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O predomínio da cacauicultura e o papel dos agentes sociais que abriram caminho para a produção da rede urbana regional

A GÊNESE DA REDE URBANA NA REGIÃO DE INFLUÊNCIA DE ITABUNA – ILHÉUS

2.2 O predomínio da cacauicultura e o papel dos agentes sociais que abriram caminho para a produção da rede urbana regional

A partir de meados do século XVIII, a produção socioespacial da área

situada entre 14º e 16º S e entre 39º e 40º W do território baianocomeça a ser

bastante influenciada por uma nova atividade econômica, a cacauicultura (Figura 7). Segundo Santos (1957, p. 44) atribui-se ao francês Louis Warneaux a introdução do cacau na região. Em 1746 as sementes foram trazidas do Pará e plantadas na Fazenda Cubículo, às margens do rio Pardo, no atual município de Canavieiras, àquela época território sob jurisdição da Capitania de São Jorge dos Ilhéus.

Figura 7 – Bahia: Região Cacaueira

-13° -12° -11° -10° -9° -14° -15° -16° -17° -18° -40° -41° -42° -43° -44° -45° -46° -39° -38° -13° -12° -11° -10° -9° -14° -15° -16° -17° -18° Elaboração:

Digitalização: CADS Cópias Ltda. TRINDADE, G. 2010. E W N S REGIÃO CACAUEIRA 0 80 160 240 320 400km -37° -40° -41° -42° -43° -44° -45° -46° -39° -38° -37°

Em fins do século XVIII (1783), a plantação de cacau já se constituía em importante atividade econômica da região, atingindo naquela época o entorno da cidade de Ilhéus. A partir de então, a produção do cacau desenvolveu-se rapidamente, fazendo do sul da Bahia um dos primeiros lugares produtores desse fruto no mundo.

A partir daquele momento têm início os fluxos migratórios oriundos de outras regiões da Bahia e mesmo de outros estados do Brasil (especialmente de Sergipe) em direção à nascente região do cacau. Tais fluxos iniciaram o processo mais acelerado de povoamento da região, que se acentua durante o século XIX, contribuindo, então, com o surgimento de pequenos núcleos e povoados às margens dos rios que, com o passar dos anos, se transformaram nas atuais cidades do sul da Bahia.

Por exigir umidade climática e pedológica para o seu florescimento, o cacau passou a conquistar os terrenos próximos às margens dos rios (Pardo, Cachoeira, Almada, Jequitinhonha, de Contas) e seus tributários, e foi justamente ali que foram instaladas as primeiras fazendas dedicadas a essa atividade (Figura 8).

Aos poucos, estradas e caminhos rurais foram abertos, interligando os lugares da região (em constituição) e possibilitando o transporte e escoamento do produto. Em algumas décadas, a paisagem foi profundamente alterada, ganhando novos conteúdos em função do contato daqueles colonos com a natureza. Naquele momento histórico, a ação daquela sociedade sobre a natureza desse território do sul da Bahia, erigiu uma nova paisagem.

Em determinados trechos, as plantações de cacau conviviam com a mata atlântica (o que passou a ser denominado sistema de cabruca), em outros trechos, porém, vastas áreas de mata foram devastadas para plantio do cacau e para assentamento de vilas e povoados que, com o passar do tempo, foram se expandindo espacial e demograficamente. A abertura de estradas e a construção da ferrovia de Ilhéus provocaram ainda mais alterações na paisagem. A cultura do cacau ia, de forma lenta e gradual, produzindo uma enorme força simbólica, retirada da materialidade do espaço, passando a ser responsável pela definição de um caráter regional particular, específico, próprio do sul da Bahia.

Figura 8 – Rede hidrográfica da região cacaueira

Em decorrência da expansão da área de produção de cacau, ao longo das últimas décadas do século XIX, as relações sociais, políticas e econômicas foram se complexificando. A importância econômica da região cacaueira para o estado da Bahia tornou-se cada vez maior, “a partir de 1904, quando (o cacau) suplantou o valor das exportações de fumo, assumiu a condição de principal produto baiano de exportação, posição que manteve até os anos setenta do século XX” (FREITAS e PARAÍSO, 2001, p. 100).

Ilhéus e Itabuna beneficiaram-se bastante dessa nova condição econômica propiciada pelo aumento da produção de cacau, pois se reforçou a

BELMONTE CANAVIEIRAS ILHÉUS ITACARÉ 0 10 20 30 40km Elaboração:

Digitalização:CADS Cópias Ltda. TRINDADE, G. 2010. Fonte:SANTOS, 1957. Rio de Contas Rio Almada Rio Rio Par do Rio Jeq uitin honh a

posição de Ilhéus e, gradativamente, criaram-se as condições que fizeram crescer a cidade de Itabuna, em virtude de sua posição geográfica privilegiada, entre o litoral e a zona interiorana produtora de cacau.

