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CAPÍTULO 3: OS JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS: A DESCRIÇÃO DO

3.2 O congresso técnico

Saindo da Praia de Pina, todos se dirigiram para o Ginásio Geraldão em Recife, local em que ficaram alojados os indígenas, voluntários e alguns organizadores. Nesse local, foi realizado o congresso técnico que, estudado em edições anteriores por Vinha e Rocha Ferreira (2005), tem como objetivo promover uma discussão e tomar decisões sobre as “modalidades esportivas” a serem praticadas. As autoras chegaram à conclusão que o intuito é de definir e retificar os regulamentos finais dos jogos, além de estabelecer normas comuns, considerando as diferentes organizações indígenas. A partir da identificação do propósito de regulamentar as práticas corporais com a finalidade de competição, pode-se considerar que tal procedimento equivale ao mesmo processo descrito por Bracht (2003) que ocorreu na Europa com as regulações dos jogos populares e culminou em um processo de esportivização de tais práticas, porém com suas diferenças sociohistóricas.

A realização do congresso técnico seguiu as normas do Regulamento Geral dos Jogos dos Povos Indígenas que determina que essa jornada seja realizada um dia antes da abertura oficial do evento. Dirigido por um orientador indígena e pelo diretor da comissão técnica, cada etnia delega um representante para a realização dos trabalhos. Naquele momento, o orientador indígena iniciou relatando como surgiu a idéia de realização dos jogos e como esta idéia se concretizou. Para um público do qual faziam parte pesquisadores, estudantes e representantes das etnias – de Pernambuco, Karajá, Xikrin, Bakairi e Xavante – foram apresentados os componentes da comissão técnica e os documentos que regem os Jogos: Regulamento Geral, Histórico dos Jogos e as Orientações Específicas das Modalidades. Este último tem por finalidade orientar as “atividades desportivas competitivas” e apresenta em seu texto nomenclaturas dos esportes de alto rendimento, como “delegação”, “atletas”, “arbitragem”, “bateria” e “eliminatória” (Orientações Específicas das Modalidades, 2007).

Antes de passar a palavra ao diretor técnico dos Jogos dos Povos Indígenas, o orientador indígena ressaltou que o baixo número de etnias participantes do congresso técnico se devia a dificuldade no deslocamento desses povos a Pernambuco, mantendo sua realização nessas circunstâncias. Dessa forma, observa-se o pouco envolvimento dos indígenas participantes dos Jogos, no que se

refere à normatização, isto é, a alteração dos sentidos de suas práticas corporais. Finalizando, o indígena declarou que o objetivo dos jogos é a celebração e não o rendimento. Nessa perspectiva, as práticas corporais deveriam ser estruturadas de modo a proporcionar a valorização de seus sentidos tradicionais e não a competição (Discurso do idealizador dos Jogos, Recife, Referência Diário de Campo, 2007).

O objetivo maior desse evento, à luz do Regulamento Geral “não é promover prioritariamente o esporte de alto rendimento”, mas “destacar o esporte como identidade das culturas autóctones, que promove a cidadania indígena, a integração e o intercâmbio de valores tradicionais” (1999: 2). Partindo dessa compreensão, observa-se como contraditória a realização do congresso técnico, com a presença de apenas cinco representantes de etnias, enquanto a maioria delas não teve a oportunidade de apresentar os seus interesses, em relação às práticas corporais, aos organizadores do evento. Da forma como ocorreu, nota-se que tal atividade não alcançou os resultados desejados, visto que a cidadania indígena não foi contemplada nos seus anseios.

No entanto, de acordo com a pesquisadora entrevistada, historicamente esse evento vem possibilitando maior visibilidade às mulheres nos jogos e o fortalecimento político dos povos indígenas. Nos últimos Jogos questões que haviam sido levantadas em edições anteriores foram fortalecidas.

“Uma dessas questões foi a forma de organização dos Jogos. Havia uma preocupação das consideradas lideranças indígenas quanto à forma de organização da programação. Para elas, estava ocorrendo uma predominância do esporte em relação às práticas corporais tradicionais. Apesar de observar que não houve uma mudança expressiva na programação, o debate sobre esse aspecto foi fortalecido, no sentido de se pensar uma forma de organização que possa atender as reivindicações dos indígenas que querem a predominância das práticas tradicionais na programação” (Entrevista, Pesquisadora, Brasília, 2008).

Nessa perspectiva, e entendendo que a configuração do evento deve ser alterada para acompanhar os interesses das pessoas indígenas, apresenta-se a opinião de um indígena participante dos Jogos Indígenas.

“No caso, nossos Jogos mesmo, a gente não tem o que aqui está tendo, aqui tem esta questão de ir para a final, quem

vence vai para a final. Eu sou um dos organizadores, no caso, eu coordeno os Jogos da aldeia. Eu sou coordenador geral e lá eu tirei isso. Nós temos atividades como apresentação, não temos como competição. Se eu ganho no cabo de guerra hoje, eu não posso disputar amanhã para saber quem vai para a final” (Discurso da Liderança Pataxó, Recife, Referência Diário de Campo, 2007).

Apesar de ter havido comentários pertinentes durante a realização do congresso técnico, no tocante à estruturação do evento e das práticas corporais, percebeu-se que não houve modificações significativas no documento que orienta as “modalidades”. Essa atividade serviu apenas como uma apresentação da estrutura regulamentada das práticas corporais que seriam realizadas de maneira competitiva, de acordo com edições anteriores. Por conseguinte, não foi cumprindo o propósito de garantir a participação ativa da pessoa indígena, em relação aos acontecimentos que lhes dizem respeito. Com efeito, as opiniões dos indígenas sobre atividades relacionadas às suas manifestações culturais não foram contempladas no congresso técnico dos Jogos. A única decisão tomada conjuntamente referiu-se ao início do torneio de futebol, marcado para o dia seguinte, mesmo que a maioria dos povos não tivesse chegado à cidade.