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Neste  capítulo,  será  feita  a  configuração  da  atividade  dos  cuidadores  de  idosos  que  trabalham em instituições geriátricas do Recife, destacando­se aquelas que fazem parte de seu  trabalho  no  cotidiano.  Com  base  nos  conceitos  propostos  pela  Ergologia,  procurar­se­á  responder:  Quais  sentidos  são  produzidos  nas  relações  dialógicas  estabelecidas  entre  os  discursos  dos  cuidadores  sobre  a  atividade  e  o  discurso  do  Outro  que  circula  no  âmbito  da  atividade? Em que  ingrediente (s) da competência baseia­se, principalmente,  a atividade dos  cuidadores  de  idosos?  Como  os  cuidadores  fazem  uso  de  si  e  se  posicionam  diante  das  dimensões gestionárias de seu trabalho na atividade de cuidador? A atividade profissional de  cuidador de idosos se constitui como um gênero em formação? 

5.1 A atividade dos cuidadores de idosos nas instituições geriátricas do Recife 

Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (BRASIL, 2002), cabe ao cuidador  zelar  pela  saúde,  alimentação,  bem­estar,  higiene,  educação,  diversão  e  cultura  da  pessoa  assistida, independentemente da idade. Os cuidadores de idosos institucionalizados trabalham,  ainda, considerando os objetivos das instituições de longa permanência. 

Os  propósitos  deste  estudo  não  incluem  uma  discussão  sobre  a  importância  do  cuidador  na  educação  e  na  cultura  dos  idosos  institucionalizados,  diante  da  complexidade  e  abrangência  desses  conceitos 20 .  Quanto  à  saúde,  alimentação,  bem­estar,  higiene  e  diversão  dos  idosos,  são  questões  que  envolvem  a  atividade  dos  cuidadores  de  idosos  e,  por  isso,  aparecem com recorrência em seus discursos, como será visto mais adiante, e isso permite a  configuração dessa atividade. 

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O fato de não conduzir, neste estudo, uma discussão a respeito do papel do cuidador na educação e cultura dos  idosos institucionalizados não desconsidera a importância da reflexão sobre o assunto.

De  acordo  com  Nouroudine  (2002,  p.  26):  “A  entrevista  com  sujeitos  individuais/coletivos  permite  fazer  emergir  uma  fala  portadora  de  informações  relevantes  sobre  o  trabalho”.  Diante  dessas  informações,  é  possível  delinear  as  atividades  que  fazem  parte do cotidiano de trabalho dos dez cuidadores entrevistados, uma forma de conhecimento,  via linguagem, de um coletivo de trabalho (CLOT; FAÏTA, 2000). 

A  cuidadora  S.A.  trabalha  durante  o  dia  na  I1  e  descreve  da  seguinte  maneira  o  seu  trabalho: 

P – Me fale sobre o seu trabalho. 

De um modo geral, o que  faço? [Seu trabalho como cuidadora... O que  você  faz?]  Como cuidadora, então... A gente, a gente cuidadora aqui né, nesse setor, a gente dá  os cuidados, que são: banho, higiene, é... pessoal, dos, das pessoas dependentes;  eu  auxilio  as  pessoas  que,  que  têm  alguma  deficiência  a  se  cuidar ,  o  banho,  a  medicação;  acompanho  a  médico;  se  possível,  passeio,  quando  há  tempo;  ou  cor to  a  unha,  bar ba...é...  e,  e...  fazer   algum  tipo  de  r ecr eação.  Aqui,  é,  é,  é  difícil, por que somos  poucos funcionár ios, são  um númer o gr ande de idosos, e  tem  alguns  dependentes  que  r equer   muito  cuidado,  e  a  gente  não  tem  tanto  tempo pr a dar , pr a fazer  alguma r ecr eação com eles, assim quando vem pessoal  de, de estágio, aí que disponibiliza mais pra eles. Mas a gente é mais cuidador  em  si, de levar  pr a médico, da higiene, do pessoal, de cuidar  de r oupa, de ar r umar   ar már io...  mais  isso.  [Mas  vocês  fazem  também  a  limpeza  do  salão,  ou  tem  zeladores pra isso?] Não, não, não, não. A gente, não, a gente cuida da higiene do  idoso, de, de, de ele fazer xixi, a gente limpar, ou levar acompanhando no banheiro e  dar banho, mas limpeza de chão, de lavar prato, de coisar... não. [Tem um pessoal  pra isso?] Tem um pessoal pra isso, é. (S.A., I1). 

