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Este estudo permitiu lançar um olhar sobre a revisão por pares sob uma nova perspectiva, considerando que a avaliação do conhecimento científico não pode ser pensado apenas como um ponto de chegada, como um limite que separa o processo de produção científica de seu produto e este de seu produtor. Assim, o estudo considerou a importância da publicação de artigos na formação do pesquisador, no desenvolvimento de sua ontogênese intelectual, não só porque é uma maneira de alcançar prestígio e reconhecimento, mas também porque é um espaço fundamental para apreender as nuances que escapam às manifestações objetivas dos campos científicos e que são mais bem percebidas quando da inserção no próprio habitus científico.

Do ponto de vista das descobertas mais específicas, é possível concluir que:

 As razões que explicam a dimensão pedagógica da revisão por pares, de acordo com a percepção dos participantes da pesquisa, estão condicionadas a diferentes fatores que envolvem basicamente três elementos: a revista, a ciência e o indivíduo. Do ponto de vista da revista, a forma como o processo editorial se desenrola, as possibilidades de trocas abertas pelo fluxo editorial, o formato do formulário de avaliação, a disposição do editor em participar mais ativamente do processo são fatores fundamentais para que a experiência de autores e revisores seja pedagógica. No que concerne aos aspectos de ordem científica, a aderência do revisor ao tema tratado no artigo e, portanto, seu nível de especialização; a cientificidade dos argumentos apresentados no parecer, isto é, observações que situam o trabalho e sua importância no contexto da produção científica da área; recomendações de ordem metodológica; e objeto de estudo bem delimitado favorecem a natureza formativa da revisão por pares. Por fim, sendo o processo de revisão por pares uma atividade eminentemente humana, aspectos relacionados ao indivíduo, como a disposição do revisor em contribuir, em fazer uma leitura

minimamente criteriosa do trabalho em questão, em emitir pareceres isentos de vieses políticos e ideológicos e, da parte do autor, a disposição em acatar sugestões contribuem para fazer com que essa experiência avaliativa seja também formativa.

 Pesquisadores brasileiros que têm sua produtividade reconhecida por seus pares acreditam que as implicações das recomendações do parecer avaliativo da revisão de artigos de periódicos impactam não só no documento avaliado, mas também na própria prática da pesquisa, constituindo um espaço privilegiado de formação permanente. Em termos de colégio de áreas, Ciências da Vida foi o colégio onde essa percepção se mostrou mais acentuada, seguido de Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar e Humanidades. Como revisores, os participantes se mostraram mais receptivos às implicações do parecer avaliativo tanto no processo de pesquisa quanto no documento avaliado. Essa percepção reflete uma concepção de que a formação para o exercício da pesquisa científica não se encerra nos cursos especialmente voltados para esse fim, como os de pós-graduação stricto sensu, mas deve ser tomada como um processo contínuo uma vez que, sendo a ciência um campo social, as pressões da sociedade fazem com que seu curso tenha uma dinâmica que exige do pesquisador atualização constante.

 Para respondentes dos três colégios analisados, a percepção sobre as possibilidades de desenvolvimento da ontogênese intelectual do pesquisador por meio da revisão por pares foi significativa e muito similar entre os três grupos. Entretanto, a diferença mais acentuada se evidenciou na mudança de posição dos respondentes, isto é, de autor para revisor. A percepção sobre as contribuições da participação no processo de revisão por pares para formação do pesquisador é maior para autores do que para revisores. Essa inversão de posicionamento resultante de uma inversão de posição revela diferenças, ainda que pequenas, mas significativas, entre os pesquisadores que se colocam no

processo como autores e revisores. Nesse sentido, a revisão por pares é para os autores uma grande oportunidade de formação para a pesquisa e para os revisores uma grande oportunidade de indicar possibilidades de aprimoramento, tanto no documento avaliado, quanto no processo de pesquisa.

No âmbito da percepção de pesquisadores brasileiros com amplo reconhecimento entre os pares, a revisão por pares é mesmo uma grande forma de aprendizagem, atualização e formação em todosos colégios de áreas do conhecimento, embora essa constatação não signifique inexistência de argumentos contrários a essa ideia. Mesmo que o grau de concordância entre as respostas tenha apontado para uma situação favorável em relação às contribuições pedagógicas da revisão por pares, os argumentos que refutam essa ideia são igualmente contundentes, mas convergem para os limites das possibilidades de aprendizagem identificados no trabalho. Em outras palavras, o que se apresentou como justificativa para negar o caráter pedagógico da revisão por pares constitui um obstáculo a ser enfrentado para que os participantes do processo (autores, revisores e editores) convertam uma experiência julgadora em um processo de formação permanente.

Outro aspecto ressaltado por este estudo diz respeito ao fato de que os ganhos pedagógicos não são direcionados exclusivamente para autores, mas também para revisores. O ato de avaliar o trabalho dos pares constitui uma oportunidade de atualização constante e permite ao pesquisador posicionar-se na vanguarda do conhecimento científico quando se torna o primeiro a tomar ciência das descobertas que estão nos artigos sob sua avaliação. Esse exercício, a despeito de concorrer com vários outros que fazem parte da intensa carga de trabalho do pesquisador e do fato de ser percebido como pouco valorizado, traduz-se em um privilégio, já que, especialmente em revistas de grande prestígio, é a qualidade dos revisores e sua importância como pesquisadores proeminentes na área que ajudam a legitimar os argumentos e as críticas contidas no parecer avaliativo, seja para refutar as ideias apresentadas no trabalho, seja para confirmá-las.

Por outro lado, a discussão sugere uma releitura da revisão por pares, ressaltando as trocas intelectuais que acontecem no momento da avaliação de artigos de periódicos e a geração, nos envolvidos, de novos olhares sobre seus próprios objetos de investigação, embora ocorrendo nem sempre de forma harmônica. Trata-se de uma aprendizagem que se manifesta constantemente no processo editorial e que atinge não só autores, como também revisores e editores, porque estes dois últimos, ao assumirem uma posição de relativo controle (autoridade científica) na estrutura da comunicação científica, são os primeiros a se beneficiarem do conhecimento do que se encontra em fase de avaliação. Essa talvez seja a condição que melhor explica a natureza reprodutiva do campo científico, como um terreno, como sugere Bourdieu, em que as lutas pelo monopólio da autoridade científica sejam mediadas pela tensão entre o interesse político e o interesse científico.

7 LIMITAÇÕES DA PESQUISA E SUGESTÕES PARA ESTUDOS