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4 A DINÂMICA DAS RELAÇÕES ENTRE OS HOMENS QUE POSSUEM

4.3 CONECTANDO-SE COM OUTROS ESPAÇOS

É preciso que se destaque que o estabelecimento de relações de amizade com indivíduos (até mesmo de segmentos sociais subalternos), conectando-se com outros espaços, foi constante e de fundamental importância para a constituição de um grupo social interessado na acumulação de riquezas e na “distinção” e ascensão no meio social no sertão da Paraíba e, de forma mais específica, no sertão do Rio Piranhas. Já que a “nobreza principal da terra” não granjeou da monarquia um conjunto de prerrogativas estamentais, que avalizasse um modo de vida mediante o “qual fosse identificada sua posição de mando na hierarquia social” (FRAGOSO, 2007, p. 47).

Era preciso lançar mão de outros artifícios, era necessário “inventar o cotidiano”, fazer e refazer alianças, estabelecer pactos mútuos e cumpri-los, caso contrário verificar-se-iam alterações no modo como se compunham as redes relacionais, com a formação de novos grupos e/ ou arranjos sociais.

Só para se ter uma ideia, no “[...] anno do Nascimento de NoSo Senhor Jesus Christo de mil sete centos e noventa e quatro aos quatro dias do mês de desembro do dito anno”, na Vila de Pombal de Nossa Senhora do Bom Sucesso, Francisco Pereira de Sá e Agostinho de Araújo, encontravam se na condição de outorgantes de uma procuração, na qual estabeleceram como seus legítimos procuradores na Cidade da parahyba do Norte: [?] Bezerra, Augusto Correia [?], Pedro Jose de Vasconcelos, Manoel da Silva; na cidade da Bahia de todos os santos: capitão mor Christovão da Rocha Pita, Francisco Pereira de Negreiros, Jose de Vasconcelos, Antonio Jose de [?]61 e outros que não foi possível identificar.

Os outorgados estavam com a responsabilidade de “cobrar e arrecadar [...] toda a sua fazenda e bens dívidas que se lhes deva Legítimas heranças ou Legados q[eu] lhe pertencer”. Como testemunhas, estavam: Manoel Antonio do Rego [?] e Antonio Bazílio. O tabelião e o juiz ordinário eram respectivamente Antonio do Rego Faria e Pedro Soares Barbosa.

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Fizemos referência ao Livro de Notas de 1744. Cartório do 1º Ofício de Notas e Registro de Imóveis Coronel João Queiroga, Pombal – PB.

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Procuração Bastante que faz Francisco Pereira de Sá e Agostinho de Araújo, 1794. Cartório de 1º Ofício de Notas e Registro de Imóveis Coronel João Queiroga, Pombal, PB.

O que mais nos chama a atenção no documento são as ligações estabelecidas pelos dois moradores da Vila de Pombal de Nossa Senhora do Bom Sucesso com o capitão mor Christóvão da Rocha Pita. O referido capitão residia na Bahia de todos os Santos e no ano de 1780 requereu sobras de terras nas ilhargas ao pé da serra do riacho das Piranhas e do estreito obedecendo ao parâmetro três léguas de comprido por uma de largo.

No mesmo ano, Christovão da Rocha Pita, requereu também, um sítio de terras na Ribeira das Piranhas (três léguas de comprido e uma de largo). No ano de 1781 apareceu novamente requerendo terras devolutas na Ribeira das Piranhas (três léguas de comprido). Em resumo, os outorgantes ligavam-se a Bahia ao necessitarem dos “favores” de Cristovão da Rocha Pitta, e este conectava-se aos sertão de Piranhas porque possuía propriedades naquele espaço. Certamente obrigações recíprocas eram a tônica dessas relações.

De modo semelhante, no dia 18 de janeiro de 1794, na vila de Pombal de Nossa Senhora do Bom Sucesso, Antonio Alves de Oliveira expediu procuração a procuradores nas seguintes localidades: vila de Pombal, (capitão Jose Ferreira de Sousa, seus filhos [?] Antonio Alves de Oliveira, Francisco Alves de Oliveira, Jose de Oliveira Maciel); cidade da Paraíba do Norte, (Antonio Basto, Miguel Arcangelo); vila de S. Antônio do Recife, (Manoel Alves de Sá, Reverendo Jose Pereira Lobato, João Afonso); vila de Porto Alegre (Francisco [?] Dias, Matheus Frazão, Antonio de Albuquerque); vila do Crato, (capitão mor Jose de Olanda, capitão mor Francisco Dias); vila do Ico [?], (capitão mor Luis de Lovor [?], general Bernardo Duarte Brandão); sertão do Panhamum [?], (tenente coronel Eufrásio Alves [?] Feitosa); sertão do Piauhi, (tenente Antonio Pereira da Silva, reverendo Ignácio da Cunha, ajudante Antonio do Rego Castelo [?] Franco, capitão mor João Nunes Gerardes Pereira, capitão mor Luis Carlos de Abreu62).

