regulamentação do SUS (Lei 8080/90). É um trabalho continuo e por isso o legislador atentou para a criação de políticas sociais que contribuam para o bem-estar social, através da ampliação da abordagem intersetorial. A intersetorialidade é o ponto-chave para a promoção da saúde e prevenção de agravos.

A saúde inclui questões filosóficas; alterações metodológicas nas práticas; e mudanças na formação em saúde. E juntas, germinam participação comunitária na construção do processo saúde-doença, juntamente à gestão e equipe. Ter um campus da saúde no município de Lagarto, com pesquisa e extensão, utilizando-se metodologias ativas que discutam e reflitam sobre todas essas novidades didáticas contribui para o fortalecimento do SUS.

O Campus Lagarto “empura” os alunos e professores para o território e no retorno da comunidade é inevitável que o ônibus não continue sendo um cenário da aula que nos faz refletir sobre tantos elementos que compõem a saúde e a vida das pessoas. Os problemas de saúde causados pelos determinantes ambientais, conforme os resultados desta pesquisa de campo, iniciada efetivamente em 2016, é a síntese da nossa rotina, desde 2011, quando começamos o trabalho na atividade PEC (Prática de Ensino na Comunidade).

Ver com maior evidência os problemas ambientais que levam ao adoecimento e queixas recorrentes são necessários para a formação dos alunos, a fim de terem contato com a realidade em que vive a população para que em nenhum momento coloquem em segundo plano os problemas ambientais.

Apesar da realidade a ser enfrentada, houve investimento em saneamento básico de mais de 200%, se comparados os anos 2002 e 2015, como já foi detalhado. Isso nos faz afirmar que os determinantes ambientais não estão totalmente esquecidos. Até porque o saneamento era uma discussão exclusiva da engenharia e isso foi mudando com a participação dos estudiosos da saúde e hoje é um de seus temas básicos. Contudo, não penso que isso seja suficiente. Fundamental é a mudança de paradigmas calcados no modelo biomédico para um modelo de determinação social da saúde.

Um exemplo é a expansão da estratégia saúde da família que diminuiu intensamente a mortalidade infantil. No entanto, ainda nos encontramos longe dos países desenvolvidos, com grau elevado de condições sociais, distribuição de renda e saneamento resolvidos. Por isso, a importância da atenção básica.

Outro aspecto importante é a sistematização e disseminação de informações, contemplando o compartilhamento de dados em saúde, além do entendimento da equipe de saúde, gestão e população, para a relevância de que esses dados sirvam para melhorar a assistência e qualidade de vida da população. Um olhar que deva valorizar o que acontece na vida, no trabalho, no lugar onde as pessoas moram, as relações interpessoais que acontecem entre aquelas pessoas, a interação da equipe, como parte daquele lugar.

Para isso, muitas alternativas são possíveis. Uma delas é o Planejamento Estratégico Situacional, que parte da necessidade da participação dos atores envolvidos, sentindo-se todos parte do processo, com capacidade de compreenderem que mais de uma visão sobre a realidade é possível e a partir do diálogo e interação pode-se construir novas realidades, colocando o território como parte fundamental do SUS.

A proposta de um novo formulário, a princípio, pode parecer mais um ato burocrático. No entanto, é reversível a quantidade de trabalho a médio prazo, pois o tempo investido na recuperação de saúde diminui à medida que os fatores causadores do problema vão desaparecendo. É nessa linha de raciocínio que pretendo ser a contribuição desta pesquisa: a universidade se aproximar da equipe e do território, com todos os seus atores, refletindo sobre questões óbvias, como diz Barata, mas que na prática diária há uma invisibilidade.

Durante o trabalho de campo, percebemos um orgulho de pessoas que construíram o SUS em Sergipe, pessoas que vieram do PACS, criaram o PSF e chegaram à ESF. Ao mesmo tempo, uma demonstração de desânimo em relação a algumas situações do cotidiano do trabalho.

