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Conclusões e Recomendações

Perseguindo o objetivo de produção em massa a baixo custo, verificamos que as fábricas de software vêm se encaixando nos mesmos modelo e controles daquelas fordistas, embora possuam características próprias (limitação da metáfora).

As ferramentas de controle adotadas nas duas fábricas assumem o papel de “capataz virtual”, um substituto menos intrusivo que o supervisor do modelo fordista, porém mais eficaz, dado que reúne as qualidades da imparcialidade, da permanente atividade sem repouso e da não sujeição à falhas.

A especialização cobrada dos empregados, de modo que estejam adequados à estruturação das equipes segundo o conceito de competências, e a repetitividade das tarefas remetem ao modelo fordista. Assim como também, a presença inequívoca de uma esteira de produção virtual, que percorre tais competências, e pela qual trafegam os produtos em construção/manutenção reforçam a aderência a tal modelo.

Identificamos, portanto, sinais do ressurgimento do fordismo na indústria de TI (Tecnologia da Informação), observados nas fábricas de software, principalmente naquelas estruturadas em competências, em contraponto ao reconhecido movimento em curso de busca pela flexibilização por parte das organizações (pós-fordismo).

Quanto à gestão do conhecimento, os resultados obtidos no item 4.1.1, favoráveis à Fábrica B, apontam que estão dando resultado as medidas lá tomadas com o objetivo de garantir uma documentação de melhor qualidade, que faça fluir melhor o conhecimento entre as competências,

Todavia, foram também constatadas discrepâncias básicas entre uma linha de produção fordista e a linha de produção de uma fábrica de software:

• Software é um produto único, em termos de objetivos, escopo e contexto; donde não constitui objetivo dessas fábricas produzir, através da linha de produção, o mesmo software em larga escala; por conseqüência, através de uma mesma esteira (processo padrão) de produção da fábrica de software circulam produtos distintos;

• Por mais que o processo de desenvolvimento tenha sido automatizado e decomposto em unidades menores, quanto mais inicial é o estágio da esteira de produção da fábrica de software, maior a inteligência e a criatividade requerida para sua execução; embora o processo executado seja o mesmo, não há repetição do artefato que circula na esteira dado que cada software é um produto único, inédito.

Também convém ressaltar as seguintes questões intrínsecas à natureza do processo de desenvolvimento de software, que podem afetar o bom funcionamento dessa esteira de produção, pois limitam os benefícios esperados:

• Em cada etapa, além do artefato produzido, um novo conhecimento que extrapola esse artefato foi gerado e precisa ser transmitido às estações seguintes, sendo que no modelo fordista trafegam pela esteira apenas artefatos; não é rara a necessidade das equipes alocadas numa etapa interromperem as equipes alocadas nas etapas anteriores, em busca desse conhecimento que se perdeu na esteira;

• Muitas vezes, só o conhecimento adquirido numa determinada etapa torna visíveis defeitos do artefato que obrigam seu retorno às estações anteriores.

• Embora estejam formalmente definidas, nas descrições dos processos, as fronteiras de cada etapa de produção, na prática não é viável verificar se elas foram efetivamente alcançadas/ultrapassadas ou não, apesar de ter sido gerado o artefato previsto. Isso porque, além da forma (facilmente verificável), o artefato produzido em cada etapa sempre embute um conhecimento imprescindível para a execução da próxima etapa Porém, a completeza desse conhecimento não é objetivamente mensurável; e mesmo que esteja completo, se não foi precisamente registrado (especificação superficial, incompleta, e/ou inconsistente) vai comprometer a qualidade da fase seguinte;

• O produto de cada etapa da linha de montagem (competências) não apenas desliza na esteira para ser complementado na próxima etapa. Muitas vezes esse produto é a especificação da próxima etapa a ser executada ou no mínimo precisa conter informações determinantes dessa execução;

• Quanto mais o executor de uma etapa conhece sobre o produto que está sendo construído e não apenas sobre o processo que lhe compete, mais ele pode validar o

que recebeu como insumo e, mais ainda, com mais eficácia ele vai executar a sua parte;

• Para a execução da sua tarefa, além das especificações que foram geradas na etapa anterior, é necessário que o executante recorra a um “banco de conhecimentos” dinâmico, compartilhado e atualizado por todos os “operários da esteira”;

• As tarefas de uma fábrica de software embora repetitivas, também embutem processos eminentemente criativos, sendo que muitas delas exigem inclusive discussões para determinação da solução a ser adotada em cada caso específico;

• Os controles adotados exigem a disponibilidade de uma parafernália de sistemas informatizados de apoio à produção, bem como exigem a colaboração do próprio executante.

• Pelas freqüentes alterações de regras e escopo determinadas por mudanças que vão ocorrendo no ambiente do cliente em paralelo ao desenvolvimento do software, não raras vezes o artefato precisa voltar a etapas anteriores da linha de montagem, quebrando o ciclo previsto e interferindo na cadência dessa linha.

Dessa forma, tendo observado o funcionamento das duas fábricas e analisado os dados obtidos, podemos estabelecer comparações e apontar os limites da metáfora esteira de produção:

• Enquanto na esteira fordista a fronteira de cada etapa de produção é bem definida, e se dispõe de especificações claras e precisas do procedimento a adotar e das configurações da peça recebida e da peça repassada, numa fábrica de software a subjetividade das especificações impacta o ritmo da esteira e a conformação da peça repassada. Isso se deve à intangibilidade do produto durante a maior parte do seu percurso na esteira, estando ele, como agravante, sujeito a mudanças e a circunstâncias inesperadas durante sua fabricação.

