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CAPÍTULO 3- JUVENTUDE: CATEGORIA SOCIAL E HISTÓRICA

3.1 Juventude: Uma categoria heterogênea

3.1.1 Correntes teóricas da sociologia da juventude

Os caminhos ou as correntes teóricas que tentam explicar a juventude são classificados ou caracterizados de diversas maneiras e por vários autores. De uma forma geral, pode-se dizer que a juventude tem sido explicada – ou compreendida – por três vertentes distintas: a tradicional, que a define a partir dos elementos biológicos e está ancorada no funcionalismo; as teorias críticas (reformistas e revolucionárias) e as pós-críticas.

Groppo (2017) afirma que a representação da juventude enquanto ‘problema social’, ou como uma mera fase de transição, ou ainda uma simples faixa etária, provém da teoria tradicional da sociologia da juventude. Essa, ancorada nos princípios do estrutural- funcionalismo de Parsons, toma as estruturas sociais como um simples dado, sem contestá-las, e não tende a considerar a possibilidade de mudanças na sociedade. Decorre daí uma visão da juventude enquanto uma fase de transição, uma segunda socialização - vinda após a primeira socialização que acontece na infância e é conduzida pela família e pela escola. Nesse sentido, trata-se, tão somente, de conduzir os jovens aos valores e às regras da sociedade. (GROPPO, 2017).

Tanto a juventude quanto a infância e a velhice, são concebidas, pela vertente tradicional, como faixas etárias constituídas por indivíduos com as mesmas características, ou seja, uma “[...] categoria etária mais ou menos evidente, natural e universal homogênea, quase que determinada ‘bio-psicologicamente’” (GROPPO, 2017, p. 10). A principal caraterística que é atribuída à juventude, nessa vertente, é a de ser uma mera fase de transição entre a infância e a vida adulta, não interessando o momento presente dos jovens ou o que os jovens são. Predomina, assim, a perspectiva de futuro, do ‘vir-a-ser’ ou do que o jovem ‘deveria vir-a-ser’ quando se tornar adulto. A juventude seria, então, o momento mais crítico em que o indivíduo, se não conduzido corretamente pelos adultos, corre o risco de desenvolver comportamentos

anômicos e desviantes ou protagonizar disfunções sociais. Porquanto, o grande tema da teoria tradicional da juventude é a ‘delinquência juvenil’ e, associado a ela, os processos de socialização (GROPPO, 2004).

Outra corrente muito influente na sociologia é a teoria das gerações25 baseada nos estudos de Mannheim (1982). Essa é uma vertente que amplia os horizontes de análise da categoria juventude, pois discute, fundamentalmente, a continuidade e descontinuidade dos valores intergeracionais (PAIS, 1990). Concebida como uma teoria ‘reformista’, procura “[...] entender o processo de formação da juventude no âmbito de suas aspirações, como uma categoria distinta da adulta.” (MACHADO, 2011)

Para compreendê-la, é necessário conhecer antes o que Mannheim entende por gerações

[...] A situação da geração está baseada na existência de um ritmo biológico na vida humana - os fatores de vida e morte, um período limitado de vida, e o envelhecimento. Os indivíduos que pertencem à mesma geração, que nasceram no mesmo ano, são dotados, nessa medida, de uma situação comum na dimensão histórica do processo social. (MANNHEIM, 1982, p. 71)

A geração não é nem classe nem grupo, é uma categoria de análise caracterizada por apresentar uma ‘localização social comum’ numa dada dimensão histórico-social (MACHADO, 2011, p.54). Os indivíduos de uma mesma geração compartilham, então, uma série de experiências e situações de vida em comum. Tem-se assim a criação de um estilo característico de cada geração, garantindo a continuidade e as diferenças entre elas (MACHADO, 2011). A juventude, nesse sentido, é tomada enquanto uma mera fase da vida, que, por conseguinte, está relacionada à ideia do ‘vir a ser’

A corrente geracional toma como ponto de partida a noção de juventude quando referida a uma fase de vida, e enfatiza, por conseguinte, o aspecto unitário da juventude. Para esta corrente, em qualquer sociedade há várias culturas (dominantes e dominadas), que se desenvolvem no quadro de um sistema dominante de valores. A questão essencial a discutir no âmbito desta corrente diz respeito à continuidade/descontinuidade dos valores intergeracionais (PAIS, 1990, p. 152)

É importante ressaltar que essa corrente baseia-se nas teorias da socialização que foram desenvolvidas pelo funcionalismo e nas teorias da geração. As crises e os conflitos intergeracionais são vistos, pelo funcionalismo, como disfunções no processo de socialização. A teoria geracional, por sua vez, explica as crises geracionais como descontinuidades

intergeracionais, posto que, para seus teóricos, se existisse um movimento contínuo não haveria geração uma após a outra e, consequentemente, não haveria uma teoria geracional (PAIS, 1990).

