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Condições internas e externas das mudanças processadas na rede urbana (1960 / 1990): as ações do Estado na ampliação das rodovias

DESENVOLVIMENTO TÊMPORO – ESPACIAL DA REDE URBANA

3.2 Condições internas e externas das mudanças processadas na rede urbana (1960 / 1990): as ações do Estado na ampliação das rodovias

Entre 1920 e 1940, a construção de estradas, a introdução do transporte rodoviário e sua importância crescente que conduziria à sua predominância, a partir dos anos 1950, transferiram pouco a pouco para Itabuna, a condição de centro econômico regional, lugar de passagem obrigatório de pessoas e mercadorias provenientes ou destinadas ao sul,

Elaboração:

Digitalização: CADS Cópias Ltda. TRINDADE, G. 2010. Fonte: CODEBA, 2010.

Exportação de Soja em grãos e farelo ( para França, Inglaterra, Marrocos, Austrália e Japão).

Exportação de Óxido de magnésio ( para EUA e Canadá).

Importação de Cacau em amêndoas ( da Indonésia e Costa do Marfim).

sudoeste e extremo-sul da Bahia. Ilhéus e seu porto passariam a ter uma importância relativa; privilegiava-se a posição espacial de Itabuna, reforçada pela nova espacialização introduzida pelas estradas.

A primeira rodovia (ainda não pavimentada) da região cacaueira foi a

estrada Ilhéus – Itabuna, inaugurada em 1928 (Figura 22). Construída

praticamente pela iniciativa privada, em tempos bastante lentos, quando o tráfego entre as duas cidades era realizado através de uma trilha dentro da floresta, usada por tropas de animais de carga ou montarias de coronéis, mascates e trabalhadores rurais (SILVEIRA, 2002, p. 172).

Figura 22 – A antiga estrada Ilhéus – Itabuna no início do século XX

Fonte: SILVEIRA, A.K. 2002.

Muita coisa mudou desde então e, na década de 1960, Itabuna foi beneficiada com o incremento das conexões rodoviárias com Salvador, Vitória da Conquista e Jequié e, na década de 1970, ampliou-se a ligação, via BR-101, entre o Centro-sul e o Nordeste. Não é demais lembrar que “os objetos que constituem o espaço geográfico são intencionalmente concebidos para o exercício de certas finalidades, intencionalmente fabricados e intencionalmente localizados; a ordem espacial assim resultante é, também, intencional” (SANTOS, 1999, p, 267).

A estrada de ferro já não dava conta da velocidade necessária para o escoamento do cacau, nem chegava a todos os lugares de produção. Através da maior fluidez possibilitada pelas rodovias as articulações intra-regionais se ampliaram. Nesse contexto Itabuna amplia sua capacidade para se tornar um centro importante de recepção de mercadorias produzidas em outras regiões do país, o que lhe permite tornar-se um centro também de comércio e serviços de apoio a uma rede de cidades a ela mais facilmente articulada.

A modernização da rede rodoviária, incluindo a ampliação da pavimentação asfáltica das rodovias estaduais de acesso às cidades de menor porte, foi responsável por uma série de transformações relacionadas às articulações intra-regionais, dentre as quais é possível destacar:

 A reconfiguração das relações hierárquicas regionais, acentuando-se o predomínio de Itabuna, e não mais de Ilhéus, sobre a hinterlândia regional;

 A ampliação dos problemas ambientais de projeção nacional, pois a expansão da rede rodoviária tornou mais fácil o acesso a áreas outrora recônditas no interior da região, o que significou aumento drástico do desmatamento da mata atlântica e da caça e coleta ilegal de espécies da fauna e da flora típicos desse bioma;

 O aumento dos problemas ambientais urbanos relacionados a uma maior pressão antrópica sobre os recursos hídricos, tanto para consumo doméstico quanto industrial e o despejo irresponsável dos dejetos sem tratamento no leito dos rios, especialmente sobre o rio Cachoeira, que atravessa os territórios mais densamente urbanizados de Itabuna e Ilhéus;

 O recrudescimento dos fluxos de turismo rodoviário oriundos da própria Bahia e dos estados de Minas Gerais, Goiás e do Distrito Federal, em direção a Ilhéus, Itacaré e Canavieiras;

 O desenvolvimento das conexões intra-regionais e interregionais com a ampliação dos fluxos de passageiros transportados pela empresa de

transportes interurbanos SULBA – Viação Sul Bahiano, subsidiária do

Instituto de Cacau da Bahia que tinha sede em Itabuna e a partir desta cidade mantinha ligações diárias com Ilhéus, Salvador e com grande

parte dos municípios da região cacaueira e mesmo externos a ela, como Jequié;

 E o incremento da urbanização, inclusive relacionada aos desmembramentos territoriais e à emancipação de muitas das atuais cidades da região, em meados do século XX. .

