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CONCLUSÃO

No documento thaisfernandessampaiodoutorado (páginas 144-148)

Matriz 6: Verbo de Argumento Cindido-lexema

6 CONCLUSÃO

A análise da CAC como uma construção de tópico não é exatamente uma novidade. Vimos que isso já é sugerido em Pontes (1987), e aceito por Cançado (2006) e Perini (2008). Entretanto, nenhum desses autores trabalha especificamente com a CAC. Nesses estudos, a CAC aparece como um elemento de um grande conjunto de construções de tópico do PB. Desse modo, faltava um estudo específico, que lhe garantisse uma descrição adequada, desse conta de suas especificidades sintático-semânticas e analisasse suas condições de uso. Esta é, pois, a lacuna que acreditamos ter preenchido.

Os constructos teóricos da Gramática das Construções permitiram-nos abordar esse fenômeno linguístico de um modo, ao mesmo tempo, abrangente e coeso. Com o olhar filtrado pelas lentes de tais constructos teóricos logramos reconhecer nesse par forma-sentido – absolutamente regular no Português do Brasil – uma Construção de Estrutura Argumental, pragmaticamente motivada, na qual é possível identificar um desencontro sintático-semântico.

Um aspecto relevante da abordagem aqui proposta é o fato de termos voltado nosso olhar para a materialização do fenômeno lingüístico, buscando aliar a introspecção do linguista, inegavelmente valiosa, ao dado de uso, que – apesar de ser apenas a ponta do iceberg – é o que o linguista tem de concreto. Em um momento em que as grandes vertentes de estudos da linguagem parecem convergir para o reconhecimento de que análises de fenômenos lingüísticos devem considerar fatos sobre o uso lingüístico efetivo, apresentamos uma análise construída a partir de dados reais de uso do Português do Brasil.

Superada a dificuldade de reunir dados em número expressivo, a conciliação dos pressupostos teóricos assumidos, das hipóteses previamente construídas e dos dados da realidade

da língua em uso não se deu sem grandes confrontos. Em muitos momentos, fomos obrigados a aprofundar nosso embasamento teórico, reformular algumas de nossas hipóteses e lembrar que os dados são como são e não como gostaríamos que fossem. Ao longo do processo de análise, fomos surpreendidos pela produtividade da construção e pela regularidade com que ocorre em determinados contextos de uso. Partindo de um tipo de ocorrência, descobrimos quatro membros de uma família de construções. E, na medida em que o estudo avançava, fomos acumulando evidências de sua motivação pragmática. A análise apresentada foi, pois, resultado de um rico e significativo processo de construção de conhecimento acerca de um conjunto de construções do Português, que se encontrava em grande medida encoberto pelos estudos de descrição da nossa língua.

A construção aqui rotulada CAC-artefato, por exemplo, é citada em vários estudos (PONTES, 1987; CANÇADO, 2006; CIRÍACO, 2007; PERINI, 2008) – normalmente com o famoso exemplo “O carro furou o pneu” – como uma construção que mereceria uma análise específica e uma descrição rigorosa, dado seu uso profuso e sua curiosa estrutura sintático- semântica, evidente já ao primeiro olhar mais atento. Da mesma forma, surpreendeu-nos o fato de a construção CAC-parte do corpo, que é, como comprovou nossa pesquisa, a estrutura prototípica do Português para expressão de dano sofrido em parte do corpo, carecer ainda de um estudo descritivo e analítico que elencasse suas características formais e evidenciasse suas condições de uso.

O preenchimento dessas duas lacunas já configuraria uma significativa contribuição para o trabalho, assumido por centenas de lingüistas das mais diversas áreas, de descrição do Português do Brasil. Contudo, esta tese vai além. Ao identificar a relação entre essas duas construções, argumentando que ocorrências como Maria quebrou o braço e O carro furou o pneu

são, de fato, instanciações de uma mesma construção – a Construção de Argumento Cindido, que conta ainda com outros dois subtipos, com ocorrências do tipo Rubinho quebrou o carro e A gasolina subiu o preço –, esta tese fortalece a hipótese cognitivista de que a gramática é uma rede de construções, e que precisa ser descrita e analisada como tal.

De fato, acreditamos ter demonstrado ser viável – e absolutamente válido – realizar um estudo baseado no uso, que não se esgota em análises quantitativas. Conscientes de que este trabalho não se encaixa no que é tipicamente rotulado “Linguística de Corpus”, entendemos que ele se apresenta exatamente como uma proposta alternativa de abordagem, condizente com a chamada Gramática das Construções Baseada no Uso (seção 4.1), vertente ainda muito pouco explorada em trabalhos realizados no Brasil, com dados do Português.

Como mencionado ao longo do texto, um dospressupostos da Gramática das Construções é a idéia de que as regras de composição sintática estão diretamente associadas a condições de interpretação e de uso, na forma de traços semânticos e pragmáticos (KAY; MICHAELIS, 2008). Por essa razão, entendemos que nosso estudo avançou também no sentido de apresentar uma proposta de formalização da construção que licencia o conjunto de verbos principais dessa Família de Construção de Argumento Cindido, reunindo os diferentes traços envolvidos na constituição do signo. Nessa perspectiva, oferecemos uma formalização, nos termos da Sign- Based Construction Grammar (SAG, 2010; MICHAELLIS, 2009), capaz de dar conta dos principais aspectos envolvidos no licenciamento dessa construção de estrutura argumental do Português do Brasil.

Salomão (2008) afirma que “análises emergentistas (baseadas-no-uso e/ou focadas no estudo da gramaticalização das formas linguísticas) devem estar também comprometidas com o emprego de uma metalinguagem replicável e com a postulação de categorias teóricas

consistentes”. Tal comprometimento foi estabelecido como um requisito imprescindível para o desenvolvimento deste trabalho. Ao considerar o produto final de um desafiador processo de pesquisa, acreditamos ter atendido esse requisito.

Tendo em vista os objetivos anunciados em nosso texto introdutório e o percurso analítico percorrido, os principais ganhos desta tese podem ser assim elencados:

• Identificação da Construção de Argumento Cindido como uma Construção de Estrutura Argumental do PB, comprovação de sua frequencia e regularidade, e descrição de seus aspectos sintáticos, semânticos e discursivos;

• Postulação da Família de Construções de Argumento Cindido, com quatro subtipos – CAC-artefato, CAC-parte do corpo, CAC-posse alienável, CAC-item-propriedade –, caracterizando uma bem estruturada rede de construções do PB;

• Descrição e análise, a partir de dados de uso efetivo da língua, de um representativo conjunto de construções do Português do Brasil, que ainda não havia sido objeto de um estudo a elas dedicado especificamente;

• Reunião de evidências a favor da motivação pragmática da Construção de Argumento Cindido, fundamentando a afirmação de que esta é uma Construção de Tópico do Português do Brasil;

• Postulação de uma Construção de Classe Lexical, licenciando os verbos que ocorrem em todos os subtipos da CAC. Uma solução elegante e econômica, totalmente coerente com os objetivos da SBCG e com os pressupostos da Gramática das Construções.

No documento thaisfernandessampaiodoutorado (páginas 144-148)