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CAPÍTULO 3 ENTRE RUAS, UMA PONTE: o campo e seu habitus

3.4. Conhecendo as consumidoras de moda do bairro São José

A opção por mulheres surgiu a partir do interesse em analisar a experiência vivida por estasa partir da questão do preconceito atrelado ao estigma de vulnerabilidade relacionado às mesmas, como visto no primeiro capítulo deste trabalho. Um dos poucos e primeiros espaços de sociabilidade que inicialmente as mulheres conquistaram foi no âmbito da moda, e, tendo em vista que, o consumo de vestuário de moda é, em geral, considerado como inferior, como algo fútil, a relação da mulher com a moda, incute ainda mais à mulher uma imagem negativa, além da já existente nas questões de gênero.

Solange Mezabarba (2010) ao estudar consumo e moralidade, mostra que quanto mais as representações do consumo de vestuário se associam ao trabalho (consumo como investimento e sucesso profissional), menor a significância da culpa e a crítica moral sobre ele. Portanto, entender a experiência do consumo de moda para um grupo de mulheres de um bairro popular de João Pessoa faz-se importante, envolvendo, com isso, três problemáticas: consumo de moda, consumo de classes populares e consumo de mulheres.

Algumas hipóteses permeavam este trabalho antes de iniciar a pesquisa em campo, como por exemplo, que as mulheres que seriam entrevistadas se reconheciam como excluídas socialmente por serem de classe popular e por viverem em meio a bairros considerados de "classe média", assim como que não havia grande quantidade de lojas de roupas dentro do bairro. A ideia inicial era entrevistar apenas jovens mulheres que trabalhavam no Manaíra Shopping e moravam no bairro São José, porém essa ideia se tornou inviável, pois era muito difícil encontrá-las com tempo livre, já que seus horários de trabalho são muito "corridos". Permaneci então com a especificação apenas de faixa etária, todavia, nas andanças pelo

107 bairro, conheci mulheres mais velhas que tinham hábitos de consumo interessantes, nesse caso abri algumas exceções, mas o grupo permaneceu em sua maioria de mulheres mais jovens. Outra questão foi a respeito do comércio no bairro, como dito acima, não imaginava encontrar tantas lojas de roupas no mesmo, portanto fez-se necessário entrevistar também as comerciantes, as quais contribuíram muito com esta pesquisa.

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lém das visitas e conversas realizadas durante o período de cerca de seis meses (dividos em três meses na primeira fase da pesquisa e três meses na segunda fase) nos quais visitei o bairro São José, foram entrevistadas vinte e seis mulheres, sendo sete delas comerciantes que tinham lojas de artigos de moda no bairro, entrevistadas no intuito de um maior conhecimento a respeito da organização e características do comércio local; e dezenove foram entrevistadas permitindo traçar um perfil mais específico sobre os sujeitos desta pesquisa. No entanto, convém lembrar que, sendo esta uma pesquisa qualitativa, a quantidade de entrevistas não atende à uma necessidade de generalização ou garantia de validade da pesquisa. As entrevistas se somam à tentativa de desenhar um perfil da experiência das mulheres estudadas, confirmando certos traços e perspectivas percebidas durante a observação participante.

Todas as entrevistadas são do sexo feminino, entre elas a maioria é jovem e tem entre dezoito e trinta anos; destas, apenas cinco são casadas, a maioria é composta por mulheres solteiras; a maior parte das entrevistadas têm filhos, em média três. Quanto à escolaridade, a grande maioria cursou até o segundo grau, uma minoria chegou ao ensino superior, essa minoria é composta pelas mais jovens, de dezoito a vinte anos de idade.

Entre as comerciantes a faixa etária muda para mulheres, em geral, de idade de trinta e acima dos quarenta. Nesse caso, a maioria é casada e há apenas uma solteira, mas que casou no decorrer da pesquisa de campo; dentre essas, apenas a recém casada não têm filhos, todas as outras têm. No tocante à escolaridade, praticamente todas tem o segundo grau completo, dona Maria é a única que não tem "estudo" e se reconhece como analfabeta, o que, segundo ela, prejudica as vendas, já que, por não compreender os números e letras na maquineta de cartão, não pode usar esse método de vendas na sua "lojinha", como ela mesma chama seu comércio.

