• Nenhum resultado encontrado

1. O conhecimento dos professores: relevância, tensões e diálogos

Ser professor é uma profissão intrinsecamente ligada ao conhecimento. Desde a legitimação da própria função social via domínio de um saber restrito, que Roldão analisa em vários textos (Roldão, 2005a, 2005b, 2007a), à centralidade da questão do saber profissional para o processo de profissionalização dos professores (Alarcão, 2001a; Nóvoa, 1987; Tardif, 2000), a perspetivação da profissão de professor tem implicado, de forma definicional, o conhecimento que sustenta e legitima a sua função profissional. Alarcão (2001a) afirmava, em 1998, que a consciencialização, pelos professores, da especificidade do seu conhecimento profissional representa um momento incontornável na história universal da construção da profissão docente, que a autora adiciona aos quatro delimitados por Nóvoa. As alterações de 2006 na formação requerida para o desempenho da profissão professor, particularmente sentidas nos níveis da educação básica, bem como os princípios sistematizados pela Comissão Europeia (2005a) para a qualidade da formação dos professores, situam com clareza a importância de uma qualificação superior dos professores e correspondente expectativa de elevado nível do seu conhecimento, destacando igualmente a sua condição de lifelong learners, o que implica, como nos recorda Roldão (2007a), que se encontram vinculados, pela natureza profissional do seu trabalho, ao imperativo da atualização e construção permanentes de conhecimento.

A estreita relação entre professores e conhecimento, iniciada na fundação da profissão, é particularmente complexa no que respeita ao conceito de conhecimento profissional específico. Nóvoa (1991a) realça esta importância quando afirma que “a relação dos professores ao saber constitui um dos capítulos principais da história da profissão docente: os professores são portadores (e produtores) de um saber próprio ou são apenas transmissores (e reprodutores) de um saber alheio?” (p. 25). Comparativamente aos séculos de existência da docência, o estudo do conhecimento dos professores é bastante recente – Munby, Russell e Martin (2001) localizam na década de 1980 a génese da investigação. No entanto, encontram-se registos, com mais de um século, da defesa da especificidade de um conhecimento profissional dos professores, como o artigo de Bullough revela num excerto do final do século XIX: “An analysis of the process of teaching shows that there is a special knowledge in each subject that belongs to instruction. This is quite distinct from academic knowledge” (Parr, 1888, p. 469, cit. por Bullough Jr., 2001, p. 658).

A distintividade do conhecimento dos professores apresentou contornos e implicações distintos ao longo da evolução da investigação em Educação, especialmente sobre o ensino. O programa de investigação processo-produto concedia aos investigadores a capacidade de identificar, externamente aos professores, os comportamentos e estilos de ensino eficazes a ensinar na formação de professores e a aplicar pelos docentes. Para além dos resultados pouco prometedores em termos de generalizações, a restrição da complexidade do comportamento do professor conduziu a insatisfação com esta linha de estudos, criticada por apresentar uma visão do ensino fragmentada e mecanicista e o professor como um técnico (Doyle, 1990, cit. por Verloop, Van Driel, & Meijer, 2001), limitando a profissão docente a um conjunto de capacidades e técnicas, gerando uma crise de identidade dos professores decorrente de uma separação entre o eu profissional e o eu pessoal (Nóvoa, 1992). Sá-Chaves interpreta a conceção que postula uma distinção entre o conhecimento teórico, produzido pela investigação, e a prática, concretizada pelos professores no seu ensino, como perspetiva dicotómica, princípio implícito desta racionalidade técnica e instrumental que separava igualmente conhecimento e ação, cavando um fosso entre a investigação educacional e o desempenho prático dos professores “reduzidos à função de transmissores de um conhecimento em cuja construção não participavam, e de reprodutores e aplicadores de teorias, normas e princípios que nem sequer ousavam discutir” (2002a, p. 59).

