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2 O CAMINHO ATÉ O PBF: TRAJETÓRIA DOS PROGRAMAS DE

2.4 As condicionalidades do PBF

Dado que o acompanhamento das condicionalidades do Programa Bolsa Família foi elegido nesta tese como indicador para a avaliação de implementação do Programa, nesta parte as condicionalidades serão detalhadas.

As condicionalidades do PBF são entendidas como um compromisso assumido tanto pelas famílias, que devem cumpri-las, quanto pelo poder público, que deve oferecer mais e melhores serviços à população. O objetivo é estimular a demanda das famílias por serviços de educação e saúde, por meio do benefício monetário que recebem. Com isso, espera-se que as famílias consigam quebrar o ciclo intergeracional da pobreza.

Previstas no art. 3o da Lei no 10.836/2004, as condicionalidades são contrapartidas que devem ser cumpridas por parte da família, para que os benefícios sejam mantidos. De acordo com o Decreto no 5.209/2004, as condicionalidades se destinam a:

I- estimular as famílias beneficiárias a exercer seu direito de acesso a políticas públicas de saúde, educação e assistência social, promovendo a melhoria das condições de vida da população; e

II- identificar as vulnerabilidades sociais que afetam ou impedem o acesso das famílias beneficiárias aos serviços públicos a que têm direito, por meio do monitoramento de seu cumprimento. (BRASIL, 2004b, art. 27).

Sendo assim, as condicionalidades têm um importante papel no PBF, principalmente em três pontos principais: 1) quebra do ciclo intergeracional da pobreza, por meio da promoção do acesso aos serviços essenciais de saúde e educação entre os beneficiários; 2) servem como um alerta para o Estado, com relação ao acesso aos serviços de saúde e de educação pelos beneficiários; 3) e conferem ao programa um certo tipo de legitimidade, uma vez que os beneficiários têm que cumprir algum compromisso para continuar recebendo o benefício (LINDERT, 2007).

Na área de saúde, deve haver o acompanhamento da vacinação e do crescimento e desenvolvimento das crianças menores de sete anos. Além disso, as gestantes devem realizar o pré- natal. O acompanhamento é realizado pelas equipes de saúde municipais e o registro é feito no Sistema de Gestão do Programa Bolsa Família na Saúde, de responsabilidade do Ministério da

Saúde (MS). Já na área de educação, a condicionalidade se refere à matrícula das crianças e adolescentes de 6 a 17 anos na escola, além da frequência mínima de 85% para os alunos de 6 a 15 anos e de 75% para jovens de 16 e 17 anos. O acompanhamento da frequência é realizado pelas Secretarias Municipais e Estaduais de Educação e pelas escolas, por intermédio do Sistema Presença do Ministério da Educação e Cultura (MEC).

O MDSA é responsável pela coordenação do processo de acompanhamento das condicionalidades, conforme estabelecido no Decreto no 5.209/2004, art. 28, § 1o:

[ao MDS cabe] o apoio, a articulação intersetorial e a supervisão das ações governamentais para o cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família, bem assim (sic) a disponibilização da base atualizada do Cadastramento Único do Governo Federal aos Ministérios da Educação e da Saúde (BRASIL, 2004b, art. 28, § 1º).

Já a operacionalização do acompanhamento propriamente dito é de responsabilidade do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação. Tanto na área de saúde quanto na de educação houve a instituição de gestores municipais e de coordenadores estaduais setoriais para gerenciar o acompanhamento realizado pelas equipes técnicas.

Figura 2 – Gestão das condicionalidades

Fonte: MDS (2015a)

Com diversos atores envolvidos, de áreas e níveis de governo diferentes, o fluxo do acompanhamento das condicionalidades precisa ser bem definido. No primeiro momento, o MDS gera, por meio do Sistema de Condicionalidades (Sicon/MDSA) e a partir do Cadastro Único e da Folha de Pagamentos do PBF, a lista das famílias e beneficiários que têm perfil para acompanhamento (público para acompanhamento), isto é, os beneficiários de 6 a 17 (condicionalidade de educação) e crianças de 0 a 6 anos, assim como mulheres em idade fértil (condicionalidades de saúde).