A importância da expansão da malha rodoviária não se limita apenas ao aumento dos fluxos de veículos de passeio, ônibus e caminhões, mas também à instalação de redes suportes que contribuem para densificar as conexões que ampliam o sentido da rede urbana, como as redes de energia elétrica, de telefonia, de comunicação, de correios e telégrafos.

Esses sistemas técnicos que são implantados no território atendem à necessidade precípua de, por um lado, fazer circular o que é produzido regionalmente, e por outro lado, atender à demanda regional por produtos industrializados de outras regiões do país e do mundo. Portanto, é no âmbito dessas interrelações entre o interno e o externo, entre o regional e o mundial, que a rede urbana coexiste em diversos níveis de análise, em escalas geográficas que se sobrepõem e se justapõem, por meio do intercâmbio contínuo que conecta pessoas, empresas e cidades. Para Santos e Silveira,

Se outrora havia a necessidade de implantar sistemas de objetos que assegurassem a produção e, por conseguinte, seu escoamento para o estrangeiro, hoje os sistemas de engenharia devem garantir primeiro a circulação fluida dos produtos, para possibilitar a produção em escala comercial. É a circulação, em sentido amplo, que viabiliza a criação e a continuidade das áreas de produção. Mas a densificação da malha rodoviária responde, outrossim, a uma demanda de rápido deslocamento no território nacional, criada pela unificação dos mercados, que se acompanha de maior abrangência de ação das firmas. (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p. 64).

As redes são o suporte do desenvolvimento socioeconômico, são elas que viabilizam concretamente a circulação, a distribuição e o consumo. No

caso da microrregião Itabuna – Ilhéus, além de viabilizar a circulação de

milhares de toneladas de cacau das áreas de produção até o local de escoamento no porto do Malhado, a rede rodoviária ampliou a circulação das atividades relacionadas ao setor terciário, fortalecendo a função comercial e de

prestação de serviços dos centros regionais em detrimento dos demais municípios da região. Na realidade,

A localização geográfica de Itabuna, às margens da BR-101 e no eixo viário central da interligação com os municípios dessa zona, possibilitou-a de exercer com maior intensidade que Ilhéus, o papel de concentrador da oferta terciária de toda a área de influência regional. Atendendo a uma ampla parcela da demanda regional por comércio e serviços, Itabuna ultrapassou Ilhéus na recepção de um percentual maior do total de depósitos efetuados no estado. (SEI, 1997, p.59).

A rodovia BR-101 é a principal via de articulação da região com outros lugares do Brasil. Sua pavimentação, na década de 1970, contribuiu para o desenvolvimento econômico e para a expansão urbana de muitas cidades baianas localizadas às suas margens, como Teixeira de Freitas e Eunápolis (no extremo-sul baiano), Itabuna (na região cacaueira), Santo Antonio de Jesus (no Recôncavo) e Alagoinhas (no nordeste da Bahia). Trata-se de uma rodovia longitudinal com extensão de 4.620 km, que interliga a cidade de Touros (RN) à cidade de Rio Grande (RS), atravessando, mais litoraneamente, os territórios de 12 estados brasileiros.

Se a BR-101 tem importância nacional como via de conexão litorânea entre o sul e o nordeste brasileiros, a BR-415 interligando Ilhéus ao sudoeste baiano, com 201 km de extensão, é uma rodovia de importância regional, mas não deixa de ser instrumento de conexão do território, pois como rodovia de ligação articula a BR-101 com a BR-116, conectando, assim, o litoral com o interior do território brasileiro (Figuras 23 e 24). Ambas, BR-101 e BR-415 são fundamentais como redes de articulação rodoviária na microrregião Itabuna– Ilhéus, tanto no período de grande produção e comercialização de cacau, quanto atualmente, onde outros fluxos geográficos circulam por elas, dando sentido à rede urbana.

A análise das posições geográficas de Itabuna e de Ilhéus no território baiano, enfatizando-se os eixos de articulação rodoviária, ajuda a compreender porque a maior parte dos fluxos regionais e nacionais relacionados ao transporte rodoviário de carga e de passageiros privilegia a cidade de Itabuna, tornando-a um centro regional mais importante que Ilhéus, se considerado este

caráter de centralidade associado aos fluxos em torno do comércio e dos

serviços oferecidos por Itabuna (Figura 25).