Foi o paradigma mediacional centrado no pensamento do professor, no qual se verificou um enfoque nos conteúdos desse pensamento, que virou a investigação para o mundo interno do professor. Montero (2001) vê nesta tradição interpretativa o reconhecimento do professor como profissional reflexivo e um ponto de inflexão importante, não tanto em termos de quem produz o conhecimento (pois continuam a ser os investigadores os principais responsáveis pela obtenção do conhecimento), mas de abertura a um maior diálogo com o saber dos professores. A discussão sobre o tema do professor como construtor e reconstrutor de conhecimento ao longo da sua trajetória profissional surge no âmbito internacional nas décadas de 1980 e 1990. Entre alguns dos motivos que contribuíram para a sua emergência, está o movimento de profissionalização do ensino e suas consequências em termos de procura de constituição de uma base, corpo ou repertório de conhecimentos que, sustentando a decisão e ação profissionais, permite igualmente garantir a legitimidade da profissão (Roldão, 2007a; L. Shulman, 1987; Tardif, 2000).

entrecruzados e mutuamente implicados e transformadores. A ligação à afirmação da profissão e às imagens de profissional que investigação e sociedade sustentam, a interação com as práticas situadas e progressivamente complexificadas pelas exigências normativas, curriculares e societais, a interdependência com a investigação sobre o ensino, com participações diversificadas e mandatos contraditórios, entre outros elementos, miscigenam o território e matizam as análises. Ao longo deste capítulo, procura-se identificar os principais contributos para o entendimento do conhecimento profissional docente, em termos da investigação realizada e dos contornos estabelecidos entre o estatuto da profissão e a especificidade reconhecida ao conhecimento dos professores. A relevância para a profissão e para a qualidade do ensino emergirá desses focos. As tensões e os diálogos que se foram estabelecendo em torno ou focados no conceito atravessam igualmente cada um dos aspetos elencados.

1.1. O conhecimento profissional como aspeto distintivo da profissão docente

A relação entre conhecimento e prática é central ao ensino, como a outras profissões. No caso da Medicina, a entrada da formação médica nas universidades é vista como tendo influenciado profundamente a natureza do conhecimento considerado relevante e a forma como os alunos encontram este conhecimento, procurando-se equilibrar “the emphasis placed on scientific, cultural and humanistic knowledge, as well as professional values essential for practice” (Cooke et al., 2006, cit. por Conway et al., 2009, p. 31). Nas profissões a que se reconhece um estatuto de profissionalidade plena (médicos, engenheiros, arquitetos, entre outros), podemos identificar a posse de um saber próprio, distinto e exclusivo do grupo que o partilha, produz e faz circular, que é reconhecido e que faz parte da sua distinção e legitimação social e profissional (Rodrigues, 2002). No entanto, o conhecimento profissional é considerado o “elo mais fraco” da profissão docente (Roldão, 2005c), aquele em que importa investir como alavanca capaz de reverter o descrédito, o desânimo, o escasso reconhecimento – fatores repetidamente identificados na investigação sobre professores e desenvolvimento profissional (Roldão, 2005a).

Antes das tentativas de constituir conhecimento formalizado sobre a Educação, já existia uma prática de educar e ensinar. Roldão (2007a) considera que esta anterioridade/interação da prática com a sua teorização, comum às atividades sociopráticas, é um dos fatores que dificultam a análise do conhecimento profissional dos professores, pois “a prática educativa não é uma ação que deriva de conhecimento prévio (...) mas sim uma atividade que gera atividade intelectual, em

paralelo com a sua existência” (Gimeno Sacristán, 1991, p. 70). A complexidade da conversão de um campo de prática profissional num campo de conhecimento, assinalada também por Montero (2001), implica a produção de conhecimento sistematizado sobre essa prática que permita transformar a atividade em ação profissional, libertando-a de funcionamentos rotineiros ou ritualizados. No caso do ensino, a produção de conhecimento foi maioritariamente conduzida por esferas exteriores à própria ação, gerando-se novos corpos de conhecimento que sustentaram e transformaram a forma de agir dos profissionais em causa, reclamando um campo de prática como arena de investigação. Temos, assim, o conhecimento dos professores em interface quer com o conhecimento leigo sobre educação quer com o conhecimento científico sobre o ensino. Analisam- se sumariamente estes pontos de sobreposição e encontro, epistemológico e histórico, antes de analisarmos os estudos realizados sobre o conhecimento profissional dos professores.