S.A.  acentua,  na  avaliação  apreciativa  de  seu  trabalho,  as  atividades  relacionadas  à  higiene  (dar  banho,  cortar  as  unhas,  fazer  a  barba),  à  organização  dos  pertences  dos  idosos  (cuidar  da  roupa,  arrumar  os  armários)  e  à  medicação  (que  é  administrada  pela  cuidadora,  embora  seja  prescrita  pelos  médicos  e  separada  pela  enfermeira­chefe 21 ),  não  lhe  restando  tempo, portanto, para oferecer algum lazer, ou fazer algum tipo de recreação com os idosos. A  cuidadora  atribui  à  falta  de  tempo  e  ao  número  reduzido  de  cuidadores  a  razão  pela  qual  concentra  suas  atividades  no  que  ela  chama  de  “cuidado  em  si”,  enumeradas  da  seguinte  forma: “de levar pra médico, da higiene, do pessoal, de cuidar de roupa, de arrumar armário”  (S.A., I1). 

Dessa maneira, é possível recuperar, através do acento apreciativo contido no discurso  da  cuidadora  S.A.,  dois  sentidos  para  a  palavra  cuidado:  o  cuidado  em  si,  centrado  no  paradigma biomédico (MOTTA, 2000 apud MAFFIOLETTI; LOYOLA, 2003) que remete ao 

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modelo  de  maternagem,  em  que  predomina  o  bem­estar  físico  do  paciente,  intensamente  vigilado  pelo  cuidador  (MAFFIOLETTI;  LOYOLA,  2003);  outro  tipo  de  cuidado,  isto  é,  aquele  cuidado  baseado  no  paradigma  holístico,  que  ressalta  a  importância  da  relação  entre  enfermeiros  e  pacientes  e  salienta  o  cuidado  à  pessoa,  e  não  à  doença  (SILVA,  1998  apud  MAFFIOLETTI;  LOYOLA;  NIGRI,  2006).  Esse  sentido  de  cuidado  corrobora  com  o  conceito  de  saúde  integral  na  velhice,  que  busca  superar  a  cultura  de  medicalização  predominante na sociedade e tem como centro do tratamento a pessoa, e não a doença, visto  que considera o ser humano em sua totalidade (Histórico Novembro de 2005 do CNMP, apud  CABRAL, 2006, p.7). 

