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O processo de decisão das políticas públicas e o papel da burocracia

Capítulo 4 – O papel da alta burocracia técnica

4.4. O processo de decisão das políticas públicas e o papel da burocracia

Os burocratas constituem atores do processo de decisão política cujas ações são interrelacionadas durante toda a fase de formulação e de implementação das políticas públicas. Relacionam-se, também, em todas as fases com outros atores públicos e privados. O seu papel, portanto, pode ser a tomada de decisões ou a orientação estratégica para a tomada de decisão.

Operacionalmente, Lindblom (1980) analisa o processo de decisão política e de formulação da políticas públicas nos Estados Unidos. Lindblom (1980) defende que uma das funções dos servidores, ou burocratas, é subsidiar o processo de decisão por meio de análises técnicas; reconhece que os burocratas desempenham papel importante no processo de decisão política. O autor afirma que no senso popular se acredita que os governos precisam se valer mais da pesquisa e das análises para solução de problemas relacionados com as políticas governamentais. Entretanto, apesar de as pessoas acreditarem nesse princípio, desejam que a decisão política se mantenha sempre como um processo político, ou seja, as autoridades devem usar os serviços de analistas e técnicos sem abdicarem de suas funções políticas. Assim, o autor afirma que, de um lado, as pessoas querem que a política pública se baseie em ampla informação e seja bem analisada. De outro, preferem que o processo decisório seja democrático – político. Portanto, um processo de política pública mais científico sem deixar de ser político.

Lindblom (1980) considera que a maioria dos atos administrativos fazem ou alteram políticas já formuladas ao implementá-las. Um exemplo, no Brasil, vamos tomar como referência a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra em que sabemos que as autoridades sanitárias do Poder Executivo deveriam decidir onde, prioritariamente, implementar essa política, quais seriam as especialidades médicas prioritárias, qual seria o perfil demográfico da população alvo, se priorizaria as crianças, os quilombolas, os idosos, as mulheres ou a população negra adulta em geral. Esses procedimentos são definidos por meio de atos administrativos como decretos, portarias, instruções normativas. São atos que formulam, reformulam e muitas vezes ampliam uma política pública já decidida no espaço legislativo.

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Essas lacunas legislativas acontecem, pois, segundo Lindblom (1980), nenhum legislador tem condições de enunciar completamente uma política que cubra todas as contingências, todos os casos possíveis. Assim, prossegue o autor, os formuladores de políticas públicas permitem que os responsáveis pela administração daquela política determinem muitos elementos da concepção apenas esboçada. Esse é um importante espaço de atuação da burocracia.

Logo, corroboramos mais uma vez, pela linha teórica de Lindblom (1980), que a burocracia não atua somente na atividade de pesquisa, na produção de dados e na análise, mas também, como um ator importante na fase de formulação e implementação de políticas públicas, podendo ser uma pedra no caminho da efetividade dessas políticas ou um agente cooperador para o alcance dos resultados previstos pela política. Lindblom (1980) aprofunda a análise ao desenvolver que mesmo que a cientificidade seja considerada apenas um verniz para suavizar a aparência de conflito no processo decisório, tudo é decidido por um critério político, há aqueles que se investem de caráter técnico, mas fazem política para chegar a uma decisão, no nosso caso, seria o técnico-político. Diferentemente da análise weberiana que prega a objetividade nas ações dos técnicos burocratas.

No entanto, uma controvérsia é gerada. Harmon (1995) partindo do pressuposto que há processos de socialização e que por meio das interações pessoais no espaço organizacional é que se dá a tomada de decisão, defende que concentrar a responsabilidade unicamente no indivíduo significa não reconhecer a complexidade dos processos decisórios. Como os indivíduos constroem e reconstroem seus valores e percepções na interação com o outro, a responsabilidade pela tomada de decisão deve ser compartilhada. Se a decisão é compartilhada, ela passa nas mãos de atores situados em diversos pontos no processo de formulação e implementação, inclusive pelos burocratas, como advogamos nesse estudo.

4.5.Conclusões preliminares

Neste capítulo nos propomos a discutir o papel da burocracia sob a luz da teoria da burocracia representativa e da teoria weberiana. Weber considera que a burocracia deve possuir autonomia na condução dos seus processos de trabalho; que o seu poder reside no

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conhecimento técnico e no fato de lidar com a máquina estatal há mais tempo do que o dirigente político. A literatura sustenta que a burocracia técnica desempenha um papel importante, sobretudo no processo de implementação e na alteração de rumo de uma política pública. Acreditamos naquilo que a teoria da burocracia representativa nos sugere, que a burocracia espelha a sociedade em que atua. Dificilmente, propostas de políticas de promoção da igualdade racial irão passar por um burocrata sem que ali ele deite o seu olhar crítico favorável ou em desacordo com diretrizes políticas mais amplas.

O pressuposto weberiano da imparcialidade burocrática e a teoria da burocracia representativa são como água e óleo, difícil de se misturar porque a burocracia técnica tem uma relativa autonomia, mas sofre pressões políticas e sociais para atender a determinações em relação a políticas públicas que estão sob a sua atuação. Entretanto, a autonomia da burocracia se dá, sobretudo entre o grupo que exerce cargos em comissão onde o exercício diário gerencial o leva a ter atitudes mais decisórias. Diferentemente, como vimos por meio dos dados, daqueles que não estão à frente de postos gerenciais.

Como discute a teoria da burocracia representativa, fatores como características pessoais, socialização organizacional e ideologias podem vir a influenciar a atitude da burocracia frente a políticas públicas. A teoria da burocracia representativa tende a analisar esses aspectos relacionando atitudes dos burocratas em relação a políticas que beneficiem minorias.

Quer seja pelas pressões políticas e sociais que sofrem ou pelos seus valores e crenças, pressupomos que devido a sua relativa autonomia, os burocratas agem em nome da coletividade quando fazem julgamentos morais e decidem a condução de determinadas políticas públicas. Até que ponto esse burocrata tem uma responsabilidade subjetiva ou representação ativa para com a população negra ao conduzir políticas do interesse de determinados grupos? Haveria um perfil na burocracia que compreenderia a complexidade da sociedade e a legitimidade das interferências políticas na condução do Estado? Se não há uma diversidade de representação na burocracia técnica - sobretudo nas carreiras melhor remuneradas e que tem um maior leque de atuação e influência -, as políticas públicas que podem beneficiar a população negra estão fadadas ao fracasso pela sua paralisia em razão

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da falta de apoio dessa burocracia. Como nos lembrou um dos dirigentes citados, muitas pessoas negras tiveram experiências de vidas semelhantes, caberia aos burocratas de origem social próxima à da população negra alavancar as políticas públicas que beneficiassem a essa população e outras minorias sociais? Se não por esse esforço individual, poderia a burocracia trabalhar no Estado de forma a influenciar o espaço burocrático em decisões que levem à focalização de políticas para promover a igualdade racial? Essas são questões que nos propomos a colocar em evidência por meio dos dados levantados neste trabalho.

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