1.1.1. Relação com o conhecimento leigo sobre Educação

Gimeno Sacristán recorda-nos que a educação é uma prática partilhada, como o é a sua compreensão, no sentido em que todos sabemos algo a respeito da Educação, todos podemos ensinar algo a outro. “O cidadão comum – mesmo que não seja pai ou mãe – entende e é capaz de desenvolver práticas educativas” (Gimeno Sacristán, 2003, p. 16), situação que o autor equipara à Medicina pois todos temos conhecimento leigo sobre saúde que nos permite regular o nosso corpo. A familiaridade com o ensino que advém da participação como aluno no sistema educativo, e nas práticas sociais, foi identificada como uma aprendizagem de observação, poderosa na determinação da forma como olhamos a profissão e a ação do professor (Lortie, 2002). Contudo, apesar de sermos todos partícipes da cultura pedagógica,

nem todos (pessoas ou coletivos) temos as mesmas possibilidades para articulá-la e deixar a nossa marca pessoal na sua evolução. O professor e o especialista sabem mais, e seguramente de forma mais ordenada, sobre aquilo que diz respeito à Educação, e essa distância justifica o papel específico que se atribui a eles e que lhes é reconhecido socialmente (Gimeno Sacristán, 2003, p. 16).

1.1.2. Relação com o conhecimento científico sobre Educação

Se educar é uma tarefa de todos, pois todos estamos empenhados em imprimir uma direção à cultura, à sociedade, aos modos de ser dos seres humanos, recorda Gimeno Sacristán (2003), também temos diferentes papéis e poderes de influência, sendo o professor tanto um detentor da

cultura leiga sobre educação como um especialista que domina saberes pedagógicos com mais profundidade e destreza do que aqueles que não exercem o seu ofício. A relação entre a investigação sobre o ensino e o conhecimento dos professores, analisada por Montero (2001), especifica que esse conhecimento de especialista sobre Educação, que distingue os professores dos leigos, é igualmente distinto de conhecimentos de outros especialistas sobre essa área. Essa distinção deriva primordialmente da mobilização para o ensino que é característica da ação profissional docente (Carlgren, Montero, Figueiredo, & Grangeat, 2009; Montero, 2001; Roldão, 2002b, 2007a, 2009a; Sá-Chaves, 2002; L. Shulman, 1987) e que implica que todo o conhecimento dos professores sobre a sua atividade profissional seja conhecimento sobre o ensino, embora nem todo o conhecimento disponível sobre o ensino possa ser considerado conhecimento dos professores. Roldão (2005c), com base em Hadji (2001), realiza esta distinção designando por educacional o saber sobre educação que distingue do saber próprio ao exercício da educação mobilizado na ação educativa, designado por educativo, perspetivando ambos como indissociáveis, ainda que não sobreponíveis nem indiscriminados.

O conhecimento profissional específico dos professores é igualmente interpelado, e interpelador, de problemáticas mais latas de cariz tanto epistemológico quanto político que, se cruzam outros quadrantes da sociedade de forma igualmente relevante e questionadora, encontram no campo educativo terreno fértil dada a miríade de formas de relacionamento com o conhecimento que nele se entrecruzam. Encontramos, assim, ao longo das três décadas de estudo sobre o conhecimento dos professores, discussões sobre legitimidade e validade de diferentes tipos de conhecimento, produzidos em contextos e por atores distintos, onde se esgrimem conceitos como conhecimento tácito, prático, pessoal ou informal, apropriáveis em termos de especificidade mas também de desvalorização epistemológica e, consequentemente, profissional. A análise destes conceitos é enquadrada, por sua vez, por debates sobre a relação entre investigação e ensino, com conceitos como evidence-based a merecerem destaque. Mas as tentativas de estabelecer fronteiras, critérios, zonas de influência, em termos do conhecimento relevante para sustentar a ação profissional dos professores são elas próprias reféns de discussões sobre legitimidade e validade dado o estatuto problemático da investigação conduzida em educação (Arroz, 2005; Zanten, 2006, cit. por Barroso, 2010, p. 39) e da sua saliente dimensão política (Martins, 2010).

investigação em Educação, ao questionar o empreendimento científico, apontando o conceito de conhecimento, particularmente o científico, como alvo de alterações “no sentido da coexistência de construções múltiplas resultantes das perspetivas de focagem adotadas, igualmente legitimadas pela corroboração de intérpretes (ou produtores de significados) competentes e sujeitas a revisão contínua” (Arroz, 2005, p. 18), assente numa “transmutação de uma realidade apreensível e dirigida por leis e mecanismos naturais em realidades plurais esquivas, construídas social e experiencialmente pelos sujeitos” (Arroz, 2005, p. 18). Com o referencial positivista da ciência moderna posto em causa, verificamos, contudo, que muitos dos debates sobre o conhecimento profissional dos professores se sustentam ainda na lógica do paradigma positivista (Roldão, 2005c), agrilhoando a sua especificidade e o reconhecimento da sua legitimidade.

