Capítulo 2 Estudo do objeto matemático "congruência"
2.8. Congruência via isometrias
Com o desenvolvimento da Álgebra e o surgimento de novas geometrias como a geometria projetiva, a geometria analítica, as geometrias não- euclidianas, a Geometria foi estudada sob um ponto de vista algébrico. Essa
nova concepção utiliza a estrutura de grupos1 e é baseada nas pesquisas de
Felix Klein (1849-1925) e Sophus Lie (1842–1899).
Klein, em 1872, apresentou o Programa de Erlangen na sua primeira aula na Universidade de Erlangen. Nessa aula, descreveu a geometria como "o
1
Um grupo consiste em um conjunto de elementos quaisquer e um conjunto de operações, obedecendo a um certo número de leis e regras prefixadas como postulados. Na matemática esses grupos constam, normalmente, de uma só operação e quatro postulados, que são: 1. o conjunto deve ser fechado com relação à operação dada; 2. tal operação deve ser associativa; 3. o conjunto deve conter o elemento neutro com respeito à dada operação; 4. cada elemento do conjunto deve ter um inverso com respeito à operação dada.
estudo das propriedades das figuras que permanecem invariantes sob um particular grupo de transformações" (Boyer, 1974, p.400). Desse modo, caracterizou e associou cada geometria existente a um grupo de transformações. Essa nova perspectiva fez com que houvesse grande impulso na Geometria, e que nos últimos anos tem sido dada ênfase o estudo das transformações nas escolas.
Para definir, por exemplo, a geometria métrica plana, deve-se considerar: um conjunto A (plano euclidiano) de pontos e o conjunto das isometrias que formam um grupo G relativamente à operação de composição de transformações. Da geometria métrica em A (plano euclidiano) de grupo principal G (isometrias) entende-se como sendo o conjunto de propriedades de A (congruência) invariantes para as transformações de G.
O axioma não mencionado por Euclides, sobre as figuras que permanecem invariantes quando deslocadas no plano, equivale às transformações de translação, rotação e reflexão de figuras que permanecem invariantes no plano. Essa Geometria por transformações utiliza como objetos geométricos os pontos, as retas, os planos e suas relações. A seguir, as definições e o estudo da congruência segundo as transformações isométricas.
Transformação do plano é definida como sendo uma aplicação bijetora do conjunto dos pontos do plano sobre si mesmo.
Transformação identidade é aquela pela qual a imagem de um ponto é o próprio ponto. Assim, Id (P)=P para todo ponto P do plano.
Isometria do plano é uma transformação no plano F, tal que P'Q'=PQ para todo par de pontos distintos P e Q do plano, onde P'=F(P) e Q'=F(Q). Em outras palavras, podemos dizer que F preserva distâncias entre pontos do plano. Além disso, pode-se afirmar que uma isometria conserva: a colinearidade de pontos, a ordem dos pontos numa reta, a medida dos ângulos, o paralelismo, os pontos médios, o perpendicularismo. Etimologicamente a palavra isometria vem do grego isos, que significa igual, e metron que significa medida. Por conseguinte, a isometria ou deslocamento, corresponde às transformações que conservam as medidas (tamanho) e a forma das figuras, isto é, as figuras continuam congruentes. Assim, duas figuras geométricas A e A' do plano são congruentes se existe uma isometria F do plano, tal que F(A) = A'. Esta definição se aplica a pares de figuras geométricas quaisquer do plano (Fig.31).
Fig. 31
Duas figuras geométricas do plano são congruentes se e somente se estão relacionadas por uma translação, uma rotação, uma reflexão (simetria
axial), ou uma composição dessas transformações. A simetria axial é muito
importante, pois, qualquer isometria pode ser representada como resultado da composição de no máximo 3 reflexões em retas.
Translação
Uma translação pode ser entendida como um movimento de uma figura
no espaço, tal que as posições final e inicial definam segmentos orientados2
congruentes de mesmo sentido (eqüipolentes).
Dado o ponto A e a translação definida pelo segmento orientado →
v, pode-se obter um outro ponto B tal que, AB→ = v→ ( AB é
eqüipolente de →v ).
De maneira formal, a translação é definida como: dado um vetor →a,
chamamos translação de vetor →a à transformação Ta:∏→∏, tal que, Ta (P) = P'
se e somente se PP→'=→a,∀P∈∏.
