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Condições de trabalho docente

Geralmente, as exigências profissionais não vêm acompanhadas de condições de trabalho adequadas, o que inviabiliza a realização da tarefa educativa de forma adequada por parte dos professores. Como alerta Pereira (2007, p. 90, grifo do autor), “quando as condições do trabalho docente são muito ruins, torna-se praticamente impossível se conceber a escola como um local de produção de conhecimentos e de saberes. O professor torna-se um mero ‘dador de aulas’”.

Compartilharmos da definição proposta por Gonçalves (2005, p. 09) sobre o conceito de condições de trabalho, que, além de abrangente, é também específica:

À forma como está organizado o processo de trabalho docente: jornadas de trabalho, formas de avaliação de desempenho, horários de trabalho, procedimentos didático-pedagógicos, admissão e administração das carreiras docentes, condições materiais, relação salário e tempo de trabalho. A divisão social do trabalho, as formas de regulação, controles e autonomia no trabalho, estruturação das atividades escolares, relação de número de alunos por professor, também estão compreendidos no conceito de condições de trabalho. Quando mudanças significativas são impostas aos professores, mas não se tem alterações significativas quanto às condições de trabalho docente, cada vez mais a categoria enfrenta sérios problemas, como sintetiza Almeida (2002, p. 24):

Por insuficiência dos recursos destinados à educação, os professores e as escolas têm vivido dificuldades enormes. Os primeiros têm enfrentado um rebaixamento salarial grave e uma desvalorização social de sua profissão sem precedentes. E as escolas sofreram intensa deterioração e, como consequência, têm oferecido condições de trabalho cada vez mais precárias aos professores. Isso gera

sentimentos de fracasso e de frustração; que frustram as possibilidades dos professores realizarem um trabalho positivo com os alunos. Segundo Dias-da-Silva (2005, p. 06, grifos da autora), não podemos ignorar as condições de trabalho quando avaliamos a qualidade de nossos professores:

Apesar de o Banco Mundial validar pesquisas que apontam a inexistência de correlação entre salário e competência docente, estamos convencidas que há sim correlação entre salário, condições de trabalho e envolvimento com escolas e projetos. Senão, porque boa parte dos (bons) professores brasileiros está lecionando em duas ou três escolas? Por que boa parte dos (bons) professores duplica sua jornada de trabalho na escola pública para incluir aulas nas escolas privadas? Há algum grande compromisso político ou ideológico nessa escolha? Os professores são unânimes em afirmar que o único e grande critério é a necessidade de melhorar a renda familiar, até para poder pagar a gasolina que o transporta de uma escola para outra, obter complementação salarial para assinar um jornal ou revista, pagar um plano de saúde, ou – ironia das ironias – pagar a escola particular dos filhos!

A desvalorização salarial talvez seja um dos maiores problemas enfrentados pelos docentes atualmente em relação às condições de trabalho. Segundo dados do INEP (2004, p. 34-35), “no Brasil, médicos e advogados ganham em média, 4 vezes o que ganha um professor que atua nas séries finais do ensino fundamental. A questão em foco é avaliar a magnitude da diferença entre os salários desses profissionais, ambos com formação em nível superior”. Sampaio e Marin (2004, p. 1210), ao reconhecerem que “uma das questões bem visíveis da precarização do trabalho do professor refere-se ao salário recebido pelo tempo de dedicação às suas funções, sobretudo quando se focaliza a imensa maioria, ou seja, os que atuam nas diversas escolas da rede pública” apontam que a questão salarial reflete diretamente na possibilidade do professor ter acesso aos bens culturais: “a pauperização profissional significa pauperização da vida pessoal nas suas relações entre vida e trabalho”. Para Hypólito (2012, p. 290): “os docentes estão sendo muito exigidos e muito mal remunerados. O resultado disso é dramático e muito sofrido”.