Na  avaliação  da  cuidadora  S.A.,  o  acento  apreciativo  relativo  às  atividades  de  recreação  recai  sobre  o  cuidado  holístico,  que  ela  reconhece  não  ter  tempo  de  exercer,  mas  que  outras  pessoas  assumem  por  ela  interinamente,  como  os  estagiários  que  freqüentam  a  instituição:  “e  a  gente  não  tem  tanto  tempo  pra  dar,  pra  fazer  alguma  recreação  com  eles,  assim  quando  vem  pessoal  de,  de  estágio,  aí  que  disponibiliza  mais  pra  eles”  (S.A.,  I1).  Outros  profissionais  também  realizam  atividades  de  lazer  na  I1,  como  atesta  sua  colega  de  trabalho, a cuidadora E.N.:  P – Você promove alguma atividade de lazer?  Não, vem o pessoal da faculdade né, às vezes vem, aí faz. Tem uma fonoaudióloga  que vem pra cá aí faz recreação com eles (E.N., I1).  A cuidadora M.M., por sua vez, também se sente tolhida para promover atividades de  lazer com os idosos, devido à falta de tempo:  P ­ O que você faz da hora que você chega a hora que você sai do trabalho?  Bom, meu dia de trabalho na Sta Casa: eu chego de manhã, dou “Bom dia!” a todos  eles. Às vezes, a maioria já estão na mesa, que agora o café tá sendo bem rigoroso o  horário, mas aí... [Que horas você chega?] 07 horas. Ah, que eu chego? 06h50. [...]  já  está  entrando,  dou  “bom  dia”  a  todos  eles,  entro,  troco  de  roupa,  aí  vou  dar  os  banhos àqueles que faltam tomar banho, dou BANHO, a gente coloca pra mesa pra  tomar  café  junto  com  os  que  já  estão  lá,  aí  vou  arrumar  a  cama  dos  que  faltaram  arrumar, venho olhar aqui o livro de re... o relatório de enfermagem que fica, né, pro  cuidador, pra gente ver qual foi a ocorrência que aconteceu no plantão anterior, no  plantão noturno, quais são os procedimentos que tem pra aquele dia de plantão, se  tem pacientes marcado pra médico, se tem exames a ser realizado, se tem consulta  pra  ser  marcada,  e  assim,  de  manhã,  é  aquela  coisa:  levar  pra  médico,  realizar  exame,  realizar  marcação,  colocar,  colocar  no  sanitário,  pra  fazer  as  suas  necessidades  de... né?  Todas  que tem  pra  fazer,  dar  banho novamente,  porque  tem  umas que tomam banho antes de almoçar, a gente já pr epar a pr a banho, quand o  tiver  na hor a do almoço, a gente leva pr a mesa, pr a elas almoçar , a gente liga a  televisão  pr a  assistir ,  gostar ia  de  ter   mais  tempo  pr a...  ter   uma  cr iatividade  maior   com  eles,  mas  aqui  é  um  bom  número  de  residente,  pra  duas,  são  32

residentes, então assim, a gente de manhã também faz barba, cortar unhas, faz toda a  tricotomia  tanto  de  mulher  quanto  de  homem  que  é  necessária,  aí  então  assim  a  gente  não  tem  tanto  tempo  pr a  estimular   uma,  uma  maior   cr iatividade  com  eles, na medida que a gente pode, a gente r ealiza [...] (M.M., I1). 

M.M.  não  especifica  quais  atividades  de  lazer  promove,  citando  a  televisão  como  o  divertimento dos idosos no cotidiano. No entanto, mais adiante, ela faz menção às atividades  de lazer que ocorrem normalmente na I1, demonstrando uma compreensão ativa a respeito da  existência de outros sentidos para a palavra lazer  na  instituição onde trabalha,  embora esses  sentidos  estejam  sempre  atrelados  à  iniciativa  de  voluntários  ou  de  outros  profissionais,  conforme já haviam dito as cuidadoras S.A. e E.N.: 