• Se no modelo fordista, quem trafegava na esteira era apenas a peça em produção, que ia sendo acrescida ou modificada segundo um processo pré-definido, repetitivo, que não variava de peça para peça e era executado individualmente por cada empregado, nessas fábricas de software as peças trafegam junto com conhecimento e não guardam similaridade entre si. Isto é, embora o processo se repita em termos de procedimentos, cada par (peça, conhecimento) que trafega é distinto, o que já confere singularidade a cada tarefa executada.

• Para o empregado de uma fábrica fordista executar sua tarefa, além da requerida habilidade, bastava ao operário conhecer bem as técnicas e ferramentas que lhe cabiam utilizar, não lhe sendo exigido conhecer sobre o produto para o qual a peça que estava sendo fabricada, muito menos conhecer sobre o contexto da utilização daquele produto. Já nessas fábricas de software, todo o conhecimento sobre o produto que surge em cada etapa da fabricação precisa ser identificado, registrado e transmitido às etapas seguintes, e também necessita ser internalizado pelos empregados.

• Nas fábricas fordistas, cada empregado precisava conhecer muito bem o seu papel no processo, mas apenas o seu papel. Já no caso das fábricas de software, quanto mais uma equipe conhecer das etapas posteriores, mais e melhor vai explicitar esse conhecimento dado que terá a sensibilidade de discernir o que é relevante e útil. Isso por ser alto o grau de subjetividade da descrição de cada processo, e a sua perfeita execução depender bastante dos conhecimentos, habilidades, atitudes e experiência do executor.

• No modelo fordista, além de seguir o procedimento pré-estabelecido, não cabia a um empregado repassar qualquer conhecimento adquirido durante a execução da sua tarefa para o próximo executante. Ao passo que nessas fábricas de software, verificamos que o conhecimento gerado numa etapa é insumo para etapa seguinte, donde trafegam por essas esteiras tanto a peça (artefato) como o conhecimento.

• Os controles da produção da esteira fordista eram objetivos e focados na execução do processo: cronometragem do tempo de execução, métricas de produtividade individuais (metas), e verificação da aderência a padrões de qualidade adotados. Já nessas fábricas de software, onde em que pese tais controles sejam eminentemente automáticos e virtuais, a posterior análise dos indicadores obtidos encerra a subjetividade decorrente da intangibilidade do produto.

• A esteira da linha de montagem fordista corria em mão única, isto é, não estavam previstos, via a mesma esteira, retornos da peça à etapa anterior para complementação de algum processo inacabado ou defeituoso. Porém considerando que um software deve ser aderente ao mundo real que sofre constantes mudanças, a concepção desse produto está sujeita às mesmas mudanças, ainda em tempo de desenvolvimento, daí a necessidade da mão dupla para retorno do artefato. Como agravante, pela sua intangibilidade do produto, muitos defeitos produzidos em

etapas iniciais frequentemente só se manifestam posteriormente, posto que a subjetividade das especificações mascara sua possível incompleteza. Assim sendo, na esteira de uma fábrica de software, os retornos não podem ser tratados como exceção.

Em contrapartida, inequívocos sinais de flexibilidade aplicada ao sistema produtivo foram também verificados em ambas as fábricas de software, uma vez que sem exigir mudanças físicas nesse sistema mostram-se capazes de:

• Produzir elementos diferentes, muitas vezes até simultaneamente, através da mesma esteira;

• Aceitar mudanças ou melhoramentos do produto durante o processo produtivo;

• Presta-se à produção de versões ou variantes diversas em proporções diferentes.

Concluímos que tais fábricas, inicialmente concebidas para tirar o máximo proveito das vantagens oferecidas pelo modelo fordista, produção em massa a baixo custo, na prática precisam ser flexíveis pelo menos o suficiente para tolerar inconvenientes sem interromper completamente a produção. Cabe lembrar que numa linha rígida de produção fordista bastava o bloqueio de uma estação para parar toda a produção.

Tal flexibilidade, além de garantir o fluxo da produção quando ocorrem falhas ou imprevistos, também acaba permitindo um trabalho menos vinculado a ritmos rígidos e repetitivos, e dá lugar à necessária criatividade.

Reforçando a caracterização da flexibilidade identificada, a supervisão automática praticada nas fábricas de software libera o supervisor para desempenhar as funções de determinar as estratégias produtivas, planificar o uso de recursos, prever demandas e/ou pedidos. Concorre também para configurar um sistema produtivo flexível, a presença da automação de escritório racionalizando a comunicação e a transmissão de informações.

A exemplo de outros trabalhos de pesquisa que não se esgotam em si mesmo, surgiram algumas questões ao longo desse trabalho que mereceriam ser aprofundadas, porém as lacunas geradas não puderam ser respondidas no universo dessa pesquisa.

Assim sendo, deixamos algumas sugestões de pesquisas futuras que complementem ou dêem continuidade ao presente estudo:

• Seria bastante enriquecedor explorar o ambiente das duas fábricas daqui a um ou dois anos, quando na Fábrica A o conhecimento dos sistemas em manutenção estaria registrado, e na Fábrica B os resultados alcançados com o novo processo de desenvolvimento poderiam ser mensurados;

• Considerando que nas duas fábricas é baixo o percentual de empregados que reconhece na formação superior a fonte de conhecimentos para atuar no modelo fabril de desenvolvimento de software, seria interessante pesquisar o nível de aderência dos diversos currículos universitários do país ao modelo fabril de desenvolvimento de software, bem como caracterizar a fonte desse ensino que vem provendo tal mercado;

• Uma vez verificada a complexidade dos controles para mensuração de produtividade, cumprimento de prazos e de satisfação dos clientes, surge a questão: quanto do tempo dos executores é consumido por tais controles?

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