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CAPÍTULO 3- JUVENTUDE: CATEGORIA SOCIAL E HISTÓRICA

3.1 Juventude: Uma categoria heterogênea

3.1.4 Condição e Situação juvenil

As discussões mais recentes sobre o conceito de juventude têm privilegiado uma análise das diversidades que compõem a categoria e trabalham em torno da noção de uma condição juvenil (uma representação simbólica) e uma situação diversa vivida pelos jovens.

Abramo (2008, p. 45) considera que a condição juvenil é constituída pela relação de dependência/independência da família de origem, situação matrimonial, condição de maternidade/paternidade, enfim, atividades nas quais as vidas dos jovens estão centradas (escola, trabalho, lazer). Assim,

A noção de condição juvenil remete, em primeiro lugar, a uma etapa do ciclo de vida, de ligação (transição, diz a noção clássica), entre a infância, tempo da primeira fase de desenvolvimento corporal (físico, emocional, intelectual) e da primeira socialização, de quase total dependência e necessidade de proteção, para a idade adulta, em tese a do ápice do desenvolvimento e de plena cidadania, que diz respeito, principalmente, a se tornar capaz de exercer as dimensões de produção (sustentar a si próprio e a outros), reprodução (gerar e cuidar dos filhos) e participação (nas decisões, deveres e direito que regulam a sociedade) (ABRAMO, 2008, p. 40)

Em virtude da constatação de que a moratória é privilégio da burguesia, a análise sociológica oscilou entre análises que privilegiam o plano simbólico, a partir da ideia de uma

condição juvenil desvinculada das condições materiais e históricas, e análises que privilegiam a posição na estrutura socioeconômica e que, no limite, afirmavam ser tal noção destituída de significação social. (ABRAMO, 2008)

Para resolver essa tensão, Sposito (2003) e Abramo (2008) – ambas baseadas em Abad (2003) – indicam como saída a distinção entre os conceitos de ‘condição juvenil’ e ‘situação juvenil’. A condição juvenil, referida a uma fase de transição, de ligação da infância com a fase adulta, seria “[...] o modo como uma sociedade constitui e atribui significado a esse momento do ciclo de vida, que alcança uma abrangência social maior, referida a uma dimensão histórico geracional.” (ABRAMO, 2008, p. 42). A situação juvenil, ainda segunda a autora, é o modo como essa condição é vivida a partir dos diversos recortes relacionados às diferenças sociais: classe, gênero, etnia, etc.

Na mesma perspectiva, Groppo (2004) sugere - para superar a visão funcionalista que homogeneíza a juventude e concebe como anormalidade, como ‘desvio’ tudo aquilo que não esteja dentro dos padrões pré-estabelecidos - o uso de uma ‘concepção dialética da condição juvenil’ que pode ser entendida como uma concepção que congrega o duplo movimento de integração social e autonomia juvenil (GROPPO, 2010, 2004). Para o autor, a condição juvenil é constituída por uma relação dialética e, por isso, contraditória entre a busca de padronização e os desejos de autonomia. É importante destacar que o autor trabalha a noção de grupos juvenis – ideia central para compreender a realidade social - e que a condição juvenil, para ele, tanto é produzida quanto é produto da criação desses grupos. Assim, os grupos experimentam a mesma condição juvenil, considerando que isso se dê a partir de suas diversidades.

Abramo (2008) adverte que, na contemporaneidade o alerta é sobre a necessidade de analisar a juventude a partir das diferenças e das desigualdades que atravessam a condição juvenil – mas não apenas a condição de classe. Por esse motivo, autores como Sposito (2003), Dayrell (2003), Abramo (2008) sugerem o uso do termo ‘juventudes’, no plural, “[...] em virtude da diversidade de situações existenciais que afetam os indivíduos nessa etapa do ciclo de vida” (SPOSITO, 2003, p. 10).