1.1.3. Relação com o conhecimento de conteúdo do ensino

Como o capítulo anterior, sobre as tradições de análise e investigação sobre o ensino, desenvolveu, a distinção entre conteúdo e forma de ensinar nem sempre foi claramente reconhecida (Hamilton, 1999). Embora existam ricas, complexas e densas elaborações sobre o ensinar nos corpos de produção didática, pedagógica e curricular, persistem visões sobre ser professor como 'professar um saber', ou seja, referenciado predominantemente a saberes disciplinares, herança de um

passado mais distante, (em que) essa interpretação de ensinar assumia um significado socialmente pertinente, quando o saber disponível era muito menor, pouco acessível, e o seu domínio limitado a um número restrito de grupos ou indivíduos (que) deixou de ser socialmente útil e profissionalmente distintivo da função em causa, num tempo de acesso alargado à informação e de estruturação das sociedades em torno do conhecimento enquanto capital global (Roldão, 2007a, p. 95).

Um terceiro eixo que atravessa a questão do conhecimento profissional específico dos professores é, então, a sua proximidade ao conhecimento do conteúdo do ensino. Os trabalhos de Shulman e colaboradores, nas décadas de 1980 e 1990, destacam-se na afirmação da importância desse conhecimento de conteúdo, mas também de uma especificidade ou distintividade do conhecimento para ensinar para o qual o conceito de conhecimento pedagógico de conteúdo foi crucial. A importância da especificidade desse conhecimento é estabelecida pelo autor quando afirma: “we would not be able to establish the political integrity of teaching if we could not make

the supportable claim that teachers knew how to do things that other people couldn’t do” (L. Shulman, 2007, cit. por Berry et al., 2008, p. 1275). Num ponto posterior deste capítulo retomamos os trabalhos de Shulman.

1.1.4. Síntese: uma prática e um conhecimento específicos

A discussão da legitimidade social da profissão associa, assim, a reivindicação de que a docência constitui uma práxis específica à possibilidade de identificar um conhecimento que a sustenta. Nas palavras de Sá-Chaves,

o exercício profissional, enquanto ato social, cultural e cientificamente específico, possui uma matriz que o identifica e simultaneamente o diferencia, relativamente aos outros (...) tem subjacente um saber próprio que configura na sua matriz dimensões múltiplas, umas de carácter mais aberto e genérico, outras, porém, de absoluta especificidade e que, habitualmente, se designa como conhecimento profissional (2000, p. 46).

Como afirma Gimeno Sacristán (1991), a reivindicação de um estatuto profissional a partir da reivindicação de saberes específicos e da tentativa de “realçar a existência de uma cultura sobre o ‘pedagógico’, partilhada socialmente e assumida pelos próprios professores”, torna-se especialmente importante.

Para a análise corporizada neste capítulo, optou-se por uma utilização indistinta das designações conhecimento e saber para aproximar, ou superar, a diferença de tradução de knowledge e savoir dado que aqui foi mobilizada produção anglófona e francófona, assim como castelhana. Outros autores utilizam os termos para designar aspetos distintos. Caria (2005) reserva a utilização da designação saber profissional para descrever uma forma de conhecimento incluída na tipologia que sugere: “conhecimento situado e construído na interação social e sobre a singularidade das situações sociais” que se distingue da informação (“conteúdos-ideias legítimos, gerais e abstratos, adquiridos, que hierarquizam a cultura”), da qualificação (“conhecimento usado e certificado para desempenhos determinados pelo comando organizacional”) e da competência (“conhecimento sobre o uso de ideias-conteúdos abstratas e gerais na resolução de problemas em contexto”) (p. 114). Por sua vez, Charlot (2007) destaca a ideia de 'encontro com' como permeando o verbo conhecer, por se poder conhecer outra pessoa ou até uma área científica. Quanto ao saber, considera que o verbo ressalta algo que foi apropriado, como quando se sabe uma resposta, uma lição. Considera, contudo, que estas diferenças são mais importantes para a utilização dos verbos

na linguagem comum, sem pertinência epistemológica “uma vez que não há saber sem relação com o saber, portanto, sem certa forma de encontrá-lo” (2007, p. 133).