A respeito da moradia, todas moram em casa própria ou moram na casa dos pais, ou seja, não tem custo com aluguel. A maioria das entrevistadas desenvolve alguma atividade

108 profissional que gera renda para a família. Dentre estas, uma minoria exerce atividades consideradas formais, compreendidas como aquelas com registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social e com seus direitos trabalhistas garantidos. No caso das comerciantes, seis delas têm suas lojas agregadas às suas próprias casas e apenas uma tem o ponto alugado e separado da sua casa.

Quanto à renda familiar das entrevistadas, a maioria recebe até dois salários mínimos. No caso das comerciantes, o questionamento foi a respeito do faturamento mensal dos seus comércios, o que, segundo elas, é muito variável, mas alcança um valor de no máximo dois mil reais por mês.

É sabido o quanto essas delimitações de classe são problemáticas e como sua construção assumiu importância tanto na sociologia brasileira contemporânea quanto no debate político. Contudo, não é nosso objetivo tomar parte nessa discussão teórica tão ampla e importante. Por enquanto, a expectativa é que, ao final, a descrição e análise do grupo apresentado possa contribuir ao debate contemporâneo sobre o consumo, especialmente à percepção de que não basta saber os números da renda para saber da diversidade de jogos simbólicos que a renda pode possibilitar. Para os interesses imediatos do trabalho essa descrição da faixa de renda serve apenas como uma parâmetro inicial, como justificativa para perceber alguns aspectos que influenciam direta ou indiretamente nas práticas de consumo dos sujeitos da pesquisa. Logo, embora os dados de renda sejam usados nesta pesquisa, concorda-se com a perspectiva de que as classes sociais não podem ser definidas unicamente a partir desse indicador e/ou padrão de consumo, já que se faz necessário uma visão mais ampla e prática, percebida nos comportamentos e atitudes do próprio indivíduo.

No grupo de mulheres entrevistadas por ser, em geral, de mulheres mais jovens, estas "nasceram" no bairro São José, apenas as mais velhas vieram de pequenas cidades do interior da Paraíba. Entre as entrevistadas, elas se dividem por "áreas", logo, embora sejam/morem no mesmo bairro, não se conhecem; por exemplo, as entrevistadas das ruas principais do São José mantém uma relação de amizade entre si, porém não tem relacionamento com as entrevistadas da "beira do rio" ou com as entrevistadas da rua da entrada do bairro, estas, por sua vez, mantém algum tipo de relacionamento seja de amizade ou apenas como vizinhas.

109 Uma das percepções que tive durante a pesquisa foi que as entrevistadas não costumam frequentar o Shopping como espaço de lazer nem que o fato de ter um shopping próximo onde moram as levam à consumir mais, na verdade elas costumam consumir os serviços que ele oferece, como o banco, em geral, para efetuar pagamentos, a farmácia ou as lojas populares para comprar algo específico. Apesar de ser um espaço tão próximo ao bairro São José e que oferece diferentes opções de lazer, as entrevistadas afirmam que o veem mais como um espaço de passagem, apenas para resolver problemas (pagar contas, sacar dinheiro, pesquisar preços) ou como ambiente de trabalho, como é o caso de algumas delas que afirmam que, por trabalharem no Shopping, em dia de folga preferem nem passar perto.

Dessa forma, embora os sujeitos da pesquisa tenham suas particularidades que as fazem constituir um grupo heterogêneo,trata-se de mulheres de um bairro de classe popular brasileira, as quais fazem parte de uma mesma realidade social, reproduzindo em suas escolhas e práticas de consumo os gostos de sua classe e, por isso, formam o grupo escolhido para ser pesquisado neste trabalho.

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