P – Você mencionou que, quando pode, promove algumas atividades de lazer...  É, de lazer. [E tem os grupos de fora também?] Tem, tem gr upos de estagiár ios de  cuidador es de idoso, tem gr upos de estagiár ios de técnico de enfer magem, tem  gr upos de fisioter apia, tem gr upos que vêm visitar , campanhas que vêm visitar ,  TERAPIA  DO  RISO,  eles  vêm  visitar ;  tem  alguns  voluntár ios  que  vêm  da  UFPE,  que  vêm  tocar   música  pr a  eles,  cantam  assim  MPB,  eles  fazem  A  FESTA,  gostam  muito  de  dançar ,  eles  gostam  muito,  aqui  de  vez  em  quand o  tem  passeio...  pr a  o  Veneza,  pr a  o  Dois  Ir mãos,  pr a  todos,  pr a  o  que  você  imaginar ,  Car naval  eles  não  deixam  de  br incar ,  vão  pr a  aqui,  pr o  Chevr olet,  tem  passeios  de  ônib...,  desses  car r inhos  gr ande  que  nem  ônibus,  na  cidade...  Eles se diver tem. Não todos. [Eles saem?] Eles saem, saem, tem uns, final de ano  tem ali no Mar co Zer o a peça do menino J esus, que eles, que eles vão assistir  à  peça;  sempr e  no  dia  do  idosos,  eles  vão  pr a  o  Veneza,  aonde  se  r eúne  tod o  gr upo  de  idoso,  tudo  que  é  centr o  ger iátr ico  se  r eúne  lá  com  os  idosos.  Nem  todos gostam de ir, tem uns que são quieto, que não gosta, sabe? Antes do dia... [Aí  eles ficam?] Ficam, eles, a maioria ficam. Antes de chegar o dia do passeio, a lista é  ENORME, mas quando chega no dia do passeio, vai a metade, porque aí eles... [E  vocês vão?] Sempre vai acompanhando um idoso, uma cuidadora de idoso, vai uma  técnica...  sempre  vai  quem  tiver  na,  na  chefia,  quem  tiver  no  setor  de  assistência  social,  se  tiver  outra  pessoa,  vai  outra  pessoa,  mas  sempre  dando  assistência...  e  VOLUNTÁRIOS né? Pra poder dar conta de todo mundo (M.M., I1). 

Assim,  embora  tenha  sido  possível  recuperar,  através  do  acento  apreciativo  que  a  cuidadora  S.A.  atribui  no  discurso  contido  em  seu  relato,  outro  sentido  para  a  palavra  cuidado, um cuidado que acentua a qualidade de vida dos idosos e não somente ao seu bom  estado  físico,  as  cuidadoras  da  S.A.,  M.M.  e  E.N.  reconhecem  que  não  têm  tempo  para  modificar  uma  rotina  tão  corrida  e,  assim,  promover  atividades  que  possam  melhorar  a  qualidade  de  vida  dos  idosos  de  quem  cuidam.  O  dia­a­dia  de  trabalho  dessas  cuidadoras  é  assim descrito por S.A.: 

P ­ Me diga o que você faz da hora que você chega aqui a hora que você sai. 

Eu  chego,  primeiramente  eu  vou  pros  banhos.  Se  tiver...  é...  alguma...  médico  marcado pela parte da manhã, eu levo, acompanho ao médico, vejo o que o médico  passa e passo o exame pra técnica de pressão. Quando não, aí eu vou cortar barba,  vou fazer barba, vou cortar unha, fazer é, é, fazer a tricotomia em parte íntima, se for  o  caso,  vou  arrumar  as  gavetas,  arrumar  os  armários,  fazer  a  higienização,

acompanhar  ao  banheiro...  aí  vem  a  parte  do  almoço,  porque  tem  a  copa,  tem  um  lanche, mas quem passa é a copeira, ela mesmo passa, aí vem o almoço, eu ajudo a  menina  da  copa  a  servir  o  almoço  deles,  depois  eu  entro  e  dou  almoço  aos  dependentes,  aí  vou,  troco  as  meninas,  faço  a  higienização  de  novo,  não  coloco  fralda, aí vou pra minha hora de almoço, quando eu volto, vou pro banho da tarde,  dou os banhos, depois guardo as roupas deles, que todos os lençóis de cama, roupa  pessoal vai pra lavanderia, de tarde volta, aí separo, guardo tudinho, entrego a eles a  roupa  deles,  aí  vou  pra  trocas  de  fralda,  vou  pra  janta,  entrego  lençóis,  arrumo  as  camas e larguei, vou pra casa (S.A., I1). 

