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Conclusões: paradoxos e desafios da mudança de paradigma gestionários

No documento Que autonomia para as escolas? (páginas 46-48)

Mariana Dias

5. Conclusões: paradoxos e desafios da mudança de paradigma gestionários

A análise apresentada ao longo deste artigo configura uma situação aparentemente paradoxal. Assim, por um lado, reconhecemos que, apesar das mudanças no discurso político e na legislação, o carácter centralizado da administração da educação tem permanecido como uma “invariante estru- tural do sistema”, ao longo do regime democrático (Lima 2006). Por outro lado, são inúmeros os sinais de convergência entre o processo de reestruturação da escola pública em Portugal e o ocorrido em escolas e outros serviços públicos de diversos países (van Zanten 2007, 2004; Ball 2007, 2003, 1994; Andrade 2006; Maroy 2004; Osborn 2000; Woods 1997; Menter 1997). Nestas circunstâncias parece inevitável reconhecer o carácter híbrido das políticas desenvolvidas em Portugal nas últimas décadas. Este “hibridismo” manifesta-se de diferentes modos, designadamente:

Na utilização no mesmo país, de modos de regulação procedentes de “modelos “distintos, em particular no que se refere à oposição “regulação pelo Estado”, “regulação pelo mercado”. Esta coexistência de “modelos” é descrita por alguns autores com o recurso à metáfora da “cabeça de Janus “(Maassen e Van Vught,1998; Amaral e Magalhães,2001) para sublinhar o “jogo duplo” exercido, simultaneamente, pelas estratégias e práticas de controlo (próprias de uma regulação burocrática e centralizada ), por um lado, e pela promoção da descentralização e da autonomia institucional (próprias dos processos de auto-regulação pelo mercado), por outro”(Barroso 2006:54).

Importa, no entanto, definir qual o sentido fundamental da “convergência” ou da “hibridização” que atribuímos à política educativa desenvolvida nas últimas décadas em Portugal, no que respeita à administração e gestão das escolas. De facto, existe uma grande controvérsia no universo académico, nacional e internacional, sob o sentido da mudança associado com as novas formas de regulação da educação. Enquanto alguns autores assinalam a “despolitização “ e a “privatização “ do espaço público, outros evocam a imagem de “lógica cívica de proximidade” para explicar as mudanças em curso nas escolas públicas:

A aplicação deste compromisso [entre gestão e serviço público] redefine o próprio serviço público: não se trata de modo nenhum de uma rendição ao “clientelismo”, mas de pôr o serviço público mais próximo do cidadão e menos abstracto, de forma a torná-lo ainda mais justo. Referem-se então a uma nova forma de lógica cívica (Boltanski &Thévenot 1991), mais de acordo com as expectativas das pessoas, mantendo-se ao mesmo tempo conforme com os ideais de justiça próprios da escola francesa, e que se pode a esse respeito qualificar de lógica cívica de proximidade. (Dutercq 2006: 102)

Não tem sido essa, na minha perspectiva, a orientação que se tem verificado na redefinição dos padrões de regulação das escolas públicas Portuguesas. A autonomia decretada” não se tem traduzido numa efectiva devolução de poderes à escola, ainda que tenha reforçado a posição de alguns actores locais. A alteração de “status” entre professores e directores, embora em si mesma relevante e neces- sitando de uma reflexão que equacione o seu impacto em termos de uma nova condição e profis- sionalidade docente, não deve ser confundida com uma lógica de participação comunitária. Confirma- se, assim, que o espaço local não é “horizontal” e que existem diferentes modelos de devolução de poderes:

o modelo centrado na direcção em que os poderes devolvidos à escola tendem a con- centrar-se na entidade que assegura a gestão, o modelo centrado nos professores em que uma parte significativa do poder de decisão é atribuída a órgãos colegiais internos à escola,

dominados pelos professores, e o modelo centrado na comunidade, em que os elementos da comunidade, nomeadamente pais e encarregados de educação e representantes de interesses locais, exercem uma influência determinante. (Afonso 1999: 60-61).

Confirma-se, igualmente, que “autonomia da escola” e “autonomia profissional” não são sinónimos e que a influência da “nova gestão pública” se faz sentir mesmo em países onde a regulação pelo mer- cado está longe de constituir uma tradição.

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No documento Que autonomia para as escolas? (páginas 46-48)