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Configurações da identidade na sociedade moderna

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 47-53)

3. UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE

3.2. Configurações da identidade na sociedade moderna

Não há como entender o conceito de identidade sem questionar o processo histórico; esse tem causado diversas mudanças que certamente refletiram na identidade social. Com isso, foram anexadas variações às identidades e aos respectivos papéis sociais; e, para que fosse possível uma adaptação às mudanças assumidas nos diferentes papéis, ocorreram (e ocorrem) rupturas nas personalidades. Agora é formada por diversas partes; diversas por serem várias e, também, por serem diferentes. Segundo Bauman (2005, p.18):

Sempre faltarão peças em um quebra-cabeça que tenha a identidade como fim, assim é sempre um jogo incompleto (sem nenhuma noção de quantas peças faltam no jogo), enquanto que aquele comprado em uma loja geralmente vem completo e possui na caixa (ou em outro local) a imagem impressa – o objetivo a ser alcançado. (Bauman, 2005, p.18)

Assim como Bauman, o sociólogo britânico Anthony Guiddens é um dos maiores colaboradores acerca da interpretação do conceito de modernidade. Com suas ideias soube influenciar sobremaneira diversas áreas da teoria social contemporânea. Em suas reflexões sobre a modernidade e as consequências trazidas para a vida social, Guiddens delimita o conceito como: “Um estilo, costume de vida, ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e

que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência” (Guiddens, 1991, p, 11). Essa definição que dá sobre a modernidade é pouco clara e carece de argumentos que melhor a elucidem.

Guiddens explicita em seus escritos a melhor forma de entender a modernidade, e direciona o foco no distanciamento promovido em relação ao ordenamento social tradicional. Para ele, tanto em sua extensionalidade quanto em sua intencionalidade, as transformações na modernidade são mais profundas que a maioria dos tipos de mudanças características dos períodos precedentes (Guiddens, 1991, p, 14).

As características da modernidade estão expressas em todos os lugares, causando transformações tanto na esfera pública quanto na privada. Não é mais um elemento fundamental o espaço físico para que haja interação entre os indivíduos; as novas tecnologias organizam a constituição social de modo que priorizam a economia e a otimização do tempo. As atividades mais locais estão sendo motivadas por ações distantes, é a era da globalização. Nesse sentido, Guiddens aponta três aspectos capazes de separar a modernidade das épocas anteriores.

Primeiro que a velocidade das transformações na modernidade é muito superior à do passado. Segundo, é que o objetivo de tais mudanças agora ocorre em âmbito global, alcançando um extenso território; e terceiro é que o sentido primordial das organizações modernas não são mais constituídos como antes, tais como o sistema político e as relações comerciais.

Declara que a grande experiência da modernidade, repleta de perigos globais, não é de maneira alguma o que os pais do Iluminismo tinham em mente quando falaram da importância de contestar a tradição (Guiddens, 1991, p, 76). Para ele, o progresso das entidades e a nova forma de viver causam preocupação.

Na concepção do autor, o momento atual não é outro senão o moderno. Opinião de que vários outros estudiosos do assunto discordam.

Daniel Bell (1973) concebe esse período como “além” da modernidade, onde esse “além” representa a sociedade pós-industrial. Bauman (1998) e Harvey (1992) o denominam de pós-moderno. Já Lipovetsky e Charles (2004) conceituam a época como hipermoderno. Essa é uma extensa discussão que envolve vários estudiosos, porém Guiddens admite e também concorda com a ideia de que vivemos um momento que escapa ao nosso domínio e ainda não conseguimos compreender em sua totalidade as mudanças que vêm acontecendo.

Apesar disso, ele discorda que a modernidade tenha sido superada por outro período. Sugere que observemos a natureza da própria modernidade, a qual, por certas razões bem específicas, tem sido insuficientemente abrangida, até agora, pelas Ciências Sociais (Guiddens, 1991, p, 12).

Ressalta que o processo atual de transformações por que passa a sociedade nada mais é que uma fase de amadurecimento da modernidade. Segundo o autor, tempo e espaço na atualidade dissociam-se dos referenciais concretos anteriores. Não há mais necessidade da interação física nas práticas sociais como antes, tem- se agora um maior número de possibilidades diante de si, incluindo novas formas de agir, novos hábitos.

Surge na modernidade uma forma de reflexividade, onde os indivíduos estão em processo constante de avaliação e reformulação de suas atividades e práticas. Partindo dessa perspectiva, até os vícios são escolhas: são modos de se enfrentar a multiplicidade de possibilidades que quase todos os aspectos da vida cotidiana, quando se olha de maneira adequada, oferecem (Guiddens, 1991, p, 122). Ele se

utiliza de duas nomenclaturas para nomear modernidade, chama de simples e também de nova, sendo que a segunda é também conhecida como reflexiva.