Sobre o salário dos professores, Barbosa (2012) assevera que se pode afirmar que os professores brasileiros realmente são mal remunerados, principalmente se compararmos a profissão docente a outras profissões em que se exige nível superior e também levando em consideração a importância social do papel do professor. Para essa autora, os baixos salários contribuem para a não atratividade de profissionais

qualificados para a docência; a não permanência na carreira, o que leva ao abandono da profissão por outra que leve a uma melhor remuneração; saída da sala de aula para trabalhar em outros cargos do sistema de ensino; pauperização dos professores, que acabam tendo restrições para adquirir bens culturais, gerando assim insatisfação aos professores.

Dessa forma, “percebe-se que, ao fazer parte de uma profissão mal remunerada, que submete o trabalhador a uma condição de pobreza material, o professor tem sido exposto ao sentimento de pertença a uma categoria desvalorizada” (BARBOSA, 2012, p. 392).

A jornada de trabalho do professor também é um fator decisivo para compreensão das condições de trabalho. A desvalorização salarial contribui para que, muitas vezes, os docentes sejam obrigados a trabalhar em várias escolas, comprometendo a qualidade de seu trabalho.

Vale lembrar também que a dupla ou tripla jornada de trabalho implica tanto rotatividade, quanto itinerância entre diferentes escolas, comprometendo o envolvimento dos professores tanto com a comunidade quanto com seus pares. Ao correrem de uma escola para outra, durante seu dia de trabalho, chegando muitas vezes a trabalhar em escolas bem distantes, os professores têm seu tempo consumido por deslocamentos desnecessários, ao invés de investirem esse tempo no aperfeiçoamento de seu trabalho. Além disso, não podemos nos esquecer de que as professoras, além de dobrarem sua jornada de trabalho nas escolas, também têm o trabalho doméstico, o qual culturalmente é atribuído à mulher e os filhos para cuidarem, comprometendo sua possibilidade de profissionalização (ALVARENGA, 2009).

De acordo com Barbosa (2012), o fato de o professor precisar estender a jornada de trabalho, que já é desgastante e intensa, a fim de compensar os baixos salários não é positivo, uma vez que essa prática pode acarretar problemas até mesmo de saúde, provocados pelo excesso de trabalho.

Em relação ao número de alunos por professor. “Nos países em desenvolvimento, as razões alunos/professor são duas vezes mais altas do que nos países desenvolvidos” (SINISCALCO, 2003, p. 11), sendo que no Brasil “o número médio de alunos por turma pode ser considerado elevado em todos os níveis de ensino” (INEP, 2004, p. 41).

Segundo Assunção e Oliveira (2009), na educação básica das escolas públicas a superlotação das salas é maior do que se esperava. O que traz consequências não

somente no plano quantitativo, mas também no qualitativo, pois com a sala lotada o professor não consegue atender as particularidades e necessidades dos alunos, sendo um paradoxo, uma vez que as pedagogias modernas, as quais estão no centro das reformas educativas, difundem justamente a ideia de um atendimento individualizado.

As autoras ainda destacam que depende das competências individuais do professor a gestão da sala de aula, dando-se pouco destaque para as situações objetivas de trabalho. Segundo as autoras um exemplo seria a previsão de trabalho em grupo no plano pedagógico da escola, mas como realizar o trabalho em grupo tendo um número desproporcional de alunos referente ao espaço físico disponível da escola, o que leva a perturbação na condução de tal atividade (ASSUNÇÃO, OLIVEIRA, 2009).

O aumento do volume de trabalho a ser realizado pelos professores também é outra realidade dentro da escola. Um exemplo se refere à ausência de professores, seja pelo fato de ter sido convocado para a realização de outra tarefa, seja pelo afastamento por doença, sobrecarrega quem está na escola, o qual acaba tendo que receber esses alunos em sua sala de aula (ASSUNÇÃO, OLIVEIRA, 2009).

Hypólito (2012, p. 287) quando indagado sobre as condições de trabalho do professor no Brasil, a partir dos achados da pesquisa “Trabalho docente na Educação Básica no Brasil”, coordenada por Dalila Andrade Oliveira, respondeu que poderia destacar o seguinte: “os docentes identificam uma ampliação de suas atividades, com novas atividades e responsabilidades, afirmam que há uma ampliação da jornada real sem um reconhecimento formal e sem uma devida retribuição”.