Nesse contexto regional engendrado pela produção e comercialização do cacau, mas partícipe, na escala mundial, do sistema capitalista de produção, diferentes atores sociais participaram de um mesmo processo, ainda que em posições diametralmente opostas: de um lado, a nascente burguesia comercial, produtora de cacau, constituída pelos grandes proprietários de terras, pelos comerciantes e exportadores, e pelos membros da administração político-administrativa regional, oriundos desses segmentos sociais; e de outro lado, trabalhadores rurais com remunerações precárias, administradores das fazendas e até mesmo jagunços, contratados para proteger as propriedades e seus proprietários.

Diante de tal contexto, fez-se necessário criar um aparato institucional que apoiasse os produtores e exportadores de cacau e que os representasse frente aos poderes estadual e federal. Nesse sentido, a partir de 1908, foram criadas associações, sindicatos, cooperativas e fundações, que passaram a exercer o poder local / regional, concentradas evidentemente nas cidades de Ilhéus e Itabuna (OLIVEIRA, 2001, p. 14). Nas primeiras décadas do século XX surgiram por iniciativa das lideranças locais, a ABC (Associação brasileira de Cacauicultores), a ACI (Associação Comercial de Itabuna e Associação Comercial de Ilhéus), os Sindicatos Rurais de Itabuna e Ilhéus, a Cooperativa Central do Cacau Ltda., e a FUNDECAU (Fundação para o Desenvolvimento do Cacau), sendo esta última um órgão ligado à Secretaria de Agricultura do Estado da Bahia, responsável pelo repasse de recursos para a cacauicultura.

A partir de 1930, foram criados outros órgãos fundamentais ao desenvolvimento da cacauicultura, responsáveis por ações políticas que fortaleceram a ideia de que havia uma região cacaueira que estava contribuindo com o crescimento econômico da Bahia e do Brasil, e que, portanto merecia uma atenção recíproca por parte dos governos estadual e federal, especialmente quanto à instalação, ampliação e modernização de equipamentos e objetos (como estrada de ferro, porto e rodovias) que possibilitassem uma maior fluidez da produção, da circulação e da distribuição do cacau (Tabela 1).

De fato, os dados da tabela são incontestáveis quanto à contribuição das receitas provenientes da exportação de cacau para economia baiana. Se em 1944 cerca de 50% do total do valor exportado pelo estado correspondia ao cacau e seus derivados, dez anos depois, em 1954, as exportações de cacau corresponderam a quase 82% do total de produtos exportados pela Bahia; um volume excepcional de crescimento da participação da região cacaueira na economia baiana (e brasileira) naquele período. Justificando, assim, os protestos de diferentes segmentos da cacauicultura quanto ao tratamento recebido do governo baiano em relação aos problemas regionais. Ao longo do século XX, em determinados momentos de efervescência política, algumas lideranças regionais chegaram mesmo a propor o desmembramento da região cacaueira do território baiano, justamente por causa do tratamento desproporcional que consideravam receber do governo estadual.

Tabela 1 – Estado da Bahia: Exportação de Cacau e de Outros Produtos (1944 – 1955) Ano Cacau e Derivados Cr$1.000,00 Outros Produtos Cr$1.000,00 Total Cr$ 1.000,00 % do cacau e derivados no total 1944 348.113 328.921 677.034 51,42 1945 252.307 419.421 671.728 37,56 1946 727.814 605.062 1.332.876 54,60 1947 1.132.801 584.865 1.717.666 65,95 1948 1.142.044 484.775 1.626.819 70,20 1949 1.048.479 464.276 1.512.755 69,31 1950 1.576.852 538.299 2.115.151 74,55 1951 1.407.740 526.467 1.934.207 72,78 1952 848.102 495.139 1.343.241 63,13 1953 1.805.709 524.678 2.330.387 77,48 1954 4.338.890 956.342 5.295.232 81,93 1955 4.083.420 1.212.432 5.295.852 77,11

Fonte: Bureau de Estatística da Bahia. In: SANTOS, 1957, Anexos. Adaptação: TRINDADE, G. 2010.

