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3. Reflexão crítica da prática clínica – competências, objetivos e atividades

3.4. Apoio à família

3.4.1. Conferência Familiar

Segundo Pereira (2010) o envolvimento e a participação dos familiares nos cuidados a prestar, no domínio dos cuidados paliativos, são fundamentais para o conforto e bem-estar da pessoa, bem como para a promoção da sua dignidade. A OE salienta enquanto competência do enfermeiro especialista em pessoa em situação crónica e paliativa “envolver cuidadores (…) para otimizar resultados na

satisfação das necessidades” (2011).

Os familiares possuem um conhecimento mais profundo sobre os gostos, os hábitos e desejos do doente, o que constitui um contributo importante para cuidar do doente. A sua presença beneficia não só o doente, como toda a família (Barbosa, 2010; Pereira, 2010; Twycross, 2003).

O estabelecimento de uma relação interpessoal entre os familiares e os profissionais de saúde é de extrema relevância, uma vez que desta forma é possível resolver as principais necessidades, incertezas e expectativas da família (Pereira,

2010). Realizar reuniões frequentes com a família constitui uma oportunidade para avaliar a dinâmica familiar (Pereira, 2010; Guarda et al, 2010). Estas reuniões também denominadas de conferências familiares segundo Neto são definidas como “(…) forma de intervenção estruturada na família (…) que para além da partilha de informação e de sentimentos se pretende ajudar a mudar alguns padrões de interação na família”. (2003, p.70)

A fase de assimilação do diagnóstico e da progressão da doença é uma fase muito dolorosa, onde inúmeras vezes a angústia, a revolta, a incompreensão do “porquê eu” levam o doente e a família a reagir de forma agressiva, onde muitas vezes a equipa terapêutica são os alvos dessa reação emocional. “Mas agora qualquer coisa o irritava e mergulhava no desespero (…) e enfurecia-se com a desgraça, ou com as pessoas que lhe causavam dissabores (…), mas não conseguia evitá-la ” (Tolstoi, 2012, p.46). Tal com Ivan Ilitch também a Sr.ª C. passou por uma fase de revolta muito grande, tendo sido a equipa o “alvo” deste sofrimento e angústia. Foi essencial através de reuniões diárias, estabelecer uma relação de confiança com a esposa do Sr. F e perceber o motivo da sua ansiedade, angústia, revolta e zanga. Guarda, Galvão e Gonçalves (2010) referem precisamente que a revolta e agressividade, muitas vezes manifestadas, não constituem um ataque aos profissionais de saúde, mas sim o desespero perante a incapacidade de ajudar a pessoa que amam. “O F, sempre me disse que não queria sofrer e vê-lo assim não consigo suportar”, “está constantemente a dizer- me que não pode viver neste sofrimento”(sic). Refere pedir constantemente aos enfermeiros e aos médicos para o ajudar, que ele já pediu por inúmeras vezes a eutanásia. A Sr.ª C refere que com o avançar da doença, a degradação progressiva do estado físico do Sr. F, lhe causa muito sofrimento. “ O F sempre foi muito ativo, vivíamos muito um para o outro, gostávamos muito de viajar”(sic). Refere sentir-se impotente perante tudo o que está a acontecer. “Não sei o que fazer para o ajudar, eu só quero cumprir a vontade dele” (sic). O Sr. F de forma clara e consciente pediu à equipa sedação paliativa.

Quando uma família é confrontada com a doença de um familiar, o equilíbrio é quebrado, implicando na família um reajustamento do sistema familiar. Não só os doentes necessitam de cuidados mas também as suas famílias. O apoio prestado à Srª C revelou-se vital, onde pequenos gestos fizeram a diferença. Foi importante validar o esforço e dedicação com que cuidava do Sr. F. O reforço positivo fez com que desenvolve-se sentimentos de partilha e bem-estar com a equipa. Toda a situação envolvente era dolorosa para a Srª C, onde muitas vezes bastou um pequeno gesto como um toque terapêutico ou apenas o silêncio para que ela pudesse expressar a sua tristeza. A nossa presença diária era importante na medida em que era possível a partilha de sentimentos, dúvidas e mágoas. O fato de saber que estávamos ali para a ajudar, era reconfortante para a Sr.ª C na medida que sentia que não estava sozinha. “Saber que vocês vêm aqui todos os dias, deixa-me mais tranquila”(sic).