Essa mudança de alerta,

[...] revela uma transformação importante na própria noção social: a juventude, mesmo que não explicitamente, é reconhecida como condição válida, que faz sentido, para todos os grupos sociais, embora apoiada sobre situações e significações diferentes. Agora a pergunta é menos sobre a possibilidade ou impossibilidade de viver a juventude, e mais sobre os diferentes modos como tal condição é ou pode ser vivida. (ABRAMO, 2008, p. 44, grifos da autora).

A noção de juventudes (no plural) é usada no sentido de explicitar as diversidades, mas também é criticada, tendo em vista que remete a uma concepção pós-moderna que impossibilita que a juventude seja vista como categoria social, posto que, os jovens perdem o foco da atenção passando toda ela para as questões da heterogeneidade (classe, de gênero, etnia). Ou seja, o foco principal da análise são os sujeitos concretos e não é possível tratar destes se as análises focarem apenas nas diversidades da categoria juvenil deixando de lado seus componentes.

Para as análises que intencionamos realizar, parece-nos conveniente falar em juventudes (no plural), no entanto, mesmo que essa escolha pareça sinalizar que o conceito esteja dado, reportar-nos-emos às contribuições de Sposito (2003) – que expressa perfeitamente o que vimos tentando explicitar – quando reitera que a categoria juventude tem duplo sentido

Mas também é preciso compreender que a categoria sociológica “juventude” encerra intrinsecamente uma tensão que não se resolve: ela é ao mesmo tempo um momento no ciclo de vida, concebido a partir de seus recortes socioculturais, e modos de inserção na estrutura social. Não se trata, portanto, de optar por um dos pólos [...] (SPOSITO, 2003, p. 10, grifos da autora).

Mais uma vez referindo à ambiguidade, ressalta-se que a juventude, dependendo do enfoque, pode se apresentar tanto como um grupo homogêneo (quando comparado a outras gerações, por exemplo), quanto heterogêneo (quando é analisada como um conjunto social que possui atributos distintos, que diferenciam os sujeitos uns dos outros) (ESTEVES; ABRAMOVAY, 2007). A juventude não é um conceito unívoco, que pode ser tomada apenas em relação à faixa etária. Ela comporta a dimensão social e a biológica ao mesmo tempo.

Apesar de concordar com o que argumenta Abramo (2008) sobre a necessidade de se buscar compreender os diferentes modos como a condição juvenil pode ser vivida em vez de quem pode ou não vivê-la, ainda assim temos como objetivo contribuir para a percepção da condição de classe presente na noção de juventude. Não se trata, portanto, de demonstrar quem pode ou não viver a juventude, mas a forma diferente com que os jovens da classe trabalhadora experimentam sua ‘condição juvenil’, na busca por sua inserção social, ou seja, trata-se aqui de explicitar a ‘situação’ – no sentido dado anteriormente – dos jovens da classe trabalhadora. Nessa perspectiva, cumpre esclarecer que a questão é, na contemporaneidade, explorar, como tema de debate, mais as diferenças que as similaridades,

[...] a questão central que se coloca à sociologia da juventude é a de explorar não apenas as possíveis ou relativas similaridades entre jovens ou grupos sociais de jovens (em termos de situações, expectativas, aspirações, consumos

culturais, por exemplo), mas também - e principalmente - as diferenças sociais que entre eles existem[...] (PAIS, 1990, p. 140)

É importante deixar claro que o conceito de juventude permanece - embora o conjunto de análises que apresentamos tenha sido no sentido de defini-la - com a imprecisão que lhe é característica, posto que, como já discutimos, a juventude é um conceito construído histórica e socialmente e, por isso, carregado de imprecisão e de ambiguidade. Sposito (2003) reitera que muito da imprecisão na definição do termo juventude vem do fato de que há uma indevida sobreposição entre a fase de vida e os sujeitos concretos. É como se jovens e juventude fossem a mesma coisa, como categorias semelhantes. O foco de nossas análises, passa, no próximo subtítulo, do conceito de juventude para focar no sujeito concreto ‘jovem’ - mais precisamente: o jovem da classe trabalhadora - pois consideramos que seja pertinente, para fins desse trabalho, além de tratar da definição de juventude, priorizar o jovem trabalhador que é o objeto de nossos estudos.