A cuidadora B.O., que trabalha no turno da noite, na mesma instituição, relata que sua  atividade de trabalho, durante a qual os idosos estão dormindo, resume­se a ficar de prontidão,  aos  cuidados  com  a  higienização  do  idoso  e  ajuda  na  administração  da  medicação,  em  trabalho conjunto com a enfermeira­chefe: 

P ­ O que você faz, da hora que você chega à hora que você sai do trabalho? Como é  sua rotina de trabalho? 

Minha rotina de trabalho, olhe... É que agora é só à noite. Aí eu chego, eles tão já no  repouso,  vou  fazer  a  higiene  que  eles  tão  precisando,  certo...  é...  trocar  de  fralda  deles,  olhar  o  que  é  que  eles  tão  precisando,  é... procurar  forrar a  caminha  deles...  essas  coisas  assim,  as  atividades  da  noite.  [Mas  a  noite  toda?]  A  noite  toda  não,  porque  tem  a hora  do  repouso.  Mas  sempre  tá  em  atento,  porque  eu  tô  lá,  sempre  olhando... [Mas então quer dizer que você chega, faz a higiene e depois fica apenas  atenta,  ou  faz  mais  alguma  coisa?  Medicação?]  Não.  Medicação  sempre  a  gente  ajuda aqui a colega, na parte da enfermagem. [Fazem juntas?] É, exato. Assim, né...  tá  precisando,  aí... ali,  ah  passa  um remedinho...  [Mas  você  administra,  ou  ela?]  É  ela que sempre administra. [Você só dá, no caso, e ajuda a separar a medicação, mas  sempre com ela?] Exato. Sempre com ela (B.O., I1). 

A  enfermeira­chefe,  presente  no  momento  da  entrevista,  toma  a  palavra  e  fala  pela  cuidadora  sobre  o  trabalho  noturno  na  instituição,  acrescentando  às  atividades  mencionadas  pela cuidadora B.O. o banho das 4h, além de descrever com maior clareza sua rotina: 

4h  da  manhã  começa  a  se  dar  o  banho,  pra  quando  der  7h  da  manhã,  já  está  todo  mundo lá fora, pronto, cheiroso, aguardando o café, porque às 7h é hora do café­da­  manhã. Então 4h da manhã, a gente, ela, nós começamos a dar um cuidado melhor.  E no decorrer da noite, se ele apresentar diurese, ela vai e troca a fralda, que a gente  tá sempre observando, né, pra não deixar ficar molhado a noite toda. Então de agora  até, das 19h até as 7h, a gente tá aqui pra uma intercorrência, um chamado, ou então  se a gente vê alguém se levantar, for pro banheiro, a gente olha, vai tudo, vai atrás,  vendo o que é, pra a irmã não cair [...] Então a gente tá sempre em alerta. Só que tem  hora  que  eles  têm  que  dormir,  né,  então  tem  que  ter  o  repousozinho,  num  é?  (Enfermeira­chefe, I1). 

Dessa maneira, a palavra do Outro (a enfermeira­chefe), entra em relação de alteridade  com a palavra da cuidadora B.O. (o Eu), servindo para configurar sua atividade. A cuidadora  B.O.  aceita­a,  sem  refutá­la,  compreendendo  responsivamente  o  discurso  alheio,  através  do  silêncio. A resposta que a cuidadora B.O. dá ao discurso da enfermeira­chefe, isto é, o ato de  ficar  em  silêncio,  pode  demonstrar  a  influência  da  hierarquia  no  desenvolvimento  da  linguagem sobre seu trabalho, fazendo­a transitar também pela linguagem no trabalho, na qual

ela assume o seu papel de cuidadora e, por isso, deve seguir as ordens da enfermeira­chefe e  submeter­se  a  seu  discurso,  marcado  pela  prescrição  de  tarefas  a  serem  cumpridas  em  determinada  ordem  e  em  determinados  horários.  A  respeito  da  distinção  entre  a  linguagem  sobre o trabalho e no trabalho, esclarece Faïta: 

