• Nenhum resultado encontrado

CONFLITOS POR OPOSIÇÃO

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 160-163)

5. OS CONFLITOS E SUA POSSÍVEL SOLUÇÃO

5.1. CONFLITOS POR OPOSIÇÃO

O Estado pode se opor às religiões negando-lhes o direito de existir ou, então, confinando-as, exclusivamente, na esfera privada das consciências individuais.

Na primeira hipótese tem-se o denominado “ateísmo de Estado”27, praticado por países comunistas durante a “Guerra Fria”, e, ainda hoje, por Cuba, China e Coréia do Norte, muito embora tenha havido certa flexibilização, quanto à liberdade religiosa, no país caribenho e no gigante asiático, permanecendo, a ditadura norte coreana, como um dos regimes mais fechados e repressivos do mundo.

Trata-se da supressão completa das religiões, esposada por Estados assumidamente ateus. Rigorosamente, sequer existe, nesta hipótese, relação entre ambas as esferas porquanto o Estado relegue, para os porões da ilegalidade, todas as manifestações de natureza espiritual, não reconhecendo, como interlocutora legítima, qualquer instituição religiosa.

Já no segundo caso, embora o Estado não se declare abertamente hostil às religiões, tornando ilegal a sua prática e prendendo fiéis e ministros religiosos, adota postura de tal distanciamento com relação às mesmas que

27

O “ateísmo de Estado” está prefigurado nesta famosa passagem da “Crítica da filosofia do direito de Hegel”, de Karl Marx: “O desespero religioso é, de um lado, a expressão do desespero real e, do outro, o protesto contra o desespero real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, a alma de um mundo sem coração, assim como ela é o espírito de condições sociais de onde o espírito foi excluído. Ela é o ópio do povo. A abolição da religião enquanto felicidade ilusória do povo é a exigência que formula sua

felicidade real. Exigir que ele renuncie às ilusões sobre sua situação é exigir que ele renuncie a uma situação que tem necessidade de ilusões. A crítica da religião é, portanto, em germe, a crítica desse vale de lágrimas, do qual a religião é a auréola (...). A crítica do céu se transforma, desse modo, em crítica da terra, a crítica da religião em crítica do direito, a crítica da teologia em crítica da política”.

qualquer intenção destas, no sentido de efetivamente, participar, com voz, da vida pública, é por ele vista com desconfiança e sentimento de repulsa: é o denominado “laicismo”.

O ideário laicista, se não prega, abertamente, a exclusão das religiões do seio da comunidade política, rejeita ferozmente, realizando uma leitura ideológica e estrita do princípio da incompetência recíproca, a emissão de qualquer juízo de valor, por parte daquelas, acerca de assuntos que, a seu juízo, caberia somente ao Estado, tratar.

Como bem assevera Ângelo Patrício Stacchini,

Os defensores do laicismo, movidos por uma “ideologia laicista”, no fundo pretendem banir da vida social qualquer manifestação de cunho religioso; grosso modo, afirmam o seguinte: como o Estado é laico, a Igreja Católica – ou qualquer outra confissão religiosa – não tem o direito de se manifestar sobre determinadas questões que afetam o bem comum. Em última instância, o que pretendem é desterrar a Religião para o âmbito estritamente privado.

É o que ocorre, por exemplo, quando são discutidas modificações legislativas sobre o aborto ou sobre o matrimônio; nesta situação, os defensores dessa “ideologia laicista” afirmam que a Igreja Católica – ou qualquer outra confissão religiosa – não deve se manifestar a respeito de tais questões, pois o Brasil é um Estado laico.

Tal posicionamento encerra um viés equivocado e totalitário, e se baseia numa deturpação da laicidade do Estado.

Realmente, o fato de ser o Brasil um Estado laico não significa que a Igreja Católica – ou qualquer outra confissão religiosa – esteja proibida de se manifestar publicamente quando estão em jogo situações atinentes ao bem comum.

Assim, por exemplo, em caso de um projeto de lei que vise à discriminalização do aborto, a Igreja Católica tem o direito – e mesmo o dever – de expor qual entende ser a solução mais adequada para a correta regulação da vida social. E fará isso sem nenhum privilégio; terá a mesma oportunidade de manifestação que tem qualquer associação legalmente constituída – incluídas as que defendem o aborto. E assim, com a exposição e o debate públicos sobre o tema, os responsáveis pela elaboração das leis poderão obter os subsídios necessários para a correta realização de sua tarefa;

nesse contexto, as posições da Igreja Católica serão apreciadas em conformidade com seu poder de convencimento e sua adequação à verdade, sem nenhum privilégio, em pé de igualdade com outras entidades que também se manifestarão a respeito (STACHINI, 2009, p. 76-77).

O Estado, quando adota uma postura laicista no trato com a religião, vê- se na vanguarda de uma cruzada de suposta emancipação do homem, em atenção aos reclamos da modernidade. Entretanto, como afirma José María Setién, tal conduta não se coaduna com a verdadeira laicidade:

Com uma certa freqüência, fala-se inclusivamente de alguma “bunkerização” da Igreja perante os abusos de um laicismo cuja última aspiração não seria senão a eliminação de qualquer influência, pelo menos pública, de um conceito religioso de mundo e da existência humana. Sem negar explicitamente a liberdade religiosa que os Estados de direito hão de reconhecer aos cidadãos de uma sociedade democrática, imagina-se também a tarefa própria de um “Estado laico” a partir de um significado equívoco atribuído a esta expressão, à maneira de uma forma de libertação das consciências dominadas e oprimidas por preconceitos religiosos já obsoletos para assim dar lugar à liberdade própria da “modernidade”. Uma modernidade que, por outro lado, seria injustamente combatida pela Igreja, por não se ver nela senão a origem da desintegração da convivência social e, inclusivamente, da própria personalidade humana (SÉTIEN, 2008, p. 74).

Se o “ateísmo de Estado” é, atualmente, fenômeno residual, o mesmo não se pode dizer do laicismo que, não poucas vezes, irrompe no seio de países democráticos como a França, a Espanha e seu governo socialista atual, o México e a Turquia, na qual tem tido lugar uma política de secularização bastante agressiva, dentre outros.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 160-163)