De acordo com Pereira e Lopes (2005) a cada visita realizada ao doente e à sua família é importante reforçar e valorizar o trabalho e empenho da família nos

cuidados ao seu familiar doente. Este espaço de diálogo abre uma oportunidade para a expressão de sentimentos, dúvidas, angústias que sintam e que necessitem de validação ou clarificação por parte da equipa.

Ao nível da unidade de competência “reconhece os efeitos da natureza do cuidar (…) nos seus cuidadores e familiares, sobre si e outros membros da equipa, e responde de forma eficaz”, a OE (2011) define como critério de qualidade a “utilização de estratégias eficazes de auto- cuidado para minimizar potenciais

geradores de stress relacionadas com a dependência e proximidade da morte”.

Segundo Joshi (2013) e Hudson, et al (2008), a família experiencia um leque de problemas, que carece de intervenção da equipa de saúde, de forma a dar qualidade de vida ao doente/família. Com o intuito de apoiar as famílias bem como maximizar o sucesso das suas intervenções surgem as conferências familiares (Neto, 2003; Reigada, et al 2009).

Foi fundamental a realização de conferência familiar para envolver a família na tomada de decisões e direcionar os cuidados para ajudar no alívio do sofrimento.

Segundo Fernandes (2016), Neto e Trindade (2007) as conferências familiares constituem uma importante intervenção junto da família em cuidados paliativos. Estas devem ser realizadas sempre que se entenda necessário, uma vez que ajudam na comunicação entre a família, o doente e a equipa. Permitem a resolução de conflitos e ajudam na tomada de decisões. É fundamental que ocorra uma preparação prévia pela equipa para a realização da conferência familiar. Esta deve obedecer a vários princípios: criar ambiente de confiança e adaptação em local apropriado (foi escolhida no serviço um local calmo, com privacidade, em que possibilitou que todos ficassem sentados, facilitando desta forma uma comunicação aberta e eficaz);

Preparar os conteúdos a abordar; decidir quem vai estar presente (devido à

condição física e à progressão da doença, o Sr. F não esteve presente, estava presente a Sra. C, o médico assistente do serviço e a EIHCP (médica, enfermeira e eu), foram esclarecidas dúvidas da esposa, nomeadamente a sedação paliativa e a necessidade de ser feita de forma progressiva); Nomear o moderador entre os membros da

equipa (foi escolhido o médico assistente para iniciar a conversa, uma vez que

acompanhava o Sr.ª F desde o seu diagnóstico); informar o doente e restantes

intervenientes convidando-os para estarem presentes (escolha antecipada do dia

e da hora para realizar a conferência familiar).

Foi imprescindível fazer o esclarecimento de dúvidas e prestar apoio emocional. Dado o desgaste causado por toda a situação foi sugerido à Sra. C que dedicasse alguns momentos do dia só para si, que era importante que se distraísse, uma vez que por vezes estar sempre junto do Sr.º F e este estar sonolento ou com “sensação de falta de ar” causava-lhe angustia e ansiedade.“ Sinto-me perdida, às vezes sinto-me preparada para o que vai acontecer, mas noutras eu sinto que não estou preparada”(sic).

Neste momento tão difícil, em que se encontra, sente-se desamparada e com um misto de sentimentos. “ Às vezes não sei o que fazer, dou por mim a ocupar a lugar dele na mesa. Não consigo ver o lugar dele vazio”(sic), inconscientemente inicia luto antecipatório.

Sapeta e Lopes (2007), refere que é importante analisar o impacto que a morte causa na família, uma vez que desta forma é possível identificar fatores que influenciam a adaptação da família relativamente à perda, designadamente: o processo de morte, a rede familiar/social, bem como o instante da perda no ciclo da vida e o contexto sociocultural da morte.

Para a Sr. C tem sido difícil enfrentar todo o processo da doença, referindo muitas vezes não saber como lidar com a evolução progressiva da doença. Coube a nós profissionais de saúde ajudar a Sr. C a lidar com todas as alterações que ocorreram ao longo de todo o processo.

O sucesso dos cuidados prestados aos doentes e às famílias dependem do tipo de apoio prestado pela equipa (Neto, 2003). Segundo o PNCP “para que as famílias possam de forma concertada e construtiva, compreender, aceitar e colaborar nos ajustamentos que a doença e o doente determinam, necessitam de receber apoio, informação e instrução da equipa prestadora de cuidados paliativos”. (2004, p.4)