É caracterizada pela reflexividade social, não querendo dizer que antes tal interação era inexistente, e sim que na atualidade é praticada constantemente; uma espécie de juízo estendido a vários ramos da vida em geral. Guiddens menciona que:

A reflexividade tem dois sentidos: um que é bastante amplo e outro que diz respeito mais diretamente à moderna vida social. Todo ser humano é reflexivo no sentido de que pensar a respeito do que se faz é parte integrante do ato de fazer, seja conscientemente ou no plano da consciência prática. A reflexividade social se refere a um mundo que é cada vez mais constituído de informação, e não de modos preestabelecidos de conduta. É como vivemos depois que nos afastamos da tradição e da natureza, por termos que tomar tantas decisões prospectivas. Nesse sentido, vivemos de modo muito mais reflexivo do que as gerações passadas. […] A radicalização da modernidade significa ser obrigado a viver de modo mais reflexivo, enfrentando um futuro mais incerto e problemático (Guiddens, 1991, p, 87).

Guiddens chama a atenção para a “democratização das emoções”, onde, apesar de vivermos subordinados às relações de poder, as interações sociais são vivenciadas de outra forma. Percebemos que na atualidade pondera-se mais o ato de relacionar-se como o outro e, também há uma maior facilidade de troca, o que antes não ocorria de forma tão simples. A tradição perde a sua força, a crença nos ritos e mitos do passado já não existe mais. Guiddens afirma que “a tradição, digamos assim, é a cola que une as ordens sociais pré-modernas”.

Assim afirma Guiddens: “Em outras palavras, a tradição é uma orientação para o passado, de tal forma que o passado tem uma pesada influência ou, mais precisamente, é constituído para ter uma pesada influência sobre o presente” (Guiddens, 1997, p. 80).

A tradição é responsável por controlar a sistematização da comunidade. Através dela a leitura de mundo está vinculada aos costumes; faz com que surja um

sentimento de aceitação diante dos fatos. Apesar de a tradição ser o guia para o direcionamento de atitudes e procedimentos, por outro lado se vincula ao futuro que é admitido como algo contínuo, tempo atual. E a tradição se encarrega da adaptação ao período seguinte; não ocorre um rompimento e sim um encadeamento sucessivo. A chegada da modernidade é inserida e remodelada na tradição, dando continuidade a novos moldes e costumes, mas nunca abandonando totalmente o que já existia. Muitos traços dos valores preexistentes subsistem e se representam na sociedade atual. Houve uma transformação da sociedade e de como as pessoas passaram a ver o mundo e lidar com as relações; podemos dizer que tantas inovações também trouxeram insegurança.

A modernidade pode-se dizer, rompe o referencial protetor da pequena comunidade e da tradição, substituindo-as por organizações muito mais impessoais. O indivíduo se sente privado e só num mundo em que lhe falta o apoio psicológico e o sentido de segurança oferecido em ambientes tradicionais (Guiddens, 2002, p. 38). Para o autor, não é só a invenção de uma nova nomenclatura que será capaz de esclarecer as atuais relações sociais; é preciso refletir sobre os efeitos. Assim elucida Guiddens:

Em vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos alcançando um período em que as consequências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes. Além da modernidade, devo argumentar, podemos perceber os contornos de uma ordem nova e diferente do que é atualmente chamado por muitos de “pós- modernidade”. (Guiddens, 1991, p, 12-13)

A modernidade abre espaço “para relacionamentos baseados muito mais em comunicação efetiva do que em papéis sexuais intencionalmente estabelecidos” (Guiddens, 2000, p, 93). Logo, o papel social feminino ganha outro contorno, pois “o caminho para a modernização reflexiva passa necessariamente por uma ampla

democracia sexual com todas as oportunidades e também problemas que isso acarreta” (Guiddens, 2000, p, 135).

O autor reconhece que essas alterações de ordem privada atuam intensamente na área pública. O indivíduo experimenta a liberdade da opção proporcionada pela reflexividade da modernidade, onde as tradições já não direcionam comportamentos.

Para Guiddens “as rotinas que são estruturadas por sistemas abstratos têm um caráter vazio, amoralizado – isto vale também para a ideia de que o impessoal submerge cada vez mais o pessoal” (Guiddens, 1991, p, 122). Com essa afirmação, procura mostrar que a nova fundamentação entre o pessoal e o social surge rapidamente; são condições distintas, mas interligadas.

Pode-se dizer que o público e o privado adquirem um lugar unificado, mesmo que sendo diferenciadas em suas especificidades. Guiddens tentou produzir um princípio que buscasse abarcar não só a prática dentro da sociedade como também a teoria. Não limitou suas explicações nem às macroestruturas, nem aos próprios indivíduos. Guiddens recebeu várias críticas sobre esse conceito. É necessário salientar que ele em nenhum momento enunciou que a reflexividade se sobrepôs às tradições. Afirmou que não vivemos em um mundo tradicional, mas sim em um mundo de tradições, deixando evidente como as tradições se tornaram parte de uma recente possibilidade.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 47-53)