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Desde os primórdios da Humanidade que o suicídio, como a morte em geral, tem despertado uma grande curiosidade e inquietação no ser humano (Bayard, 1993; Kastenbaum & Aisenberg, 1983; Morin, 1998; Shneidman, 1996, cit. in Oliveira, 2003).

Na presente investigação procurámos contribuir para um conhecimento mais aprofundado do fenómeno do suicídio na região do Alentejo, tendo como principal objetivo conhecer o modo como as pessoas da microcultura alentejana com história de tentativas de suicídio, constroem e significam esta experiência de vida. Para tal, recorremos às narrativas de sujeitos que tentaram o suicídio, afigurando-se estas como o recurso ideal para acedermos aos significados construídos, bem como, para contextualizar os seus episódios de tentativa de suicídio.

Através destas, foi possível conhecer o caráter idiossincrático presente em cada uma das histórias narradas, surgindo a necessidade, de olhar para cada uma delas de forma única e isolada, não descurando a importância de se “ler” e interpretar estas histórias com base nos aspetos culturais, sociais e contextuais nos quais os sujeitos estão inseridos e onde as quais ganham sentido. Neste sentido, Gonçalves (1998, p.23) afirma que “as narrativas só têm existência num processo interpessoal de construção discursiva e como tal são inseparáveis do contexto cultural onde ocorrem”, acrescentando, ainda, que “a narrativa não é um acto mental individual, mas uma produção discursiva de natureza interpessoal e culturalmente contextualizada”.

Da análise das catorze entrevistas realizadas ressalta a combinação de diversos fatores, de ordem contextual, social e cultural que influenciam fortemente a forma como significam as suas experiências de vida e fazem frente às adversidades que se lhes atravessam no caminho. O suicídio é então visto por estas pessoas como a única saída ou escapatória, resultado de um intolerável sofrimento interior.

Ao nível dos significados atribuídos às suas experiências de tentativa de suicídio, os participantes associam as mesmas, principalmente, ao fim do sofrimento e

à desesperança ou desespero. Como motivações mais prevalecentes para este ato, os participantes referiram a depressão, problemas interpessoais e ainda, a incompreensão por parte de outros significativos. Aliadas a estas motivações, surgem no discurso dos participantes um conjunto de emoções/sentimentos predominantemente negativos

O Fenómeno do Suicídio no Alentejo: Estudo das Narrativas dos sujeitos que tentaram o suicídio

experienciados pelos mesmos no período anterior à tentativa de suicídio e considerados como potenciadores deste comportamento suicidário. De entre as emoções/sentimentos apresentados destacam-se a tristeza, a rejeição, a revolta e a frustração. Deste modo, o comportamento suicidário terá sido desencadeado por uma série de problemas e dificuldades de vida dos participantes, em consonância com fatores culturais, contextuais e sociais que contribuíram para que estas pessoas acreditassem que não seriam capazes de resolver os seus problemas e de alcançar objetivos, afigurando-se o suicídio como a única saída e solução para os problemas.

Foi interessante verificar que o reconhecimento e a aceitação das experiências de vida pode apresentar-se como um passo importante na sequência das tentativas de suicídio. Isto verifica-se no relato dos participantes, em que os mesmos evidenciam sentimentos de arrependimento e vergonha, bem como, uma série de mudanças de ordem pessoal e interpessoal que espelham a sua capacidade de resignificar e de dar um novo sentido e rumo às suas vidas. As mudanças apresentadas pelos participantes na sequência da tentativa de suicídio refletem uma mudança na forma de pensar e de encarar a realidade, acreditando agora, serem capazes de fazer frente aos obstáculos e de ponderarem novas alternativas e opções para a resolução dos seus problemas. Conseguem perspetivar o suicídio de uma outra forma, considerando que o mesmo não resolve os problemas e é inútil, tratando-se de uma doença para a qual deve existir uma resposta urgente e eficaz, de forma a reduzir a prevalência deste fenómeno.

É de salientar que a presente investigação revelou algumas limitações, que merecem ser consideradas. Como seria de prever, não se afigurou fácil a tarefa de recolher a amostra para este estudo, constituindo esta o maior desafio encontrado. Por um lado, devido a todo o preconceito e estigma associados ao suicídio, bem como à vergonha sentida por parte de quem o tentou e receia não ser compreendido, dificultará a partilha por parte destas pessoas da sua história. Por outro lado, o facto de muitos casos de suicídio não serem sinalizados corretamente, tornam ainda mais complicada a tarefa de entrar em contacto com pessoas que tenham tentado o suicídio. Uma outra limitação prende-se com o facto não ter sido realizado nenhum estudo piloto com o nosso guião, de forma a testar a compreensibilidade das questões, no entanto, não se verificaram no decorrer das entrevistas dificuldades na compreensão das questões.

Em termos de eventuais ganhos e contribuições para o futuro, a presente investigação contribuirá para um maior conhecimento do fenómeno na região do Alentejo e logo para o desenvolvimento de programas/estratégias de prevenção do suicídio. Prevenir o comportamento suicida, implica não só evitar a morte de pessoas por suicídio, mas também considerar as sérias implicações que os comportamentos suicidários acarretam na sociedade. Assim, quando se pensa na prevenção do suicídio, deve acreditar-se que existem outras estratégias e possibilidades que se podem oferecer aos indivíduos para estes ultrapassarem as dificuldades que os conduzem a procurar no suicídio a solução para os seus problemas e sofrimento.

O Fenómeno do Suicídio no Alentejo: Estudo das Narrativas dos sujeitos que tentaram o suicídio