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Capítulo 2 O tango dança Segundo Rodolfo Dinzel.

2.6 O Espaço Coreográfico e seu desenvolvimento no Plano Coreográfico.

2.6.9 Condução ou Diálogo?

A relação da improvisação do casal no tango se dá por meio de sugestões, proposta inicialmente por um dos integrantes. Essa proposta é dada a alcunha de

"Condução". É questionável se este termo contempla a relação de união entre duas

pessoas, fortemente ligadas pelo abraço, pois esse termo limita tanto os homens quanto as mulheres.

Ao aceitarmos a ideia de condução, dividimos o casal em duas partes, um transmissor e um receptor. O homem assume esse papel de transmissor e a mulher assume o papel de receptor. Neste caso, os dois lados estão "surdos", limitando a relação do casal. O homem que assume este papel baila de forma preconcebida, criando, em sua mente, um Plano Coreográfico esquematizado, a dama que assume esse papel de receptora acaba sendo limada de sua criatividade, passando apenas a uma reprodutora de Figuras.

A condução é um conceito em desuso, que deu lugar a ideia de diálogo, afinal, o proponente apenas sugestiona o primeiro movimento, o que vier adiante disso são improvisações e percepções de ambos. A mulher não se torna mais submissa à vontade do homem, e este, por sua vez, aguça os sentidos para perceber sua parceira e adaptar-se às suas proposições. Lembremos que esse diálogo deve ser respeitoso, nenhum dos participantes pode instaurar um monólogo, pois, caso isso aconteça, a unidade do casal se perde.

A prática pede uma condução ou um diálogo? Por mais que o termo condução esteja incorreto do ponto de vista dos praticantes do tango, ainda é didaticamente usado nas aulas. Na condição de estudo, ele define bem os papéis sociais, e auxilia no

aprendizado das Figuras. Porém, para que essa dinâmica ganhe corpo, utilizo-me da troca de papéis, muitas vezes, ensino minhas alunas a "conduzir" e os homens a "serem conduzidos".

Mas, então, com isso os homens aprenderão a ser Proponentes com percepção de como é ser "conduzido" e o diálogo ainda assim não acontecerá? Para que haja diálogo, é imprescindível que o código esteja claro. Caso contrário, será uma conversa absurda, portanto, no tango, é primordial que os conceitos e aplicações destes estejam disponíveis aos praticantes. Porém o entendimento desses conceitos requer tempo de estudo.

Então, temos um entrave diante da realidade. Os alunos chegam às escolas procurando aprender tango. O objetivo deles é poder deslocar-se no salão, juntamente com sua parceira(o), para tal, eles exigem do professor um repertório que lhes permita coexistir na Pista. O professor, para manter sua sobrevivência, que advém das mensalidades, aceita a proposta dos alunos e passa a lhes ensinar Desenhos e Figuras. Essa estrutura de ensino funciona apenas quando temos papéis definidos, pois tais elementos estão sem preenchimento de conceitos, sendo puramente técnicos. Nesse caso, a didática passa a ser uma mimetização de Figuras, sequências, movimentos cristalizados etc...

O diálogo no tango começa acontecer quando o aluno liberta-se de sua ansiedade e passa a entender os conceitos que retroalimentam a sua dança. Quanto mais os alunos avançam nas turmas, mais conceitos os professores injetam em seu aprendizado. A maturidade na dança possibilita aos dançarinos dialogarem em cima dos conceitos e das ideias estruturais do tango, tornando as Figuras parte sua, libertando-se de um repertório predefinido e criando o seu próprio repertório, ou ainda, buscando dar identidade ao repertório já existente.

Inicialmente, em meus aprendizados, fui um cavalheiro intransigente. As damas com quem dancei tinham de executar exatamente o que pensara para aquela Figura. Isso me tornou um parceiro extremamente limitado, pois o único estímulo que possuía era uma ideia preconcebida de sequências. Não me importava se essas movimentações caberiam na música, se a dama era apta a acompanhá-la. Valia-me de minha força física para colocar a mulher onde eu julgava que ela deveria estar. Essa minha experiência, é a denotação do que não se deve fazer ao bailar qualquer gênero da dança de salão.