2 De forma intuitiva, o segmento orientado é representado por flecha cuja ponta indica o seu sentido. De
maneira formal, um segmento orientado é um par ordenado (A,B) de pontos doespaço. A é dito origem, B extremidade do segmento orientado, sendo A≠B, (A,B) é diferente de (B,A). Quando os segmentos orientados são colocados em uma mesma classe de equivalência, eles possuem mesma direção, mesmo sentido e mesma medida.
Fig.32a Fig. 32b
Com a transformação translação, obtém-se as propriedades de congruência de triângulos. Por exemplo, dado um vetor v e um triângulo ABC, a imagem A'B'C', por uma translação do vetor v , é congruente ao triângulo original, os lados permanecem paralelos. A distância entre os respectivos pontos dos triângulos ABC e A'B'C' são iguais ao comprimento (v) do vetor v . A orientação (sentido horário ou anti-horário) e a ordem das imagens dos vértices A, B e C, ou quaisquer pontos não colineares do triângulo ABC, permanecem inalterados após a translação, ou seja, A', B', C' mantêm a ordem e a orientação dos vértices originais.
Rotação de centro O e ângulo α
A rotação em relação a um ponto e a um ângulo é uma transformação isométrica. Dado um ponto O e um ângulo orientado α , a rotação fixa o ponto O e, a cada ponto P do plano, distinto de O, associa um ponto P', de modo que o ângulo orientado POP' seja congruente a α e as medidas dos segmentos PO e P'O sejam iguais.
Fisicamente a rotação corresponde ao movimento realizado sobre uma circunferência com centro no centro de rotação, recorrendo ao arco cuja amplitude é igual ao ângulo de giro. Adota-se a rotação no sentido anti-horário como positivo e o sentido horário como negativo (Fig. 33 e Fig. 34).
Fig. 33 Fig. 34
Simetria
A simetria estudada de forma intuitiva pode ser compreendida, utilizando- se figuras planas ou objetos tridimensionais, espelhados ou refletidos em um espelho, ou mesmo, tomando-se figuras da natureza ou criada pelo homem para introduzir o eixo de simetria.
Eixo de simetria: reta imaginária que divide a figura em duas metades.
Fig. 35
Essas experimentações podem ser realizadas antes do estudo da simetria central e axial e suas propriedades.
Simetria Central
Uma reflexão em relação a um ponto O ou simetria central, é uma rotação de 180º (sentido positivo, anti-horário) em torno de um ponto O, ou seja, associa a cada ponto P do plano, com P distinto de O, o ponto P' tal que O é ponto médio do segmento PP'.
Fig. 36
Toda simetria central é uma isometria no plano. Simetria Axial
Uma reflexão na reta r ou simetria axial (eixo) ou simetria em relação a uma reta r, é uma aplicação que fixa todos os pontos de r e associa a cada ponto P do plano, com P não pertencente a r, o ponto P' tal que r é uma reta mediatriz do segmento PP'.
Composição de transformações
Toda isometria do plano é uma composição de reflexões segundo retas do plano. Assim, a congruência de figuras pode ser obtida, também, por uma composição de reflexões. As figuras a seguir, ilustram algumas dessas composições.
A translação como o produto de duas reflexões:
E3 foi obtido pela reflexão de E1 em relação à reta s. Depois, E2 foi obtido pela reflexão de
E3 em relação à reta r (Fig. 38a).
Fig. 38a
Do mesmo modo E2 pode ser obtido utilizando-se a translação de E1, segundo o vetor v (Fig. 38b).
Fig. 38b
Distância entre as retas r e s é metade da distância do vetor v.
Rotação como produto de duas reflexões:
E3 é obtido pela reflexão de E1 em relação a reta r , obtendo E2. Em seguida, E2 é
refletido em s, resultando E3 (Fig. 39a).
Fig. 39a
Da mesma forma E3 pode ser obtido pela rotação de E1, em torno do ponto O, cujo ângulo
Fig. 39b
Produto de uma translação por uma reflexão (reflexão deslisante):
E3 é obtido por meio de uma translação, segundo o vetor v, resultando E2, em seguida
uma reflexão de E2 em relação a reta r (Fig. 40a).
Fig. 40a
Da mesma forma, pode ser representada como produto de três reflexões (Fig. 40b).
Fig. 40b
Esses resultados também podem ser explorados utilizando-se comandos de software específicos como o Cabri-géomètre.