1.2. O papel e o poder do conhecimento profissional no âmbito do estudo das profissões

Para enquadrar a importância do conhecimento profissional específico para a legitimação da profissão docente, percorremos brevemente contributos da sociologia das profissões. Para além de enquadrar a discussão sobre a profissão docente, importa realçar que este diálogo demonstra que existem formas distintas de compreender e analisar profissões e ocupações profissionais. O próprio conceito de profissão e profissionalização é debatido, relevando-se a importância de discutir diferenças de grau ou escala, em vez de inclusão/exclusão, e de ter em conta a perspetiva dos próprios membros das ocupações (Rodrigues, 2002). Outros autores salientam a importância de uma visão internacional que permita considerar a diversidade de relações e interações entre critérios e atores existente entre países e regiões (Faulconbridge & Muzio, 2012).

A posição funcionalista assume como ponto de partida, na sua análise da profissão, as funções necessárias para o funcionamento da sociedade a desempenhar pelas profissões, que se legitimam desenvolvendo e mantendo valores sociais que sustentam o bem comum. Parsons (1968) perspetiva uma profissão com um mandato social para dominar uma parte importante da tradição cultural de uma sociedade. A atividade profissional é organizada, em conformidade com esta visão, por linhas universais que garantem o serviço prestado. O acesso à profissão exige qualificação superior, distintiva, diferenciando-se do acesso por herança, influência ou outro critério. Hall (1975) encapsulou o pensamento funcionalista ao descrever as profissões através de características estuturantes e o profissional através de características atitudinais. As características da profissão que o autor destaca são: a) conhecimento e prática baseados em teoria sistematizada, b) autoridade e autonomia profissionais, c) controlo formal e informal sobre o desenvolvimento do conhecimento no seu campo e a formação de futuros profissionais, d) orientação por um código ético que regula as relações entre colegas e com clientes, e) os membros da profissão perspetivam-se a si mesmos como integrando uma cultura profissional de normas, símbolos e linguagem próprios. Por sua vez, as características do profissional centram-se em aspetos de personalidade e atitude como: compromisso pessoal, desejo de excelência no cumprimento das tarefas profissionais, motivação distinta da financeira, afiliação com colegas contribuindo para uma identidade comum desenvolvida e mantida através de associações formais e informais, e desejo e exigência de

autonomia profissional.

Se tivermos em linha de conta estes critérios, tem sido difícil para uma ocupação como o ensino ver reconhecido o estatuto de profissão. Seguimos a análise de Krejsler (2005). Os professores não têm conseguido afirmar uma posição inquestionável relativamente ao seu campo profissional, não são vistos como possuindo um corpo de conhecimento indispensável ao qual tenham acesso privilegiado, sendo antes perspetivados como lidando com conhecimento geral, acessível na sociedade por outros meios. A dimensão científica da sua base de conhecimentos não é evidente, sendo questionável se os professores dispõem de uma linguagem científica através da qual comunicam sobre a prática e desenvolvem conhecimento profissional. Acresce, segundo o autor, que é disputado socialmente se a formação inicial é requisito para uma prática profissional satisfatória, e esta é vista como não autónoma sendo antes facilmente reconhecido que exercitam privadamente na sala de aula mas dentro do quadro de uma escola a que estão sujeitos administrativamente. Neste sentido, os professores são caracterizados como semiprofissão (Gimeno Sacristán, 1991; Roldão, 1998).

Esta ideia fora já explorada, na década de 1960, no livro editado por Etzioni que agrupa professores, trabalhadores sociais e enfermeiros como semiprofissões que apresentam em comum, segundo o autor: uma formação curta, um estatuto menos legitimado, o direito a comunicação privilegiada menos estabelecido, um menor corpo de conhecimento especializado e menor autonomia de supervisão ou controlo externo à profissão (1969, p. v). Na mesma obra, tanto na análise de Lortie (1969) sobre a autonomia de professores do ensino primário, como na síntese conclusiva da obra por Goode (1969), o destaque em termos de lacuna na profissão de professor é na questão do conhecimento de base descrito pelo último como “relatively small in amount and shallow intelectually” (p. 213).

Rodrigues (2002) destaca como elemento básico para definir uma profissão, segundo esta perspetiva, o conhecimento profissional entendido como “conhecimentos abstratos organizados num corpo codificado de princípios, aplicáveis a problemas concretos, aceites como tal pela sociedade, veiculados por uma comunidade com capacidade para organizar e transmitir esses

Documentos relacionados