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CONFLITOS POR OMISSÃO

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 163-166)

5. OS CONFLITOS E SUA POSSÍVEL SOLUÇÃO

5.2. CONFLITOS POR OMISSÃO

Os conflitos por omissão têm sua gênese, rotineiramente, na inércia do Estado em elaborar instrumentos jurídicos aptos a clarificar e regulamentar, tanto quanto possível, sua relação com as religiões existentes em seu território.

Não há, aqui, a rigor, oposição do Estado com relação à religião, mas, antes, uma ausência de vontade, por parte deste, de regulamentar – tanto quanto possível – uma temática sensível e potencialmente explosiva, sobretudo no âmbito de uma sociedade plural, em que a tomada de qualquer medida enseja o aparecimento de uma legião de – potenciais eleitores – descontentes.

No Brasil, usualmente qualificado como “o maior país católico do mundo”, transcorreram quase cento e vinte anos, para que o Estado celebrasse um acordo28 com a Santa Sé, regulamentando e explicitando as relações entre

si e a Igreja Católica, a confissão majoritária no país, e ativa participante de sua história.

De fato, desde a proclamação da República em 1889 e, com esta, a extinção do regime do padroado, não se concebera um instrumento jurídico apto a regular as relações entre Igreja e Estado até a celebração, em 13 de novembro de 2008, do Acordo Brasil-Vaticano.

Desde a Proclamação da República, o país viveu sob a égide de sete Constituições (1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988), sendo que, à

28 Tal acordo não foi qualificado como uma “concordata” porque, para merecer tal nome, uma avença

precisa contemplar todos os itens do estatuto jurídico da Igreja e também a regulamentação das denominadas “res mixtae”, quais sejam as questões que ingressam na esfera de competência dos ordenamentos jurídicos da Igreja e também do Estado signatário, sendo que, no Acordo Brasil Vaticano, muitas destas questões não foram contempladas. Não bastasse, reputou-se mais adequada à laicidade do Estado, no âmbito da democracia e do pluralismo atuais, a utilização do termo “acordo”, porquanto o vocábulo “concordata” traga consigo, para a maioria das pessoas, o peso de épocas passadas, em que a autonomia das esferas era ainda menos clara do que atualmente (cf. BALDISSERI, 2009, p. 38).

exceção da primeira – dominada pelo pensamento positivista e agnóstico – e da de 1937 – que veio a lume no início do período ditatorial de Getúlio Vargas – nenhuma, das demais, adota postura hostil com relação à religião.

Mesmo a de 1891 – que fez eco ao Decreto nº. 119, de 20 de janeiro de 1890 -, sofreu atenuações com a Reforma Constitucional de 1926, que deu início a uma reaproximação entre Estado e Igreja, autorizando o estabelecimento de relações diplomáticas entre o Brasil e a Santa Sé. Também a de 1937, a despeito de certa inspiração agnóstica, consubstanciada, por exemplo, na ausência de menção a Deus no preâmbulo, não deixou de assegurar a plena liberdade de culto.

Nada obstante, apesar da histórica presença da religião – particularmente o catolicismo – na formação da nação brasileira, bem como da notória religiosidade de seu povo, o Brasil, até o fim de 2008, não havia celebrado qualquer tratado com a igreja Católica, omitindo-se, assim, por mais de um século, no que tange à adoção de um instrumento jurídico capaz de tornar mais claras – e, portanto, menos suscetíveis a insinuações e discórdias – as relações entre as duas esferas.

Ora, tal omissão é funesta porque, por um lado, não é lícito, ao Estado, ignorar a importância da religião para o ser humano, sobretudo em um país em que cerca de 97% da população afirma acreditar em Deus29, e, por outro,

porque a celebração de acordos como o supra referido é prática comum em diversos países que adotam o sistema da separação e que vêem como frutífera

29 Segundo pesquisa realizada pelo Instituto “Data Folha” e publicada na edição de 06 de maio de 2007

do jornal “Folha de São Paulo”, com o seguinte título: “97% dos brasileiros crêem em Deus”. A pesquisa também apurou que, dos 3% restantes, 2% afirmar ter dúvidas – o que caracteriza uma postura agnóstica – e apenas 1% declaram efetivamente não acreditar em Deus – o que denota uma orientação atéia.

– e não ofensiva à laicidade do Estado, a colaboração entre comunidade política e religiões.

Tal foi o entendimento do Relator do texto do Acordo celebrado, em novembro de 2008, entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, Deputado Bonifácio de Andrada:

O poder público em nossa época, portanto, não pode ignorar a presença do homem como ser religioso e como indivíduo que vive sob as preocupações daí decorrentes e, por isto, torna-se perfeitamente lógico que todos os Estados do nosso tempo, a não ser os de concepções materialistas históricas, tenham preocupações religiosas, sendo de registrar que, em algumas áreas do mundo, o pensamento religioso domina a política e a economia em países do Oriente.

É também de se assinalar que dentro do Mundo Ocidental, ao contrário de tempos atrás, os povos hoje se consagram abertamente às questões religiosas sob fortes pressões espirituais. A Igreja Católica, como várias outras igrejas cristãs, se insere na vida dos povos ocidentais com presença indiscutível. Na Inglaterra a Igreja se articula com o Estado, o chefe desta é o chefe daquela. Em países da América do Sul, como a própria Argentina, havia vinculação da Igreja com o Estado até a Reforma Constitucional de 1994 naquele país. Na Europa, os acordos e as convenções entre igrejas e Estados, como já afirmamos, são episódios comuns, com enorme lista de países dos mais desenvolvidos que subscrevem concordatas e acordos com a Igreja Católica e com outras cristãs e até não cristãs.

Há que se aceitar e apoiar que o conceito de Estado laico convive plenamente com as igrejas através de acordos, concordadas e convênios. O Brasil, há mais de cem anos, embora constituindo uma das nações mais religiosas do mundo, ficou como que estagnado e despreparado para enfrentar esta magna questão do nosso tempo, como seja o melhor relacionamento do organismo político com as instituições religiosas (ANDRADA, 2009, p. 25).

Com efeito, ao reafirmar o princípio da liberdade religiosa para todas as religiões e não somente para a católica, aludido documento deixa a antever que a realidade nacional estava a reclamar um melhor ordenamento das

relações entre Estado e comunidades confessionais, já que estas vinham sendo tratadas, de forma oblíqua e não suficientemente clara, desde o advento da República, a despeito das normas constitucionais relativas à matéria.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 163-166)