O orgulho das pessoas que compõem a história do SUS em Lagarto deve ser resgatado, juntamente com abertura de espaços em que elas possam relatar suas angústias e demandas, ao mesmo tempo em que suas grandes contribuições ao Sistema possam ser-nos transmitidas como ensinamentos. Diante de tanta contrainformação sobre a saúde no país, é necessário realçar os avanços efetivos que o Sistema vem alcançando em seus poucos trinta anos de existência, com os seus bons projetos.

Esta pesquisa traz um compromisso de desconstruir os sentidos dados aos locais onde as unidades básicas de saúde são instaladas, pelos profissionais que lá tomam posse. A conformação com o “lugar é daquele jeito e sempre será daquele jeito” é um dos fatores detectados nas entrevistas. Nossa contribuição será o fortalecimento da educação permanente no município, mostrando que os problemas de saúde evitáveis só dependem de políticas e estratégias assertivas.

O formulário proposto mapeia a distribuição espacial da doença, gerando novas informações próximas à realidade, de forma que sua ação avaliativa semanal dá maior visibilidade dos problemas à equipe.

A equidade é um dos princípios do SUS que define como os recursos devem ser distribuídos entre a população, tendo a premissa de dar mais a quem precisa mais e menos a quem precisa menos. As comunidades trabalhadas precisam melhorar a qualidade ambiental, responsável por número significativo de adoecimento da população estudada, mas que se repete em locais com as mesmas condições ambientais.

A pesquisa realizada mostrou as ações dos profissionais baseadas fortemente no modelo biomédico e isso distância a avaliação sobre equidade, na medida em que a referência desses profissionais é o ambulatório e o território fica em segundo plano e às vezes nem isso. A falta de conhecimento sobre a realidade do cotidiano onde as pessoas efetivamente vivem faz com que a equidade não seja cumprida.

Os profissionais apontam na maioria das vezes o SUS como um sistema perfeito que atende a todas as questões da Saúde e ao mesmo tempo fazem críticas sobre o cotidiano do sistema e dizem que o SUS não dá certo. A percepção do “não dá certo” muitas vezes está conectada com as impressões do senso comum em que a saúde é mostrada como um fracasso nacional. Essa reprodução acontece mesmo naqueles que são profissionais da saúde, pois eles são pessoas que recebem essas influências sociais.

Observamos em algumas situações a falta de compreensão sobre a dinâmica histórica da saúde e como as alternâncias são percebidas pelos profissionais. Outra questão importante é a referência do ambulatório para a equipe. A formação profissional está muito mais envolvida com a doença do que propriamente com a saúde e por isso o ambulatório passa a ser a representação social do papel do profissional da saúde. É ali sua principal atuação.

É preciso que o território seja estimulado como um lugar de prática cotidiana. Para isso, é preciso que a educação permanente em saúde avance e seja um processo contínuo para cada vez mais se discutir o conceito de saúde ampliado, que extrapola o corpo do sujeito, abrangendo fatores do lugar onde ele vive. Os determinantes ambientais de saúde oportunizam as reflexões sobre a amplitude do conceito de saúde e a dimensão do cotidiano da população. Um aspecto muito favorável ao realizar trabalho de extensão e pesquisa no município de Lagarto é a compreensão da administração municipal sobre a importância das parcerias. A receptividade da prefeitura foi positiva desde a instalação do campus em 2011 e a universidade tem sido muito bem recebida para realização das propostas sugeridas. Esse aspecto facilitador ajuda a incluir a universidade na vida do município.

Para finalizar, o papel da universidade é fundamental como colaboradora/articuladora, de forma que todos os setores possam contribuir, transformando esses lugares insalubres, com riscos e vulnerabilidade, em lugares onde as pessoas tenham garantida qualidade de vida e bem-estar, com novos olhares sobre o processo saúde-doença, tendo consciência de que ainda estamos fortemente ligados ao modelo biomédico, em transição para um modelo mais integrativo.

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