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1. O SUJEITO, O PODER E SUAS VERTENTES HISTÓRICAS

1.10 CONCLUSÕES PARCIAIS

O que importa inicialmente é deixar claro alguns pontos acerca da metodologia foucaultiana, especialmente as noções de arqueologia e genealogia. Trata-se de um rompimento com a noção de neutralidade do saber. Para Foucault, inexiste a possibilidade de atingirmos um saber fixo, objetivo, imutável e neutro. Todo saber é constituído em algum momento histórico e obedece a alguma racionalidade específica; todo saber relaciona-se com alguma relação de poder, possui sua estratégia, faz parte de um jogo23.

Na arqueologia, trata-se de compreender como um saber vem a ser o que ele é, quais são as condições históricas que possibilitaram seu surgimento, quais os aspectos envolvidos para que um saber possa ser tido como verdadeiro ou falso, em um dado contexto. Na genealogia, Foucault vai um pouco além e aborda não apenas os saberes, mas os poderes envolvidos no processo de propagação de determinados discursos e práticas que se tornaram importantes ao longo da nossa história. Trata-se de investigar a conexão entre as relações de poder e a formação dos saberes. Com estas ferramentas, Foucault analisa e problematiza temas como a loucura, as prisões e as práticas de si, em diferentes momentos de sua obra. Nunca tentando encontrar a verdade intrínseca a estes temas, e sim, buscando um maior esclarecimento dos mesmos, para que possamos assim, modificar da melhor maneira possível, nossas relações de saber e de poder, construindo e inventando novas relações, não porque estas serão mais verdadeiras, ou porque serão neutras, mas porque não precisamos nos sujeitar ao que nos é dado e temos o poder de problematizar nosso cotidiano, tomando as rédeas de nossa vida.

Nesse projeto de uma ―ontologia crítica de nós mesmos‖, que será mais bem analisado adiante, arqueologia e genealogia são ferramentas que nos ajudam a compreender o presente também através de uma análise de acontecimentos do passado. É analisando a forma como as práticas discursivas e não-discursivas a respeito de algum tema (como loucura ou criminalidade) ocorreram no passado, a ponto de se tornarem o que são atualmente, que podemos compreender que nossas verdades cristalizadas possuem, na verdade, uma existência histórica.

Mais adiante, ao adentrarmos nas considerações sobre o poder, tivemos duas intenções principais. A primeira foi mostrar como não podemos falar, em Foucault, sobre o que o poder é. Não é possível

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falarmos da sua existência ontológica, nem constituir uma teoria sobre o mesmo. O que podemos fazer é compreender como ele se exerce e quais são os seus efeitos, estejam eles evidentes ou escondidos, nos pareçam justificados ou autoritários. Para isso, é importante destacar que o poder está sempre relacionado com o saber, utilizando-se de discursos com pretensões de verdade para legitimar-se, e que isso faz com que muitas vezes algumas relações de poder nos pareçam imprescindíveis, quando na verdade, a genealogia nos mostra que elas possuem um início histórico e são, na verdade, contingentes. O poder também é analisado pelo autor, não como algo que emana de um lugar fixo e estático, de alguma instituição ou autoridade, e sim, como microrrelações que abrangem todo o corpo social. Aqui é importante ressaltar que não se trata de negar as macrorrelações de poder, e sim, de mostrar que até mesmo onde o poder se mostra extremamente enraizado, ele está, na verdade, sendo sustentado por uma série de discursos, envolto por uma série de relações de micropoderes, e modificando sutilmente (embora frequentemente) sua forma. Inexistem situações políticas permanentes, como nos mostra Castelo Branco:

É até mesmo possível que certas relações de dominação possam perdurar – séculos ou milênios, em certas partes do planeta: todavia, isso não quer dizer que suas relações de poder não tenham passado por transformações inevitáveis, resultado dos constantes enfrentamentos das resistências ao poder, nem significa que estruturas de poder aparentemente inabaláveis um dia caiam por terra. É incontestável: não há, não houve, nem haverá Estado, relações de poder, impérios que durem eternamente. (BRANCO, 2008, p. 140). Com isso, é importante que fique claro que, para Foucault, o importante não é atacar a racionalidade do poder ou compreender melhor sua essência, e sim, detectar como se dão as diferentes racionalidades do poder, para que seja possível compreender suas estratégias e seus efeitos, tendo assim, um maior esclarecimento sobre seus pontos de resistência e suas possibilidades de mudança.

O segundo aspecto importante, presente neste capítulo, foi a análise das tecnologias de poder detectadas por Foucault, das quais o autor fez suas genealogias. Para esclarecermos melhor, as análises deste capítulo encontraram-se no chamado segundo eixo de Foucault, e dizem respeito às tecnologias que submetem o indivíduo de maneira

objetificadora. Trata-se aqui de dispositivos de sujeição dos indivíduos, sem ênfase em suas liberdades e autonomias. O sujeito constitui-se no interior da história, e isso vale tanto para as formas de sujeição às quais ele se submete, quanto para as práticas de liberdade que ele cria. Este segundo capítulo trabalhou com tais práticas de sujeição, abrindo portas para trabalharmos com as formas pela quais os indivíduos constituem sua própria subjetividade, apresentam diferentes resistências às diferentes tecnologias de poder e constroem, aqui e ali, caminhos de ética e liberdade.

2. SOBRE A ÉTICA E A LIBERDADE

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