Em seguida, o MDSA envia as listagens com o público para acompanhamento para o MEC e para o Ministério da Saúde (MS) que, pelos seus sistemas específicos, disponibilizam aos municípios para realizarem a coleta e o registro das informações (na educação, o MEC disponibiliza o Sistema Presença; na saúde, o MS disponibiliza o Sistema Bolsa Família na Saúde).

Os municípios têm o chamado período de acompanhamento, que nada mais é do que o conjunto de meses de referência para o acompanhamento das condicionalidades (MDS, 2015a), e o período para registrar as informações nos respectivos sistemas. O calendário operacional que define os períodos de coleta e registro das informações é acordado anualmente entre MDSA, MEC e MS. Na área da saúde, há dois períodos de acompanhamento, com seis meses cada um. Na área de educação, são cinco períodos de acompanhamento, compostos por cinco bimestres (excluem-se os meses de dezembro e janeiro, que são destinados às férias escolares). O quadro, a seguir, apresenta os períodos de acompanhamento e de registro das informações nas áreas de educação e saúde.

Quadro 3 – Períodos de acompanhamento e de registro das condicionalidades

Período de

Acompanhamento Período de Registro

Educação

Fevereiro e março Abril

Abril e maio Junho

Junho e julho Agosto

Agosto e setembro Outubro

Outubro e novembro Dezembro

Saúde Janeiro a junho Fevereiro a junho

Julho a dezembro Agosto a dezembro

Fonte: MDS (2015a)

Após o período de registro das informações, o MEC e o MS consolidam as informações e as enviam para o MDSA. Quando ocorre o descumprimento das condicionalidades, o MDSA aplica efeitos sobre os benefícios17 e envia notificações às famílias. As famílias, por sua vez, têm o direito de apresentar recurso e, caso seja observado que não houve descumprimento ou que o descumprimento é justificável, este é desconsiderado.

17 Os efeitos são gradativos e começam com uma advertência, passam pelo bloqueio e pela suspensão, podendo chegar,

Para fechar o ciclo, o MDSA define que as famílias em descumprimento de condicionalidades devem ser priorizadas para atendimento pelos serviços socioassistenciais. O entendimento é que o descumprimento de condicionalidade pode ser um importante indicativo de que a família está passando por uma situação de vulnerabilidade social, já que não está tendo acesso aos serviços básicos de educação e saúde.

A figura a seguir sintetiza o fluxo do acompanhamento das condicionalidades.

Figura 3 – Ciclo do acompanhamento das condicionalidades

Fonte: Adaptado o a partir de WWP (2016)

De acordo com dados do MDSA, em 2016, na educação, foram apuradas informações referentes à frequência escolar de cerca de 16 milhões de estudantes, o que corresponde a aproximadamente 90% do público total para acompanhamento. Já na saúde, são registradas

MDS

Gera, por meio do Sicon, base com o público para acompnhamento a

partir do Cadastro Único e da relação de famílias beneficiárias pelo

Sibec e envia para o MEC e MS.

MS e MEC

Carregam base de dados com o público para acompanhamento nos seus respectivos sistemas e disponibilizam as listagens para

os municípios.

Municípios

Acompanham e registram as informações dos beneficiários

nos sistemas.

MS e MEC

Recebem as informações registradas pelos municípios via sistema, consolidam os resultados e

enviam para o MDS.

MDS

Avalia os resultados e identifica os beneficiários que descumpriram as condicionalidades. Inicia a aplicação de

efeitos nos benefícios. Envia cartas e mensagens no extrato bancário informando sobre o descumprimento.

Municípios e Famílias

A família pode entrar com recurso contra o efeito recebido e apresentar a justificativa à gestão municipal do PBF.

Municípios, estados e DF Analisam os resultados do descumprimento no Sicon e identificam situações de vulnerabilidade no público beneficiário. Municípios e famílias Famílias em situação de descumprimento são encaminhadas para a rede de

informações de mais de 8 milhões de famílias, representando uma cobertura de cerca de 73% do público estimado para acompanhamento.

Depois de descrever e analisar de forma sintética o complexo desenho do PBF, saber como de fato ele é implementado na prática motivou a realização desta pesquisa. O esforço, o conhecimento e os recursos utilizados para transformar as decisões e os desenhos da política pública em ação compõem o que é conhecido como o estágio de implementação das políticas públicas (HOWLETT; RAMESH, 1955). O próximo capítulo tratará das principais teorias de implementação das políticas públicas e como ela se dá no contexto federativo brasileiro.