Um ponto de vista muito difundido na análise do trabalho consiste em distinguir a  fala  e  os  discursos  ‘no’  trabalho  e  ‘sobre’  o  trabalho  [...] Consideramos  que  esses  dois tipos de ‘fala’, caso haja objetivamente diferença em seu caráter mais ou menos  ‘situado’,  são  marcados, tanto  um quanto  o  outro,  pela relação  que  mantêm  com  a  ação:  não  existe,  de  um lado,  uma  ação  sobre  os  objetos  ou  a  situação,  puramente  material  ou  objetiva,  à  qual  a  fala  serviria  apenas  de  suporte  e,  de  outro,  uma  fala  autônoma  e  contextualizada  à  qual  as  situações  e  os  objetos  serviriam  apenas  de  referência. Tanto no primeiro quanto no segundo caso, a competência e os saberes  dos sujeitos nos parecem incorporados simultaneamente às maneiras de dizer e às  maneiras  de  agir,  orientadas  a  um  objetivo  comum  (FAÏTA,  2002,  p.  50,  grifo  do  autor). 

É de se pensar, então, que a dificuldade de falar sobre o trabalho, apontada por vários  pesquisadores preocupados com a relação entre linguagem e trabalho 22 , entre eles:  Schwartz  (1989),  Faïta  (2005)  e  Boutet  (1993),  é  inerente  à  própria  complexidade  do  trabalho  e  é  influenciada,  no  caso  dos  cuidadores  de  idosos,  pela  hierarquia  existente  nas  instituições  geriátricas, onde trabalhadores fazem parte de um coletivo, ao mesmo tempo em que disputam  o  espaço  para  exercerem  sua  atividade,  assim  como  para  afirmarem  seus  discursos,  pois  a  produção  de  sentido  dá­se  a  partir  do  embate  de  pontos  de  vistas  diversos  (BRAIT,  2006).  Assim, o silêncio da cuidadora B.O. (o Eu), o qual dá abertura para a palavra da enfermeira­  chefe  (o  Outro),  demonstra  que  a  dificuldade  de  falar  sobre  o  trabalho  ultrapassa  “a  complexidade  indizível  do  trabalho”,  para  dar  lugar  ao  “ininterrupto  processo  humano  de  industriamentos dialógicos no qual a palavra de si e a palavra do outro se sobrepõem uma à  outra” (FRANÇA, 2002, p. 256). 

Avançando na configuração da atividade do cuidador de idosos, o cuidador A.M., da  I2, relata que seu trabalho engloba os cuidados com a  higiene e a alimentação, mas  inclui o  auxílio na prática de exercícios físicos pelos idosos, além do banho de Sol matutino: 

P  –  O  que  você  faz  aqui no  seu  dia­a­dia,  da hora  que  chega,  a hora  que  sai?  Um  resumo... 

Resumo:  quando  eu  chego,  eu  vou  dar  banho.  [De  que  horas?]  06h  da  manhã.  Chego,  vou  dar  banho nas  velhinhas, aí  vamo  pra  eu  ajudar a arrumar,  vou  mudar  fralda,  trago  ela  pra  cá,  vou  dar  banho,  se  tiver  fazendo  Sol,  bota  lá  fora  pra  dar  banho, eu e o rapaz que bota as cadeiras pra fora, eu já chego direto pra dar banho,  botar banho de Sol, depois do banho, se tiver fazendo um Sol bonito, dá um banho 

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Para maior esclarecimento com respeito à dificuldade de falar sobre o trabalho, consultar Souza­e­Silva  (2004).