Além do baixo salário, da jornada exaustiva de trabalho, do número excessivo de alunos em sala de aula e do aumento do volume de trabalho, fato importante de se destacar, o professor também não conta, na maioria das vezes, com boas instalações nas escolas e muito menos com um bom material didático.

A precariedade de recursos materiais e o excesso de tarefas que vem sendo exigido dos professores são elementos decisivos quando se analisa as condições de trabalho docente, tal como nos mostra Esteve (1991, p. 106-108, grifos nosso):

Escassez de recursos materiais e deficientes condições de trabalho: A massificação do ensino e o aumento das responsabilidades dos professores não se fizeram acompanhar de uma melhoria efetiva dos recursos materiais e das condições de trabalho em que se exerce a docência. Hoje em dia, o ensino de qualidade é mais fruto do voluntarismo dos professores do que consequência natural de condições de trabalho adequadas às dificuldades reais e às múltiplas

tarefas educativas; Fragmentação do trabalho do professor: muitos profissionais fazem mal o seu trabalho, menos por incompetência e mais por incapacidade de cumprirem, simultaneamente, um enorme leque de funções. Para além das aulas, devem desempenhar tarefas de administração, reservar tempo para programar, avaliar, reciclar-se, orientar os alunos e atender os pais, organizar atividades várias, assistir a seminários e reuniões de coordenação, de disciplina ou de ano, porventura mesmo vigiar edifícios e materiais, recreios e cantinas.

Desse modo, os ajustes neoliberais, as reformas educacionais e as mudanças sociais significativas alteram profundamente o trabalho docente. Nessa nova conjuntura, os professores são responsabilizados pelos problemas escolares e passam a ser avaliados pelo seu desempenho, são cobrados a desempenhar várias funções, em resposta à exigência de um novo perfil profissional, e vão perdendo cada vez mais a autonomia na realização de seu trabalho, pois participam cada vez menos da tomada de decisões educacionais. Todas essas mudanças não vêm acompanhadas de condições de trabalho adequadas, pois eles também estão passando por uma significativa desvalorização salarial, que os leva a terem que duplicar ou mesmo triplicar a jornada de trabalho, agravada pela precariedade das condições materiais, do excesso do número de alunos, da redução do tempo para pensar e planejar seu trabalho, dentre outras. Todos estes aspectos acentuam indícios de um processo de desprofissionalização dos professores.

Assim, fica a questão: como anda a realidade da Educação Infantil brasileira no que se refere às condições de trabalho (salário, infraestrutura, materiais disponíveis, número de alunos, jornada de trabalho, dentre outros) de suas professoras? Tendo como hipótese inicial a provável existência de uma estreita relação entre as condições de trabalho às quais os professores estão submetidos e as políticas públicas educacionais, traz-se, também, o seguinte questionamento: qual a relação que as políticas públicas educacionais nacionais apresentam para a determinação das condições de trabalho das professoras da Educação Infantil?

Responder esses questionamentos implica analisar o contexto específico em que atuam as professoras dessa etapa educacional, além da legislação educacional nacional para a Educação Infantil, tópicos que serão abordados no próximo capítulo.

CAPÍTULO 2

EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA: um contexto marcado pela precarização

Influenciada pelos modelos propostos pelas agências internacionais, a Educação Infantil no Brasil desde a década 1970 vem sendo marcada por programas baseados em baixo custo, sobrevivendo, muitas vezes, em espaços ociosos, com materiais cedidos/disponíveis e pessoal voluntário, configurando uma mão de obra barata e não especializada, contribuindo assim para acentuar a desvalorização dos profissionais da área.

Fato que mesmo com a promulgação da Constituição de 1988 e da LDBEN de 1996 continuou a acontecer, pois, com forte influência do Banco Mundial nas políticas educacionais na década 1990, a Educação Infantil continuou passando por processos de desvalorização, seja em relação à infraestrutura, seja em relação aos profissionais que trabalham com essa etapa educacional, trazendo assim os reflexos, ainda hoje, desse passado precarizado, e, portanto, afetando de forma significativa as condições de trabalho docente das professoras dessa etapa educacional.