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Procuração Bastante que faz Antonio Alves de Oliveira, 1795. Cartório de 1º Ofício de Notas e Registro de Imóveis Coronel João Queiroga, Pombal, PB.

Figura 14 - Diagrama vínculos de Antonio Alves de Oliveira com outros espaços

Na procuração acima, são claras as ligações de um indivíduo que habitava no sertão, com pessoas em lugares distanciados como a vila de Santo Antonio do Recife, a vila de Porto Alegre, a vila do Crato, a vila do Icó, sertão do Piahui, tais conexões dão sinais de que o sertão do Rio Piranhas ou as áreas interioranas não se encontravam desconectados de uma dinâmica mais geral. Uma diversidade de pessoas se encontram envolvidas nos negócios de Antonio Alves de Oliveira, surpreende o fato de muitos de seus procuradores ocuparem funções de capitão, tenente, ajudante e até padre.

Em sua monografia intitulada Capitania da Paraíba: população e circuitos mercantis na virada para o século XIX, Yamê Paiva apontou as ligações das paróquias do sertão com os portos de Aracati, Açu, Mossoró, Goiana e Recife. Para ela, existia uma conexão comercial entre os sertões das Capitanias do Norte, que se torna evidente mediante a observação dos circuitos mercantis. A historiadora admite que muito mais do que proporcionar uma visão da Capitania, a documentação por ela pesquisada permite volver o olhar para o sertão. Ela acredita que os mapas de exportação e importação viabilizam a apreensão da movimentação da economia sertaneja. A autora concluiu que se exportava gado, couros miúdos, atanados, sola, algodão e tabaco em corda e importava-se, basicamente, vinho, tecidos diversos, chapéus

e sal. Dessa forma, o sertão nos é apresentado não como um espaço agressivo e marcado pela apatia, “mas, em termos econômicos, bastante dinâmico, pulsante e gerador de um mercado interno através da circulação de produtos produzidos e consumidos” (PAIVA, 2009, p. 68- 69).

Embora a temporalidade enfocada por Paiva abranja apenas os dois últimos anos do período analisado nesta dissertação, suas considerações são muito preciosas para fazer pensar no movimento de pessoas no sertão, possibilitando a percepção de suas conexões com outros espaços, além de muitos outros aspectos que podem ser também apreendidos. Estas informações são, portanto, relevantes para a discussão que se faz aqui, pois corroboram com a realidade evidente nas procurações, em que aparecem estas intensas ligações do sertão com espaços mais distanciados.

Deve-se considerar ainda que Manoel da Silva, morador no Rio do Peixe, encontrando-se na Vila de Pombal de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó, expediu procuração a pessoas que residiam na vila de Pombal, (tenente Manoel da Silva, capitão João Gomes de Sá); e a outras pessoas63, na cidade da Paraíba do Norte. Essas pessoas ficaram na incumbência de “cobrar e arrecadar suas fazendas, bens e dívidas que se lhes dava suas legítimas heranças ou legados que lhe pertença por qualquer via ou título” 64.

Não foi possível encontrar muitas informações sobre esses indivíduos. Mas pode-se inferir que eram senhores de terras, agricultores envolvidos também em atividades comerciais, que responsabilizavam outras pessoas (procuradores) em localidades várias, isto é, nas ribeiras próximas e outros espaços mais distantes, para cuidar de seus negócios. Além disso, muitos dentre esses indivíduos ocupavam cargos públicos. Constituiu-se então uma rede de amizade que envolvia variados interesses comuns entre essas pessoas.

Desse modo, se percebe como essas ligações foram muito importantes para o desenvolvimento de relações de amizade, solidariedade, fidelidade e honra entre os colonos estabelecidos no alto sertão paraibano durante o período de expansão daquela fronteira e fixação da população nas novas terras. Essas ligações são indicativas de que o espaço-sertão comunicava-se comercialmente com outras áreas por vias diferenciadas.

Enfim, infere-se que as comunicações realizadas pelos sertanejos com outros espaços evidenciam um cuidado com a manutenção da base material constitutiva da riqueza desses atores sociais. Através do estudo dessas relações sociais e de poder exercitadas no sertão

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Não identificadas na documentação.

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Procuração Bastante que faz Manoel da Silva, 1795. Cartório de 1º Ofício de Notas e Registro de Imóveis Coronel João Queiroga, Pombal, PB.

paraibano na primeira metade do século XVIII, portanto, há a possibilidade de apreender a ação de sujeitos que detinham uma Cultura Política assentada na ideia de luta pela sobrevivência, acumulação de riqueza e ascensão social. Desse modo, conclui-se que aqueles atores sociais incorporavam a Cultura Política de seu tempo, tendo em vista alcançar seus interesses particulares.