de  Sol.  Depois  eu  vou  o  quê,  vou  encher  fralda,  que  é  pra  de  tarde  dar  banho.  [Encher  fralda...?]  Aquelas  fralda  de  pano,  muitas  usa  fralda  de  pano.  [Ah,  sim]  Porque  fralda  descartável  são  pra  aquelas  que  não  têm  condições.  Tem  umas  que  nem  fralda  usa,  só  calcinha  mesmo.  Quando  quer  usar,  pedir  pra  fazer  uma  necessidade, elas pede. Vá, que mais? [É só  o  banho que  você  faz...?] Dou  banho,  cuido delas, depois eu vou caminhar com elas, tem isso também, tem que caminhar.  [Aqui  no  abrigo?]  Aqui  dentro,  que  é  pra  poder  estimular,  não  ficar  entrevado,  aí  dou uma caminhadinha com ela... [Que mais? Na hora do almoço...] Dou o almoço,  limpo  a  boquinha  dela...  [Faz  a  higiene  oral?]  Aí  temos,  de  manhã,  escova  os  dentes dela também né, a gente escova os dentes dela. De meio­dia, nós fazemos  o quê, nós fazemos a higie..., lavamos a boca dela e passamos pr oca... como é?  Pr ocar d, que é pr a tir ar  aquelas bactér ias de infecção na gengiva. 30 dias nós  usamos Pr ocar d, 30 dias par amos. [E de tarde?] Escovamos os dente dela, damos  banho, escovamos os dentes dela e botamo pra tomar café, aí já vão direto pra cama.  [Depois do jantar...] É, do, do, do jantar dela, bota ela pra dormir, aí mais ou menos  6h eu vou tomar meu banho, vou tomar café e vou pra casa (A.M., I2). 

Tendo  em  vista  as  atividades  descritas  pelo  cuidador,  observa­se  que  existe,  na  sua  rotina de trabalho, o estímulo à prática de algum exercício físico, como as caminhadas a que  se refere o cuidador, as quais ganham importância na medida em que ajudam na manutenção  da  saúde  e  qualidade  de  vida  do  idoso  (BRASIL,  2008).    Além  disso,  os  cuidados  com  a  higiene comportam os procedimentos de higienização oral, descritos pelo cuidador no trecho  em destaque, os quais são objeto de privilégio de discurso também por sua colega, a cuidadora  R.S., da I2, como se observa a seguir: 

P ­ O que você faz aqui no trabalho da hora que você chega até a hora que você sai?  Cuidar.  Cuidar  de  tudo!  Né  cuidadora?  Cuidadora,  ela  cuida  da,  da  alimentação,  quando vem, né? Que a cozinheira, a menina traz. Ela cuida das roupas das idosas,  oh  aqui,  agora  mesmo  tô  trocando  os  chinelinhos,  tá  vendo?  Aí  eu  fui  pegar  os  chinelos  novos  pra  botar,  que  já  tem  alguns  chinelos  que  não  servem  mais.  E...  cuidar   de  tudo,  eu  cuido  de  obser var   se escovou  os  dentes,  se  não  escovou,  eu  pr ocur o  ver ...  entendeu?  Per gunto  na  mesma  hor a:  “­  Limpou  a  peça  da  paciente, a pr ótese e tal? 23 ” Se ela tá passando, ou ela tá acamando, já tá bem  velhinha,  se  tiver   a  pr ótese,  eu  mando  tir ar ,  como  tem  um  bocado  aqui  que,  com  o  nomezinho,  por que  qualquer   coisa,  se  não  r eanimar ,  né,  a  gente  [...]  (R.S., I2). 

Já  a  cuidadora  O.A.,  da  I3,  em  seu  cotidiano  de  trabalho,  fica  responsável  pela  organização  das  atividades  com  os  idosos,  assumindo  a  função  de  fiscalizar  e  coordenar  os  cuidados dos  idosos com a  higiene,  alimentação, as atividades de  lazer  etc. Dessa  forma, as  atividades que a cuidadora O.A. descreve têm certa diferença com respeito às descritas pelos  outros cuidadores, como se observa através do recorte discursivo a seguir:  P – Você poderia me dizer o que você faz, da hora que você chega aqui até a hora 

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