Quanto ao incremento das ações relacionadas ao desenvolvimento da cacauicultura, os órgãos mais importantes criados a partir de 1930 foram:

a) o ICB – Instituto de cacau da Bahia, criado em 19319;

b) a CEPLAC – Comissão Executiva do Plano de Recuperação da Lavoura

Cacaueira, criada em 1957 (Figura 9);

c) e o CCPC – Conselho Consultivo dos Produtores de Cacau, criado em 1963. Figura 9 – Sede regional da CEPLAC na BR-415, entre Itabuna e Ilhéus

Fonte: Pesquisa de campo, 2010.

A participação de órgãos como o ICB e a CEPLAC na organização do espaço regional demonstra que o papel do Estado, ainda que tardiamente, foi decisivo na montagem do sistema de objetos e ações necessários ao desenvolvimento da cacauicultura, até mesmo porque era ele o maior beneficiário com o aumento das exportações, através do recolhimento de

9 Apesar de a ação do poder estadual se fazer sentir forte, através da atuação do ICB, a região se afirmou e

as elites locais / regionais, pelo seu poder, dominaram o espaço como totalidade social. É necessário lembrar que, de forma estratégica, o Governo da Bahia, sob os auspícios do poder central, deu a presidência do ICB a um líder da região cacaueira, profundo conhecedor de sua problemática, Ignácio Tosta Filho. No momento interessava ao governo federal aproveitar, ao máximo, o apoio das lideranças regionais [...] Após a implantação do Estado Novo, com uma política mais forte e centralizadora, a solidariedade regional cacaueira tornou-se prescindível e, mesmo, incômoda. (DINIZ e DUARTE, 1983, p. 42).

impostos aos seus cofres. Nos limites do estudo acerca da rede urbana regional interessa, em particular, a identificação do papel desses órgãos no aprimoramento dos meios de circulação que possibilitaram uma maior fluidez entre as áreas de produção e de distribuição do cacau.

Até a década de 1930, as estradas eram escassas e precárias na região, sendo a maior parte da produção transportada pela estrada de ferro de Ilhéus, que tinha um alcance espacial bastante limitado.

A partir da criação do ICB verifica-se um grande impulso na definição de trajetos e na construção de estradas vicinais e rodovias. Todos os esforços eram feitos a fim de por a produção em movimento, a fim de fazer circular os sacos de cacau desde as fazendas até as estradas e ferrovias, e daí para os portos escoadores no litoral. Neste contexto, então,

A articulação resultante da circulação vai dar origem e reforçar uma diferenciação entre núcleos urbanos no que se refere ao volume e tipos de produtos comercializados, às atividades político-administrativas, à importância como pontos focais em relação ao território exterior a eles, e ao tamanho demográfico. Esta diferenciação traduz-se em uma hierarquia entre os núcleos urbanos e em especializações funcionais (CORRÊA, 1989, p. 7).

Em função das ações do ICB10 as estradas foram melhoradas,

permitindo um acesso mais rápido às principais áreas produtoras de cacau, especialmente àquelas mais distantes do eixo de circulação da estrada de ferro de Ilhéus. Assim, tanto Ilhéus se beneficiava por receber em seu porto os carregamentos de cacau em um espaço de tempo menor, como também Itabuna levava vantagens porque construía e ampliava sua função de entroncamento rodoviário. Favorecida pela sua posição geográfica privilegiada – entre o litoral e o interior – Itabuna tirava proveito do seu contato mais

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Em 1932, o plano rodoviário do Instituto de Cacau da Bahia consistia em traçar e executar estradas para vencer distâncias de até 60 km, visando interligar os centros de produção com os pontos de embarque marítimo, fluvial ou ferroviário. Em 1932, foram entregues 310 km de novas estradas de rodagem recém- construídas, além de 16 pontes de concreto armado e a restauração de 90 km de vias antigas, garantindo tráfego ininterrupto durante todo o ano.Dentro das ações deste plano foram construídos mais 800 km, até 1940. Ainda foi criada a Viação Sul Bahiano, uma empresa de transporte rodoviário subsidiária do Instituto, mantendo linhas de passageiros nas quais circularam 200.000 passageiros ao ano, segundo dados de 1936. Além dos ônibus e dos caminhões introduzidos nos serviços, foram usados e divulgados equipamentos rodoviários quase totalmente desconhecidos até então, como tratores e escavadeiras mecânicas (ZORZO, 2000, p. 112-113).

próximo com as vilas e povoados da hinterlândia produtora de cacau. Assim, ao longo das décadas seguintes, já consolidada como centro regional do comércio varejista e de prestação de serviços, Itabuna vai ampliando sua influência sobre um espaço regional outrora vinculado à influência isolada de Ilhéus.

2.3 As articulações intra-regionais: o período marcado pelas conexões