Quando tive contato com o diálogo na dança de salão? O meu processo de ruptura com o conceito de condução advém de uma ideia do jogo teatral, na qual o jogo não é uma competição e, sim, uma vivência em que os integrantes ou ganham ou perdem juntos. Comecei a experimentar novas saídas de Figuras propostas nas aulas, ainda com ideias preconcebidas, no entanto, um dia, dancei com uma senhora de 80 anos que tinha problemas na coluna. Ela me disse que só sabia o "passo básico".

Neste tango, aprendi o que era controle de ansiedade ao dançar, visto que ela tinha um ritmo próprio a suas limitações, e caso eu usasse de força física para fazê-la seguir o meu ritmo, poderia machucá-la seriamente. Diante dessa tensão de manter a integridade da senhora, comecei a prestar atenção nela, em como seu corpo reagia aos comandos e de que forma eu deveria estimulá-la a fazer certos movimentos. Então, foi nesse momento em que aprendi o diálogo? Ainda não. Por mais que minha percepção fora estimulada neste momento, ao voltar a dançar com outras damas, readquiri os hábitos instaurados.

A percepção do diálogo veio após diversas frustrações de mesma conotação. Eu sempre procurei dançar com damas "mais avançadas" do que eu, no entanto elas sentiam-se desconfortáveis ao dançar comigo. Para enaltecer a minha vaidade, eu propunha a elas diversos movimentos complicados, elas, por sua vez, conseguiam acompanhar calmamente as Figuras complexas que eu indicava. No entanto, após algumas danças, essas damas, educadamente, recusavam o meu convite. E no auge da minha vaidade e arrogância, pensava: "quem está perdendo são elas!".

Sobraram-me, então, as damas "menos avançadas", quando menciono avanço, refiro-me a repertório técnico. Ao dançar com elas, a maioria das Figuras e sequências preconcebidas falhavam, e cada vez que algo falhava, e eu tinha de lidar com a minha frustração, era como se meu repertório sumisse da minha mente, sobrando apenas os movimentos conceituais, tais como caminhadas, mudanças de direção, pivôs e, quando muito, arriscava uma sacada ou um gancho.

Essas frustrações contínuas me colocaram em crise com a dança, fazendo com que eu não me achasse capaz de dançar. Resolvi despir-me de minhas vaidades, e fui para uma Milonga completamente vazio, disposto a ser básico, sem alimentar qualquer tendência egocêntrica, sem a pretensão de ser admirado. Foi neste dia que descobri que,

estando abraçado a uma dama, não existe movimento errado, mas a possibilidade de novos movimentos.

Começava dançando simples e, aos poucos, ia acrescentando Figuras que comumente uso em meu repertório, mas só as acrescentava quando entendia que minha parceira estaria confortável e confiante com a minha presença. Passei a ouvir o corpo da mulher com quem dançava. Esse passou a ser um estímulo.

Após abrir esse canal de comunicação, passei a não mais ser rejeitado nas danças, as mulheres continuamente aceitaram meus convites. Minha dança ganhou qualidade, e hoje, a busca é sentir como está o corpo de quem estou dançando e as formas como devo responder aos estímulos, ao mesmo tempo em que instigo a minha parceira. Criar essa conexão fez com que meus sentidos se aguçassem para outros elementos relacionados à inspiração que um tangueiro venha a acessar. Como já mencionamos anteriormente.

O diálogo acontece sempre? Não. O diálogo só acontece quando as duas partes estão entregues ao tango e ao momento em que se disponibilizaram a viver, pois, quando uma das partes criar um fator de resistência à comunicação, esse diálogo deixará de existir, assim como a unidade do casal, mesmo que, diante dos observadores, o casal se desenvolva bem no salão, os viventes daqueles momento estão concentrados apenas nas técnicas dos Desenhos e das Figuras.

O diálogo é uma construção constante, um exercício intermitente de percepções. No método Dinzel, o autor estimula seus alunos desde o princípio, para que entendam que seu papel é mutável, indefinido e que só existe tango com a comunhão do casal, onde os dois têm destaques e dançam com cumplicidade.

O diálogo coloca o casal em outro estado, tal estado gera diversos pontos a serem estudados tanto no Aparato Dramático quanto no Expressivo. Voltemos ao abraço que, ao estar em movimento, se modifica constantemente. Para tal, Dinzel desenvolveu nomenclaturas para elementos componentes do abraço em movimento.

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