Assim, para a teoria geracional, a juventude é um ‘recurso latente’ de transformação social, um agente ‘revitalizador’ da sociedade, mas também pode ser conservadora se a sociedade não souber utilizar de sua força mobilizadora (MACHADO, 2011) Pais (1990) reitera que a questão das relações intergeracionais assume destaque na corrente geracional o que expressa a preocupação com a problemática da reprodução social. Todavia, sem desconsiderar as suas contribuições e sua forte repercussão, uma das principais críticas que se pode atribuir à teoria geracional é a forte tendência em ‘homogeneizar’ a categoria juventude. Ao analisar, por exemplo, os comportamentos ‘desviantes’ dos jovens, ‘se toma a juventude ‘marginal’ como toda a juventude’. Assim, a juventude é, nesta corrente, “[...] vulgarmente tomada como uma categoria etária, sendo a idade olhada como uma variável tão ou mais influente que as variáveis socioeconômicas e fazendo-se uma correspondência nem sempre ajustada entre uma faixa de idades e um universo de interesses culturais pretensamente comuns.” (PAIS, 1990, p. 157).

No interior das teorias críticas, associada à uma perspectiva mais ‘revolucionaria’, está a corrente classista, que foi sistematizada a partir dos estudos culturais em torno da noção de ‘subculturas juvenis’. Sua principal atribuição foi ‘desmistificar’ a noção de uma cultura juvenil extraclasses e, principalmente, criticar a definição de juventude enquanto categoria uniforme (GROPPO, 2017).

A corrente classista procura compreender a juventude a partir da problemática da reprodução de classes sociais. Assim, essa corrente critica veementemente o conceito tradicional da juventude que a associa a uma fase da vida, concebendo que a juventude, mesmo entendida como categoria, é dominada por relações de classe (PAIS, 1990).

Em oposição às correntes nas quais a juventude é vista como uma categoria homogênea, desvinculada das condições materiais, para a corrente classista a transição dos jovens para a vida adulta é permeada pelos mecanismos de reprodução de classes, sendo assim, privilegia a análise das desigualdades sociais que circundam as experiências dos jovens. Nesse sentido, as culturas juvenis são vistas como culturas de classe, sempre entendidas como ‘produto de relações antagônicas de classe’. São apresentadas, na maioria das vezes, como ‘culturas de resistência’, isto é, “´[...] culturas negociadas no quadro de um contexto cultural determinado por relações de classe.” (PAIS, 1990, p. 157 -158). As culturas juvenis, na corrente classista, apresentam sempre um significado político.

Conforme observa GROPPO (2017), por se opor à interpretação simplificadora que homogeneizava e igualava os estilos de vida das classes populares com a classe dominante, os estudos das culturas juvenis contribuíram para a reinterpretação do significado das subculturas juvenis (como por exemplo: os teddy-boys, os skinheads, e os mods). Assim, a partir dos estudos das culturas juvenis, acontece

[...] uma das primeiras sistematizações da sociologia da juventude em que a diversidade, a criatividade e a capacidade rebelde dos grupos juvenis não institucionalizados ganhava sinal positivo. Na socialização, na educação informal, no interior dos grupos juvenis, reunidos nas ruas, frequentando espaços de lazer e consumo, os jovens das camadas populares (e também os das classes médias, por meio das contraculturas) ressignificavam os valores, os produtos e os signos da “cultura de massa”. (GROPPO, 2017, p. 10). Apesar das contribuições da corrente classista, Pais (1990), reitera que, embora ela tenha empenhado grandes esforços no sentido de descobrir e compreender as experiências juvenis, o fez de maneira que essas experiências se ‘encaixassem’ nessa forma de olhar a realidade dos jovens. Obviamente, as culturas juvenis que não se encaixassem, ou que não se manifestassem como cultura de resistência, ficavam determinantemente à margem das análises. Ainda segundo o autor, os rituais, as distinções simbólicas, o comportamento dos jovens (como o modo de se vestir, o cabelo Punk, os lábios pintados de roxo, por exemplo) apresentariam, sempre, uma forma de resistência contra a cultura dominante. Estes estilos mais exóticos significavam uma espécie de “[...] resolução mágica a contradições de classe” (PAIS, 1990, p. 158).

Segundo Pais (1990), mesmo a corrente classista, que surge em oposição à homogeneização da juventude, acaba por supor que entre os jovens de uma mesma classe social se verifique uma ‘homogeneidade cultural’ ou modo de vida homogêneo, condenando os indivíduos ao determinismo de classe. Sobre esse determinismo presente no interior das análises classistas, o autor adverte que

[...]os processos que afectam os jovens não podem ser unanimemente compreendidos como simples ou exclusiva resultante de determinações sociais e posicionamentos de classe. Esses processos têm também de ser compreendidos, por exemplo, à luz das lógicas de participação ao nível dos diferentes sistemas de interação locais, através dos quais também se modulam e afirmam as suas trajectórias sociais. Estas, por sua vez, inscrevem-se em percursos de mobilidade social que podem contrariar a causalidade do provável na qual os seus destinos de classe os fazem aparentemente mergulhar. (PAIS, 1990, p. 159-160)

PAIS (1990, p.160) afirma que ‘as trajetórias individuais são imprevisíveis’. O autor não acredita que a vida seja prefixada, determinada pela classe social, sem que os sujeitos tenham nela qualquer possibilidade de intervenção. Mas ele diz isso “[...] sem obviamente rejeitar o facto de as vidas humanas se confrontarem com determinismos sociais e campos de possibilidades bem rígidos ou constrangedores, em grande parte dos casos”.