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4. O PROCESSO DE INTERVENÇÃO

4.3 Conhecimentos revelados, novos olhares

A iniciativa do projeto desenvolvido junto aos alunos proporcionou o que priorizamos desde o início: o processo reflexivo sem fazer da prática preventiva apenas um alerta sobre saúde, sexo, higiene ou drogas, mas possibilitar a superação dos próprios obstáculos, dificuldades e vulnerabilidades.

Os conhecimentos revelados ampliaram o entendimento do grupo quanto às novas maneiras de se estabelecerem com o outro, de se comunicarem ou observarem. As vulnerabilidades presentes, no que compreende as relações interpessoais, foram tocadas e ressignificadas. Os alunos foram capazes de reconhecer a importância do outro e de si mesmo, bem como das escolhas que têm feito.

A gente tem um grupinho que sempre conversava após as saídas das aulas e aí a gente sempre conversava sobre as coisas da aula e trocava opiniões. Falávamos: vamos fazer assim! Vamos praticar isso! Vamos procurar fazer uma corrida! Vamos procurar fazer algum exercício juntas! Porque se uma só fizer vai se sentir cansada e vai parar. Então a gente começou a ter esta ideia de focar mais em uma atividade física e começar a se exercitar, começar a ter uma alimentação saudável, começar a ter esta ideia pra gente melhorar a saúde porque a gente está muito nova pra ficar parada.

[...] a gente aprendeu também a se relacionar melhor com as pessoas, como se prevenir de doenças, cuidar de si mesmo, a se expressar melhor. E este projeto deveria continuar porque é um projeto excelente, tanto pra mim quanto para as outras pessoas. (Lelê, 15 anos)

Eu lembro de uma atividade sobre “O que você espera daqui a 5 anos?”. Eu gostei muito porque fez a gente pensar no futuro, pensar no que a gente está fazendo agora para melhorar depois. Eu normalmente penso sozinha no silêncio da noite e eu respondi até que eu queria fazer medicina e tal. Já mudei de ideia, agora quero fazer filosofia. Toda hora de cinco em cinco minutos a gente muda. Eu acho que é da idade! A gente vai mudando! Eu gostei muito, porque faz a gente pensar! (Jú, 15 anos)

Agora eu me abro mais com as pessoas, me relaciono melhor!

A gente precisa parar de ver a forma da pessoa, como ela é para assim só olhar pra dentro dela, como ela se abre e se sente. Porque muita gente gosta de só apontar o defeito um do outro. Mas olhar o que ela sente pra ajudar e se colocar no lugar dela, poucas pessoas fazem isso. (Duno, 15 anos)

A trajetória construída ao longo dos meses possibilitou que o respeito, valorização da vida, despertamento e mudanças de atitudes fossem observadas nas turmas. Podemos destacar que o projeto apresentou possibilidades de transformação para aqueles jovens, pois como relatado por eles próprios a experiência proporcionada representou um novo saber, um “abrir de olhos”, um alerta.

O projeto foi bom porque me ajudou em muitas coisas, principalmente a enxergar coisas que eu achava que não faziam diferença na minha vida, mas que agora fazem. Tanto o lado social e físico, porque me ajudou a comunicar melhor com as pessoas e a conviver melhor. Acho que mudou a vida de muita gente. E ajudou também todo mundo. (Kellen, 15 anos)

Ajudou muitas pessoas que tem que abrir os olhos mesmo, que tem que ver as coisas, respeitar as pessoas, abrir os olhos pra vida mesmo. Precisam ser exemplo, tá chegando a hora de ser pessoa, virar mulher, vira homem. É preciso ter mais respeito! As pessoas precisam abrir mais os olhos! (Lion, 15 anos)

Os apontamentos dos participantes consideram que estratégias preventivas possíveis são aquelas viáveis no momento em que vivemos. Ou seja, os jovens precisam ser sensibilizados, informados e conscientizados quanto às suas escolhas e ações, não necessitando de repressão, acusação ou condenação, mas de compreensão e de ações educativas que promovam o diálogo, debate e principalmente a escuta.

Apesar de em alguns momentos durante o processo interventivo achar que o trabalho não estava sendo conduzido de forma proveitosa e prazerosa devido aos embates, comparações, birras e conversas mais duras, foi possível apreender que, mediante a avaliação dos alunos, o projeto deu certo. O grupo acredita que mesmo aqueles que pouco se envolveram aprenderam algo nas aulas.

Com o cuidado de buscarmos desenvolver e trabalhar com os fatores de proteção às vulnerabilidades (PAULILO; JEOLÁS, 2000; BRÊTAS, 2010; UNODC, 2013) por meio de ideias construtivas, humanizadas, lidando com a temática por meio de trocas, sem definir o certo e o errado, o bom ou o mal, acreditamos que avançamos no sentido de ter direcionado a prática interventiva para além do que já está desenhado pela sociedade, construindo e sensibilizando as futuras ações. Valorizamos e ressignificamos as habilidades sociais, pessoais e o protagonismo juvenil dos alunos.

Enfatizou-se na intervenção o que Jeolás (2010) defende quando lidamos com questões preventivas dos mais diversos riscos, que é necessário agir como educadores interlocutores, estimulando junto aos jovens um discurso reflexivo e não prescritivo, estabelecendo uma comunicação horizontal e não vertical, sem impor modelos prontos de comportamentos e atitudes.

Assim, investimos na autoestima, autorrealização, desenvolvimento do senso de responsabilidade com relação à vida e ao corpo, concretizando valores e condutas na qual o sujeito acredita ser a mais adequada e sadia (BUCHER,1992), embasada na informação e no conhecimento para a concretude do processo reflexivo individual.

Mais uma vez nos direcionamos no sentido contrário, assim como Bucher (1992) e Sodelli (2010), ao que a sociedade alimenta quanto as “pseudoverdades” postas sobre as drogas e as tentativas de se esconder seu lado prazeroso com apelos de imagens de impacto, doenças, efeitos dos psicoativos ou marginalização, correspondendo mais a uma pedagogia do terror do que a propostas credíveis.

Apostamos na intervenção construída no plano da confiança e do diálogo aberto, tratando a temática no plano da prevenção e promoção da saúde, sem preconceitos, medo ou dramatização.

Segundo os entrevistados, a maneira como as aulas foram conduzidas e a abertura para perguntas e esclarecimentos permitiu que eles pudessem se expressar, mesmo discordando da maioria, pois ali houve o espaço para o confronto de ideias e opiniões.

Ali nas aulas a gente poderia expressar e falar sobre o que acha sobre aquilo, colocar sua opinião e muitas das coisas eu fui contra a sala, né! Mas eu acho que foi bom sim, expressar a minha opinião, o que eu acho sobre as drogas, o que eu acho sobre muitas coisas como sexo, coisas assim. (Lion, 15 anos) Estabelecer essa didática de ensino exige mais do professor, mas acreditamos que esta perspectiva de ensino, com intensa relação entre professor-aluno-liberdade de expressar ideias é relevante dentro dos padrões ético-profissionais. Destacamos no trabalho preventivo de valor e significados uma boa relação com seus pares, ou uma conduta contrária pode limitar a ação além de ser tornar algo doloroso, punitivo e imposto.