Figura 23 – Rodovia BR-101 em Itabuna: principal via de articulação regional

Figura 24 – Rodovia BR-415: conectando redes entre Itabuna e Ilhéus

Figura 25 – Localização Geográfica Estratégica de Itabuna no Território Baiano SALVADOR Feira de Santana Alogoinhas Gandú Ubaitaba Ilhéus ITABUNA Porto Seguro Eunápolis Teixeira de Freitas Vitória da Conquista Jequié Itaberaba Ibotirama Barreiras Bom Jesus da lapa Xique-Xique Juazeiro 0 40 Elaboração:

Digitalização:CADS Cópias Ltda. TRINDADE, G. 2010. 80 120 160km

A organização interna das cidades de Itabuna e Ilhéus apresenta uma estrutura urbana de média complexidade, apesar da paisagem urbana, por si só, revelar este dado apenas na aparência (Figuras 26 e 27). O centro comercial e financeiro de Itabuna oferece uma maior gama de estabelecimentos comerciais varejistas, localizados ao longo da Avenida do Cinquentenário e das ruas transversais. Lojas especializadas no comércio de peças e serviços automotivos concentram-se no eixo especializado nesses serviços, situado na Avenida J.S. Pinheiro, principal vetor de expansão da cidade, o sudoeste. Em Ilhéus, o centro comercial e financeiro está localizado no Calçadão da Rua Marquês de Paranaguá e entorno; o setor especializado em serviços e produtos automotivos concentra-se na Avenida Itabuna.

Figura 26 – Paisagem urbana na área pericentral de Itabuna

Figura 27 – Paisagem da estrutura urbana na área central de Ilhéus

Fonte: Pesquisa de campo, 2010.

Para consolidar ainda mais a posição central de Itabuna em relação à hinterlândia regional, entrou em funcionamento, no ano 2000, um shopping

center, o primeiro e ainda único do sul e extremo-sul da Bahia, este

equipamento urbano identificado como espaço moderno de consumo e lazer. O

shopping ajudou a ampliar a função comercial que Itabuna historicamente

exerce sobre a região, atraindo milhares de consumidores oriundos das cidades circunvizinhas (Buerarema, Itajuípe, Uruçuca, Itapé, Floresta Azul, Ibicaraí, Jussari, Ilhéus, entre tantas outras).

A rede rodoviária na região também foi beneficiada a partir da década de 1990, em função das ações do Governo Estadual relacionadas à ampliação e asfaltamento da BA-001, rodovia estadual litorânea que na microrregião Itabuna – Ilhéus aperfeiçoou a acessibilidade de Ilhéus com Itacaré (ao norte) e com Canavieiras (ao sul). A rodovia visa atender especialmente aos negócios do turismo no litoral baiano, conectando Salvador (via ferry-boat) ao extremo-

sul da Bahia. Atualmente já estão construídos os trechos Bom Despacho –

Nazaré – Valença – Camamu – Itacaré – Ilhéus – Canavieiras; faltando apenas a construção do trecho Canavieiras–Belmonte, para que se concretize a

articulação rodoviária litorânea de Salvador com Porto Seguro, no extremo-sul baiano.

Ao longo da BA-001, na região de influência de Ilhéus, os fluxos de turismo foram ampliados nos balneários e locais de veraneio, quando o tráfego via BR-415 e BA-001 atinge níveis de fluxos de grande intensidade, formando, muitas vezes, quilômetros de engarrafamentos entre os meses de dezembro e fevereiro (Figura 28).

A paisagem sofre rápidas transformações em função da construção de

resorts, pousadas, hotéis, restaurantes e outras modalidades de infra-

estruturas, incluindo redes suportes, para atender ao crescimento da demanda pelos lugares de turismo no entorno de Ilhéus. Há aumento da especulação imobiliária e muitos casos de danos ao meio ambiente, decorrentes da ocupação desordenada e ilegal de áreas de praias, restingas e de vegetação litorânea, principalmente em Itacaré e no trecho Ilhéus – Olivença.

Figura 28 – Rodovia BA-001 no trecho Ilhéus – Olivença, no Réveillon 2011

Fonte: Pesquisa de campo, 2011.

A rodovia BA-001, no entorno de Ilhéus, amplia a centralidade relacionada à indústria do turismo e, quando associada a outros fixos existentes em Ilhéus – e inexistentes em Itabuna – como o porto e o aeroporto,

consolida algumas funções que Ilhéus, ao longo do tempo, também vem exercendo regionalmente: funções portuária, aeroviária, histórica e turística.

Portanto, se Itabuna exerce funções relevantes sobre a hinterlândia regional, Ilhéus também possui atributos que lhe permitem influenciar parcelas significativas da região. Ilhéus e Itabuna necessitam uma da outra, são os nós da rede urbana na região, são mesmo interdependentes e já há muito tempo esse fato foi considerado, pois,

Ambas podem, sem exagero, ser consideradas um único organismo urbano uma vez que funcionalmente se completam. Enquanto Itabuna olha mais para dentro, Ilhéus olha mais para fora da zona do cacau. (SANTOS, 1957, p. 64).

Infelizmente, ao longo do tempo, apenas os gestores urbanos dos dois municípios não têm tido a sensibilidade de atentar para esse fato incontestável, já identificado em outros estudos pretéritos, uma vez que Itabuna e Ilhéus parecem coexistir de costas uma para a outra. Complementando a representação metafórica que Milton Santos fez, em 1957, espera-se que as duas cidades façam uso da BR-415, batizada neste trecho de Rodovia Jorge Amado, para enfim se encontrarem, e não está aqui se referindo apenas a um processo de conurbação.