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Capítulo 1 Políticas públicas e políticas de promoção da igualdade racial

1.4. Conclusões preliminares

Conforme a linha teórica que optamos por discutir, as políticas de promoção da igualdade racial não têm uma natureza única, ora assumem um caráter redistributivo, ora de reconhecimento. A história do movimento social negro nos faz admitir que ele caminhou sozinho ao carregar a bandeira de denúncia do falso reconhecimento associado à ideia de democracia racial no Brasil, ideologia que se desmascara nas precárias condições de vida sociais e econômicas da população negra.

As propostas políticas extraem suas raízes no protagonismo de indivíduos que dedicaram a sua vida ao movimento social negro, não havendo partido de esquerda ou de direita que tenha levantado a bandeira de forma autônoma. A luta pela consciência histórica da população negra é um outro aspecto ressaltado pelo movimento social negro, e com a instituição de políticas afirmativas destoada de uma política de reconhecimento de identidade, desemboca fatalmente no que Gomes (2001) discute como o desaparecimento da consciência racial, porque, à medida que negros ocupem determinadas posições antes privilégio da população branca, tendem a reduzir “sentimentos de frustração, de injustiça e sobretudo a forte consciência racial dos negros tenderá também a desaparecer, na medida em que passarão a acreditar que podem obter sucesso na vida unicamente em razão de suas capacidades individuais” (GOMES, 2001:69). Gomes reflete essa discussão sobre os negros dos Estados Unidos, mas aqui, no Brasil, seria o sepultamento de uma consciência da massa negra que nunca existiu.

As políticas de promoção da igualdade racial não objetivam somente ações redistributivas ou de reconhecimento. A sua natureza é múltipla, visam à distribuição de recursos materiais, à busca da dignidade e à integridade física pelo reconhecimento do valor da cultura e da história do indivíduo. Isso poderia ser remediado pela efetiva instituição de ações afirmativas no escopo das políticas de promoção da igualdade racial em que caberia ao Estado monitorar o grau de participação da população negra nos diversos espaços sociais e econômicos e chamar a sociedade para promover a legitimidade democrática.

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Mas o caminho seriam as políticas focalizadas? Acreditamos que o primeiro ponto é entendermos que as políticas de promoção da igualdade racial não excluem a universalidade das políticas sociais. Elas possuem caráter emancipatório ao preconizar a efetividade das igualdades de oportunidade para a população negra. Elas surgem da luta e da organização dos movimentos sociais negros ao longo da história brasileira. As reivindicações e mobilizações do movimento social negro e dos atores políticos internacionais formaram a agenda governamental que tornou possível migrar a questão racial de uma não situação e de um estado de coisas para um problema político. As políticas universais têm como pressupostos a transformação social por meio das estruturas sociais e econômicas, sendo imprescindível a sua aplicação concomitantemente às políticas focalizadas voltadas à questão racial em face da natureza dos problemas raciais no Brasil, que requer um grau de intervenção para reverter um processo histórico de exclusão. A denúncia e os objetivos a serem atingidos pelas políticas de promoção da igualdade racial são as variáveis intervenientes de que a universalidade pode não dar conta.

A desigualdade racial tem sido uma luta encampada pelo movimento social negro não apenas como um resultado do período escravocrata ou das diferenças de classes sociais, mas são efeitos concretos de atitudes racistas baseadas no preconceito racial que perpassa a cultura brasileira.

A análise das circunstâncias da baixa capacidade técnica e institucional das políticas de promoção da igualdade racial nos leva a concluir que essas políticas são ações voltadas à diminuição e à erradicação da desigualdade racial. Todavia, elas carecem de apoio técnico e institucional para alcançar os seus objetivos. A escassez na estrutura de gestão, como a restrição orçamentário-financeira e o dimensionamento quantitativo e qualitativo da força de trabalho, reflete a baixa efetividade dessas políticas. Isso contradiz os discursos institucionais sobre a priorização das políticas de promoção da igualdade racial pelos tomadores de decisão.

Parte dessa análise se vale da literatura atual sobre as políticas de promoção da igualdade racial e sobre os seus operadores. Esses estudos discutidos aqui apontam alguns obstáculos

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para fazer avançar o combate à desigualdade racial na agenda governamental. Primeiro, a dificuldade em admitir que existe racismo no Brasil e que esse perpassa toda a estrutura da sociedade brasileira. Segundo, o mito da democracia racial. O Brasil não alcançou esse ideal igualitário. Contudo, a democracia racial ofusca qualquer tentativa de fazer avançar para a prática o discurso de promover a igualdade racial no Brasil, dando um caráter de neutralidade às políticas públicas (BERNARDINO-COSTA, 2002). Terceiro, há um ambiente social e político para que as pessoas se posicionem a favor das ações de combate à desigualdade racial, sem, entretanto, saírem do caráter protocolar.

Completada a análise da instituição das políticas de promoção da igualdade racial, vimos que as políticas públicas têm o espaço social como a sua arena de intervenção e que cabe ao Estado a promoção da execução dessas políticas. O Estado traz as percepções, os valores e a moral dos indivíduos que neles atuam. As instituições públicas agem sob a condução de seu corpo burocrático. Os atos institucionais podem, dessa forma, estar enviesados de preconceitos, de ideias discriminatórias ou racistas. Como podemos, assim, entender os ideais que perpassam a cultura das instituições públicas refletida em sua prática organizacional por meio da burocracia? É o que pretendemos discutir nos próximos capítulos.

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